O mundo parou para ouvir o último discurso de Jerome Powell como presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed). E Powell não desiludiu. Pressionado e insultado por Donald Trump — que o nomeou presidente da Fed em 2018 —, o advogado de 72 anos reafirmou os valores que estão na base da atuação do banco central: “Preservar a estabilidade dos preços e maximizar a criação de emprego”.

Analisando os mais recentes dados da economia norte-americana, Powell deixou sinais que o mercado interpretou como um anúncio de que a Fed irá baixar as taxas de juro de referência — atualmente entre 4,25% e 4,5% — na próxima reunião de 16 e 17 de setembro. A dúvida que ficou no ar foi qual será a dimensão do corte.

Quem terá recebido o discurso de Powell de forma triunfante foi o presidente dos Estados Unidos. Donald Trump, que há muito exige uma descida significativa dos juros, não se conteve e, enquanto Powell discursava, escreveu na sua rede social Truth Social que iria demitir a governadora da Fed, Lisa Cook, caso esta não renunciasse ao cargo.

Lisa Cook, nomeada por Joe Biden e a primeira mulher negra a integrar a liderança da Fed, está envolvida em alegações de que terá obtido empréstimos em condições mais favoráveis, por ter declarado várias moradas como residências principais. À semelhança de Portugal, também nos Estados Unidos os empréstimos para compra de habitação própria e permanente têm condições mais vantajosas face aos concedidos para segundas habitações ou imóveis de investimento.

Os apoiantes de Donald Trump pediram à procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, que investigasse o caso, e o Departamento de Justiça terá levado o assunto “muito a sério”, disse um funcionário à Reuters.

Lisa Cook governadora da FED | Foto: FED

Lisa Cook já afirmou que não se demitirá. Nesta sexta-feira, ao chegar a Jackson Hole para assistir ao discurso de Powell, foi alvo de insultos por parte de algumas pessoas presentes na estância de férias do Wyoming, ainda que estas não fizessem parte dos 120 participantes oficiais do encontro organizado pela Reserva Federal de Kansas City.

Voltando ao discurso de Powell, o presidente da Fed não esqueceu a política de tarifas alfandegárias de Donald Trump, afirmando: “Em relação à inflação, tarifas mais elevadas começaram a fazer subir os preços de algumas categorias de produtos. Os efeitos sobre os preços ao consumidor são agora claramente visíveis. Esperamos que estes efeitos se acumulem nos próximos meses, embora com grande incerteza quanto ao momento e aos valores. A questão que importa para a política monetária é se estes aumentos de preços irão aumentar substancialmente o risco de uma inflação persistente.”

Powell ilustrou o fenómeno: “Os trabalhadores que enfrentam um aumento dos preços dos bens irão pedir aos patrões para ganharem mais.” A combinação destes fatores “poderia estimular uma dinâmica inflacionista mais duradoura”. O presidente da Fed voltou a reafirmar o objetivo de alcançar uma inflação de 2%, em linha com o Banco Central Europeu. Os últimos dados apontam para um índice de preços no consumidor de 2,6%, com tendência para subir.

Embora os dois mandatos atribuídos pelo Congresso à Fed — inflação estável e pleno emprego — sejam considerados igualmente importantes, Powell passou a utilizar uma fórmula em que a estabilidade de preços é apresentada como condição necessária para que o mercado de trabalho atinja o seu potencial. Esta abordagem permite justificar novas medidas de política monetária para combater a inflação, mantendo a coerência com a meta de maximização do emprego.

“O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abrandou consideravelmente, refletindo a queda do consumo privado”, afirmou Powell, acrescentando que a oferta de emprego também está a diminuir.

“Continuamos a acreditar que a política monetária deve ser orientada para o futuro e ter em conta os desfasamentos dos seus efeitos na economia”, disse Powell, ao apresentar a nova estratégia da Fed baseada “numa estrutura de metas de inflação flexíveis”.

“A nossa estratégia revista enfatiza o compromisso de agir de forma firme para garantir que as expectativas de inflação de longo prazo permaneçam bem ancoradas, em benefício das duas vertentes do nosso duplo mandato: estabilidade dos preços e crescimento do emprego”, acrescentou.

A revisão dos princípios operacionais do banco central era amplamente aguardada. A ata da reunião de política monetária de 29 e 30 de julho, divulgada na passada quarta-feira, já antecipava que a revisão “seria concebida para ser robusta em diferentes condições económicas”. Powell adiantou ainda que, a partir de agora, a estratégia da Fed será revista de cinco em cinco anos, com objetivos divulgados publicamente.