O microcrédito, ferramenta concebida para impulsionar actividades produtivas e fomentar pequenos negócios, tem seguido um rumo distinto em Moçambique. A maior parte do financiamento concedido é canalizada para o consumo, e não para investimentos em sectores produtivos, revelou esta Terça-feira, 19, em Luanda, Paulino Chauchachá, representante do Banco de Moçambique no Departamento de Regulação e Licenciamento.

Ao apresentar o estudo “Impacto do Microcrédito no Sector Real da Economia Moçambicana”, no Ciclo Anual de Conferências 2025 sobre “Procedimentos para o Exercício de Actividade no Sector Financeiro não Bancário”, promovido pelo Banco Nacional de Angola (BNA), o responsável apontou um “desvio de finalidade” em relação ao que se esperava. “O microcrédito deveria ser uma alavanca para dinamizar a economia nacional, mas grande parte dos recursos é absorvida por despesas familiares e pessoais”, disse.

Apesar da distorção no destino dos recursos, Chauchachá sublinha um efeito positivo: a inclusão financeira, sobretudo de mulheres. “Cada vez mais mulheres têm sido beneficiadas neste produto de financiamento”, destacou, acrescentando que esse dado representa “um avanço significativo”.

As mulheres, observa, apresentam maior capacidade de gerar capital social com o crédito recebido, aplicando-o em áreas como educação, saúde e bem-estar familiar. Embora isso não traduza directamente em aumento de produtividade económica, reforça o impacto social do microcrédito e amplia a base de inclusão financeira no país.

Crescimento dos operadores e desequilíbrios regionais

Outro dado relevante é o crescimento acentuado dos Operadores de Microcrédito (OPM) em Moçambique. Contudo, a sua distribuição revela disparidades, uma vez que a maior concentração está nos centros urbanos, em detrimento das zonas rurais, onde o acesso ao financiamento poderia ter maior impacto transformador.

“Isso pode indicar um desvio do objectivo inicial de alcance geográfico mais amplo”, alertou o representante do Banco de Moçambique.

Os resultados expõem um dilema estratégico para o país. Enquanto o microcrédito contribui para a inclusão financeira e fortalece o papel das mulheres na economia, a sua concentração em consumo e nas cidades limita o impacto estruturante esperado na produtividade, no empreendedorismo e no desenvolvimento rural.

O desafio, como sublinha Chauchachá, é realinhar o produto ao seu propósito inicial, criando mecanismos que incentivem a sua aplicação em actividades geradoras de rendimento sustentável, sem perder de vista a dimensão social que tem permitido maior acesso e participação financeira a grupos historicamente excluídos.