À data da sua morte na prisão, em 2019, o norte americano Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais, era um homem rico. Detinha imobiliário de luxo, duas ilhas no Caribe e cerca de 380 milhões de dólares (cerca de 328 milhões de euros) em dinheiro e em vários investimentos. A Forbes Internacional avaliava a seu património, à data, em 578 milhões de dólares (cerca de 500 milhões de euros). No centro da questão está agora a forma como ele acumulou esse património.

A Forbes Internacional dedicou a este tema um artigo em que revela que uma das possibilidades, a menos plausível, é que tenha separado a sua atividade de crimes sexuais do seu trabalho de consultor financeiro de bilionários. Por outro lado, o cenário mais polémico, e mais provável, alegado por muitos dos apoiantes do presidente Donald Trump – de quem chegou a ser amigo – e por teóricos da conspiração, é que Epstein gravou secretamente os seus amigos ricos a cometer crimes sexuais com menores nas suas ilhas e depois os chantageava, tendo o seu negócio financeiro servido de fachada.

Embora o presidente Trump e Epstein tenham sido amigos durante muitos anos, não há provas de que alguma vez tenham feito negócios juntos.

Certo é que as origens da fortuna de Epstein permanecem envoltas em mistério. Fica, no entanto, claro, de acordo com a análise da Forbes aos processos judiciais e registos financeiros, que Epstein se baseou sobretudo em dois clientes bilionários e ainda num esquema fiscal para construir a base da sua fortuna. Les Wexner, ex-CEO da Victoria’s Secret, e Leon Black, gestor de participações privadas, foram os dois maiores clientes financeiros de Epstein. Dos mais de 800 milhões de dólares (cerca de 690 milhões de euros) em receitas que os dois principais negócios de Epstein geraram entre 1999 e 2018, de acordo com o New York Times, Epstein cobrou pelo menos 490 milhões de dólares (cerca de 422 milhões de euros) em honorários, sendo o restante proveniente de ganhos em investimentos.

A Wexner e a Black contribuíram com mais de 75% das receitas de Epstein durante esse período, de acordo com as estimativas da Forbes. Essas entidades, ambas sediadas nas Ilhas Virgens Americanas, foram as únicas empresas que geraram rendimento a Epstein desde 1999 até à sua morte. Embora o presidente Trump e Epstein tenham sido amigos durante muitos anos, não há provas de que alguma vez tenham feito negócios juntos. Alegadamente, desentenderam-se depois de competirem pela compra da mesma propriedade em Palm Beach em 2004. Nessa batalha, Trump ganhou.

Quem são Les Wexner e Leon Black

Wexner, 87 anos, fundador do gigante do vestuário Limited, foi o principal cliente de Epstein entre 1991 e 2007, antes de os dois homens se desentenderem e terem pago a Epstein cerca de 200 milhões de dólares (172 milhões de euros) ao longo dos anos. Black, 73 anos, que fundou a empresa de capitais privados Apollo Global Management, pagou a Epstein 170 milhões de dólares (147 milhões de euros) entre 2012 e 2017, de acordo com uma investigação independente da firma de advogados Dechert LLP.

Por outro lado, o agressor sexual condenado, conseguiu acumular a sua riqueza quase sem impostos, graças a generosos benefícios fiscais nas Ilhas Virgens Americanas, onde se tornou residente em 1996, tendo criado uma empresa de consultoria financeira chamada Financial Trust Company, dois anos mais tarde. Foi nesse ano que gastou quase 8 milhões de dólares (7 milhões de euros) para comprar Little St. James Island, que desde então se tornou conhecida como “ilha dos pedófilos” pelo seu papel que teve na sua rede de tráfico sexual.

Bilionários afirmam desconhecer dos crimes sexuais de Epstein

Wexner e Black pediram desculpa pela sua associação a Epstein e disseram que não tinham conhecimento de seus crimes sexuais. Wexner deixou o cargo de CEO da L Brands em 2020, e Black, em 2021, deixou o cargo de CEO da Apollo e o cargo de presidente do Museu de Arte Moderna. Porém, os dois homens não eram os únicos clientes de Epstein. A herdeira da Johnson & Johnson, Elizabeth Johnson (falecida em 2017), também era sua cliente, tal como o bilionário Glenn Dubin. Epstein também trabalhou com um ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, chefes de Estado, laureados com o Prémio Nobel e filantropos proeminentes, segundo referiu Leon Black, que não citou nomes.

Aliás, Epstein terá afirmado que só trabalhava com pessoas que valiam pelo menos mil milhões de dólares. No entanto, as únicas transacções entre as firmas de Epstein e os seus clientes que foram tornadas públicas são os pagamentos de 170 milhões de dólares (cerca de 147 milhões de euros) de Leon Black e de 15 milhões de dólares (cerca de 13 milhões de euros) de Highbridge.

Não se sabe exatamente quanto é que Wexner pagou a Epstein ao longo da sua relação. A Forbes estima que tenha sido mais de 200 milhões de dólares (cerca de 172 milhões de euros) até 2007.

Terá sido sobretudo Les Wexner que lançou as sementes da fortuna de Epstein. Nascido em 1937 em Dayton, Ohio, Wexner fundou a empresa de retalho The Limited em 1963 e transformou-a num negócio de mil milhões de dólares com marcas populares como a Victoria’s Secret e a Bath and Body Works. Wexner conheceu Epstein, um antigo negociante do Bear Stearns, através de um conhecimento comum na década de 1980. Encantado com o carismático homem, 15 anos mais novo, Wexner contratou-o para o ajudar a gerir a sua fortuna. Em 1991, Epstein tinha plenos poderes de representação sobre as finanças de Wexner.

Não se sabe exatamente quanto é que Wexner pagou a Epstein ao longo da sua relação. A Forbes estima que tenha sido mais de 200 milhões de dólares (cerca de 172 milhões de euros) até 2007. Epstein viveu na casa de Wexner, em Manhattan durante anos, antes de Wexner transferir oficialmente a escritura da propriedade para Epstein em 2011 – não há registo do valor pago na altura. O imóvel valia 56 milhões de dólares (48,3 milhões de euros) quando ele morreu em 2019. Os dois homens desentenderam-se em 2007, depois de Epstein ter desviado pelo menos 46 milhões de dólares (40 milhões de euros) de Wexner, escreveu o bilionário do retalho numa carta em 2020. O fim do patrocínio de Wexner terá sido um rude golpe para Epstein. Entre 2000 e 2006, a Financial Trust Company, a principal atividade de Epstein, gerou 300 milhões de dólares (259 milhões de euros) em receitas. Nos seis anos seguintes, essa atividade gerou menos de 5 milhões de dólares (4,3 milhões de euros) em comissões.

No seu conjunto, as transações revelam que, entre 2012 e 2016, Epstein dependia quase inteiramente de Leon Black para obter rendimentos.

Pouco depois de Wexner ter cortado relações com ele, Epstein foi atingido por outro golpe: a crise financeira de 2008. De 2008 a 2012, o Financial Trust registou 166 milhões de dólares (143 milhões de euros) em perdas líquidas, enquanto Epstein se ressentia da perda do seu maior cliente e de dezenas de milhões de dólares em investimentos que se afundavam. A sua reputação também foi prejudicada depois de se ter declarado culpado, em 2008, no tribunal estadual da Florida, de dois crimes relacionados com prostituição.

O importante papel de Leon Black

Leon Black também foi fundamental na criação da fortuna de Jeffrey Epstein. O diretor executivo e cofundador da Apollo Global Management, gigante do capital privado, conhecia Epstein desde meados da década de 1990, e Epstein foi diretor da Black Family Foundation entre 1997 e 2007. Em 2012, Black assinou um acordo com a Southern Trust Company, de Epstein, para aconselhamento em matéria de planeamento financeiro e patrimonial, questões fiscais e filantrópicas e nas operações do escritório familiar de Black. Os pagamentos de Black representaram a quase totalidade dos 51 milhões de dólares (cerca de 44 milhões de euros) em comissões que a Southern Trust ganhou nesse ano. Em 2014, Black pagou-lhe 70 milhões de dólares (cerca de 60 milhões de euros) e 30 milhões de dólares (25,9 milhões de euros) em 2015. Os pagamentos de Black constituíram a totalidade das receitas de honorários da Southern Trust em 2014 e mais de metade das suas receitas de honorários em 2015. Nesse mesmo ano, Black doou pelo menos 10 milhões de dólares (8,7 milhões de euros) a uma instituição de caridade associada a Epstein.

Leon Black não parece ter pago qualquer quantia a Epstein em 2016, e o Southern Trust não registou quaisquer receitas de honorários nesse ano. Em 2017, Black efectuou o seu último pagamento a Epstein, no valor de 8 milhões de dólares (6,9 milhões de euros), as únicas comissões que o Southern Trust declarou ter recebido nesse ano. No seu conjunto, as transações revelam que, na altura, Epstein dependia quase inteiramente de Black para obter rendimentos.

A extensão total da fortuna e da lista de clientes de Epstein ainda é desconhecida, embora outros pormenores possam vir a ser divulgados em breve.

Vantagens fiscais contribuíram para a fortuna

Por outro lado, o agressor sexual condenado, conseguiu acumular a sua riqueza quase sem impostos, graças a generosos benefícios fiscais nas Ilhas Virgens Americanas, onde se tornou residente em 1996, tendo criado uma empresa de consultoria financeira chamada Financial Trust Company, dois anos mais tarde. Foi nesse ano que gastou quase 8 milhões de dólares (7 milhões de euros) para comprar Little St. James Island, que desde então se tornou conhecida como “ilha dos pedófilos” pelo seu papel que teve na sua rede de tráfico sexual.

Epstein obteve benefícios ao abrigo do programa de desenvolvimento económico do território que lhe pouparam 300 milhões de dólares (cerca de 259 milhões de euros) em impostos entre 1999 e 2018.

Os processos judiciais mostram que entre essa empresa e a Southern Trust Company, que criou em 2011, e que se tornou o seu principal negócio no ano seguinte, Epstein obteve benefícios ao abrigo do programa de desenvolvimento económico do território que lhe pouparam 300 milhões de dólares (cerca de 259 milhões de euros) em impostos entre 1999 e 2018. Ao longo desse período, Epstein obteve, pelo menos, 360 milhões de dólares (310 milhões de euros) em dividendos das suas empresas. O programa da Comissão de Desenvolvimento Económico do território, criado na década de 1960, oferece uma isenção de 90% no imposto sobre o rendimento das empresas e de 100% nas receitas brutas e nos impostos especiais de consumo – desde que a empresa empregasse pelo menos 10 residentes das Ilhas Virgens a tempo inteiro e investisse 100 mil dólares numa empresa local. Epstein candidatou-se pela primeira vez aos benefícios para o Financial Trust em dezembro de 1998. O pedido foi aprovado, concedendo-lhe esses benefícios fiscais durante 10 anos, até ao final de 2009, tendo sido posteriormente prorrogado até 2014.

(Com Giacomo Tognini/Forbes Internacional)