
O Investimento Directo Estrangeiro (IDE) nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) rondou os 2,6 mil milhões de dólares no ano de 2022, como indicam os dados do Relatório Mundial sobre Investimento. Moçambique foi ‘carro-forte’ da atracção de investimento para o bloco lusófono africano, enquanto Angola se posiciona como o ‘elefante na loja de porcelana’, com registos de IDE negativos desde 2019.
Numa perspectiva mais abrangente, o continente africano registou um total de 44,9 mil milhões de dólares em IDE, em 2022, de acordo com o mesmo documento, que evidencia uma queda de 34,6 mil milhões de dólares em IDE no ‘continente-berço’, já que no ano de 2021 o IDE se posicionou nos 79,5 mil milhões de dólares.
ANGOLA
Em Angola, os dados do banco central apontam para a entrada de 2,3 mil milhões de dólares em investimento directo estrangeiro no primeiro trimestre do ano em curso.
De acordo com os números disponibilizados pelo Banco Nacional de Angola (BNA), o sector petrolífero foi o principal motor da atracção de investimento, ao mobilizar 2,1 mil milhões de dólares, enquanto o não-petrolífero foi responsável pela atracção de 133 milhões de dólares.
Com uma situação social no limite, taxa de desemprego a rondar os 30% e mais de 80% dos empregos no informal, Angola precisa do IDE como que de pão para a boca, já que a população, maioritariamente jovem, tende a agravar os níveis de desobediência civil e criminalidade quando não ocupada, com o agravante de o país possuir uma taxa de crescimento populacional na ordem dos 3%/ano.
A Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX) aponta para intenções de investimento a roçarem os 848,8 milhões de dólares nos primeiros quatro meses de 2024, o que acaba por não responder às necessidades de um país e de uma população jovem e sedenta por empregos.
Adiciona-se aos dados que até mesmo no campo das intenções de investimento há a marca de uma diminuição, que, segundo os dados da AIPEX, se posiciona em 1000 milhões de dólares no mesmo período de 2023, contra os actuais 848,8 milhões de dólares.
Mas nem tudo são coisas exactamente más, já que, apesar da queda nas intenções de investimento no país, o investimento directo estrangeiro cresceu, tendo se posicionado acima dos 21% no primeiro quadrimestre do ano em curso, contra os cerca de 10% em 2023.
A AIPEX, criada para ser a principal porta de entrada para o investimento no país, enfrenta desafios, pois alguns investimentos, inclusive notáveis, não passam pela agência, como fez saber em entrevista recente à Forbes África Lusófona o presidente do seu conselho de administração, Arlindo das Chagas Rangel. O gestor explicara, no entanto, que não há obrigatoriedade de registo dos projectos de investimento na AIPEX, com Angola a garantir aos investidores estrangeiros os mesmos direitos que aos nacionais, mesmo sem o registo dos seus projectos.
No entanto, a AIPEX é a instituição do Estado que vê o investidor como um parceiro e é também a única que pode atribuir incentivos ao investimento privado no país. “A não obrigatoriedade é um dos passos mais importantes para garantirmos a transparência dos processos e a agilidade dos investimentos, assegurando que todos os investidores sintam confiança em utilizar os nossos serviços”, realçou Rangel.
Considerando o actual cenário económico global e suas implicações para Angola, a AIPEX identifica sectores prioritários para atrair novos investimentos. Angola tem como objectivo principal atingir a segurança alimentar e diminuir a dependência das importações em produtos da indústria alimentar, farmacêutica e outras indústrias de bens de consumo. Rangel mencionou que Angola tem capacidade de ser competitiva em outros sectores além do petróleo. “Por exemplo, Angola é um exemplo de modernidade no sector da energia, em particular das renováveis, onde, além das múltiplas intenções de investimento, temos hoje 66% da energia produzida de fontes renováveis”, indicou, em jeito de chamariz aos interessados em investirem na maior economia dos PALOP.
Apesar de ostentar o estatuto de maior economia entre os países lusófonos do ‘continente-berço’, a nação liderada por João Lourenço não consta da lista dos 10 países africanos com os maiores investimentos directos estrangeiros (IDE), de acordo com o último relatório mundial de investimento 2024, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês).
CABO VERDE
Dados do Banco de Cabo Verde consultados pela Forbes África Lusófona mostram que o IDE no país se posicionou nos 2,7 mil milhões de escudos (27,1 milhões de dólares) no primeiro trimestre deste ano.
O Estado português, com 871,7 milhões de escudos (8,7 milhões de dólares), é o principal país de origem do investimento estrangeiro em Cabo Verde, no período em referência, seguido de longe por Angola, que investiu 167,5 milhões de escudos (1,6 milhões de dólares) naquele arquipélago.
No último lugar neste ranking dos maiores países de origem do investimento directo estrangeiro em Cabo Verde encontra-se a Itália, que investiu, mostram os dados, 120,9 milhões de escudos (1,2 milhões de dólares). O resto do mundo investiu um total de 1,5 mil milhões de escudos, pouco mais de 15 milhões de dólares em Cabo Verde, ao longo do primeiro trimestre de 2024.
No que tem que ver com as cidades beneficiadas, chama a atenção o facto de quase todas terem recebido investimento, portanto, uma democracia no que ao investimento diz respeito. Mas há destaque natural para Santiago.
Veja-se que os portugueses, maiores investidores em Cabo Verde, preferem investir na ilha de Santiago, tendo no período o volume de investimento atingido os 674 milhões de escudos (6,7 milhões de dólares), enquanto Angola, segundo maior investidor em Cabo Verde, investiu 166 milhões de escudos naquela ilha (1,6 milhões de dólares.
Os dados indicam que o IDE caiu cerca de 200 milhões de escudos, acima de 2 milhões de dólares, comparativamente aos 2,9 mil milhões de escudos (29,1 milhões de dólares) que tinham sido registados em investimento estrangeiro no último trimestre do ano de 2023.
O total de investimento estrangeiro em Cabo Verde no ano de 2023 foi de 16,1 mil milhões de escudos (161,8 milhões de dólares), sendo que Portugal manteve a posição de maior investidor.
GUINÉ-BISSAU
No período entre 1970 e 2023, o valor médio do IDE na Guiné-Bissau foi de 0,17 mil milhões de dólares, com o mínimo de 0,04 mil milhões de dólares em 1974 e o máximo de 0,47 mil milhões de dólares em 2023.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) aponta a corrupção e insuficiências no Estado de direito como potenciais empecilhos ao investimento directo estrangeiro na Guiné-Bissau. Entretanto, no documento do PNUD, intitulado “Construir um Futuro Melhor para o Ambiente de Negócios na Guiné-Bissau”, salta à vista o relato de que as empresas formais na Guiné-Bissau “sofrem de falta de acesso ao crédito”.
Conforme os dados, apesar de um aumento do total de empréstimos concedidos às empresas e dos empréstimos concedidos às empresas em proporção do produto interno bruto (PIB) nos últimos 20 anos, a maioria das empresas opera numa situação de penúria absoluta de crédito, já que apenas 25% das empresas alguma vez receberam um empréstimo de alguma espécie.
Acresce a isso um cenário político com uma história de fragilidade política e institucional que remonta ao tempo da sua independência de Portugal em 1974, sendo dos mais propícios a golpes de Estado e que empurra para zonas cinzentas todas as intenções de investimento no país.
O PIB per capita da Guiné-Bissau é um dos mais baixos do mundo, enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também é um dos piores do planeta.
Não obstante um contexto de muita burocracia e de infra-estruturas pouco desenvolvidas, o país apresenta um potencial de progresso na exploração de recursos minerais, como os casos do fosfato e da bauxite, continuando assim a merecer a atenção dos investidores, tendo recebido 22 milhões de dólares em investimento, no ano de 2022, como indicam os dados do Banco Mundial.
GUINÉ EQUATORIAL
De acordo com o “Relatório de Investimento Mundial de 2023” publicado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), verifica-se que, até finais de 2022, a Guiné Equatorial terá atraído o stock de investimento directo estrangeiro no valor de 15,89 mil milhões de dólares.
Os dados do The Global Economy, consultados pela Forbes África Lusófona, indicam que o valor médio da relevância do investimento directo estrangeiro sobre o PIB na Guiné Equatorial, no período entre 1996 e 2022, foi de 16,38%, sendo que o mínimo é de -4,02%, registado em 2008, e o máximo é de 161,82%, alcançado em 1996. Os números mais recentes remetem ao ano de 2022 e indicam uma relevância de 3,81%, cerca de 460 milhões de dólares.
A falar na primeira Cimeira de Negócios da Confederação Empresarial da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP), o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, tentava convencer potenciais investidores com o argumento de que o país que lidera goza de estabilidade política, o que o converte num destino propício para o IDE.
Teodoro Obiang indicou ainda, na ocasião, algumas das áreas em que diz existirem “vastas oportunidades” para a realização de parcerias económicas, como as de energia, pescas, agricultura, indústrias transformadoras, turismo, hotelaria, formação, transportes e recursos humanos.
Mas a atracção de investimento para o país que está localizado no golfo da Guiné, organizado essencialmente em duas divisões regionais, nomeadamente a Região Continental e a Região Insular, não é exactamente fácil, já que o actual presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, tem mais de três décadas de poder e mostrou sempre pouca tolerância para a oposição.
Assim, a Guiné Equatorial, que desde 2004 se tornou o terceiro maior produtor de petróleo da África Subsariana, é nominalmente uma democracia multipartidária, mas as eleições têm sido constantemente consideradas “fraudulentas”.
Outro ‘ponto negro’ que concorre para inviabilizar o IDE na Guiné Equatorial é a governação de Obiang, descrita como uma ditadura, pela prestigiada organização Human Rights Watch, que acusa mesmo o presidente da República de estar a usar o boom do petróleo para consolidar e enriquecer-se ainda mais à custa da população do país.
Tudo culmina numa instabilidade que chama a atenção e que acaba por afastar investimentos. De notar que foram 12 tentativas de golpe de Estado malsucedidas desde Agosto de 1979, como indicam os dados a que a Forbes teve acesso.
MOÇAMBIQUE
O investimento direto estrangeiro (IDE) em Moçambique cresceu 2% em 2023, face ao ano anterior, para pouco mais de 2,5 mil milhões de dólares, segundo dados do banco central do país do Índico, ficando acima da projecção do Governo, que era de 1,4 milhões dólares.
Este desempenho é comparável com os 2,4 mil milhões de dólares em 2022, mas fica ainda longe do pico, que foi registado em 2021, quando o IDE em Moçambique ascendeu a 5,1 mil milhões de dólares. Muito impulsionado pelo investimento em “grandes projectos”, na área da produção de gás natural.
Para o futuro, o governo moçambicano estima que o IDE duplique, já que o Plano Económico e Social do Orçamento do Estado (PESOE) para 2024 aponta para um crescimento do IDE de 4,7 mil milhões de dólares, já neste ano. Uma melhoria, indica o documento, influenciada maioritariamente pela retoma dos investimentos da TotalEnergies na bacia do Rovuma.
Adiciona-se a isso que o Governo estima um incremento assinalável de importações de serviços especializados por parte dos grandes projectos em curso no país, como o caso da retoma da operação por parte da TotalEnergies em Cabo Delgado, avaliado em mais de 20 mil milhões de dólares, suspenso desde o início dos ataques terroristas naquela província do Norte do país, ou o caso da expansão de “plantas de produção de outros projetos, como a Montepuez Ruby Minning, HCB [Hidroelétrica de Cahora Bassa] e Coral North FLNG”, que poderão exigir um aumento considerável das importações de bens e serviços, podendo vir a superar o aumento que se espera das exportações, com o início da exploração do gás natural.
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Descrito pelo Banco Mundial como um país pequeno, de duas ilhas, de rendimento médio-baixo, com cerca de 960 quilómetros quadrados, São Tomé e Príncipe (STP) possui uma significativa riqueza natural inexplorada, incluindo florestas tropicais virgens e uma biodiversidade rica e única, o que é favorável ao turismo baseado na natureza.
O país tem uma população jovem e cada vez mais instruída. Cerca de metade das 225 000 pessoas de STP têm menos de 18 anos, com uma taxa de matrícula no ensino secundário de 89%.
De resto, o país dispõe de um conjunto de condições que favorecem o investimento directo estrangeiro e que levaram a que o valor médio de IDE em São Tomé e Príncipe, durante o período entre 2001 e 2022, fosse de 12,58% do PIB, com o mínimo de 3,06% registado em 2004 e o máximo de 42,09% registado em 2008, sendo que os dados mais recentes datam de 2022 e são 23,35%, como indica o The Global Economy.
De acordo com o “Relatório de Investimento Mundial de 2023” publicado pela UNCTAD, até finais de 2022, São Tomé e Príncipe atraiu 490 milhões de dólares em stock de investimento directo estrangeiro.
Um investimento que se mostra fundamental, já que o país lusófono africano enfrenta desafios estruturais típicos de países pequenos e remotos. A pequena dimensão de STP e o baixo número de habitantes limitam o desenvolvimento de actividades económicas em grande escala, o que resulta numa base produtiva pequena e pouco diversificada.