
Esta semana ficou marcada pela nova tentativa de ingerência de Donald Trump na Reserva Federal dos EUA. O presidente norte-americano fez mira à governadora Lisa Cook e, por enquanto, falhou. Cook não aceitou a demissão, alegando que os argumentos de Trump eram infundados.
Neste contexto, o novo diretor-geral do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), Pablo Hernández de Cos, fez do seu primeiro discurso enquanto líder da instituição internacional um apelo ao que considera serem os “pilares institucionais” dos bancos centrais, entre os quais a independência. “Os bancos centrais precisam de independência institucional, funcional, pessoal e financeira, devendo todas estas ser sustentadas por um quadro jurídico robusto”, defende.
O economista espanhol reforça que a missão dos supervisores se prende com a estabilidade dos preços e a confiança no dinheiro. Para que tal seja cumprido, elenca três pilares institucionais nos quais está baseada a missão: o mandato de estabilidade de preços, a responsabilização e a já referida independência. Estabelece até uma analogia: “Um mandato claro de estabilidade de preços, independência e responsabilização são a âncora, o casco e o mastro do navio da política monetária”.
A independência, argumenta Hernández de Cos, permite tomar decisões de política monetária com base em considerações económicas que têm em conta o interesse público a longo prazo e estão livres de interferências políticas de curto prazo. Isto ajuda a uma atuação rápida e credível em resposta aos riscos para a estabilidade de preços e protege os bancos centrais de pressões para usar a política monetária com o intuito de financiar os défices orçamentais dos governos, acrescenta.
Já a responsabilização, considera, é a contrapartida à independência. O diretor-geral sublinha que os bancos centrais, enquanto instituições públicas, “devem ser responsabilizados aos olhos dos legisladores e da sociedade, especialmente quando gozam de independência governamental”. Esta atitude, no seu entender, “promove transparência, que gera confiança nos bancos centrais e reforça a eficácia das suas políticas”. Outra componente crucial deste pilar é a “comunicação clara” das decisões do supervisor, bem como uma explicação sobre o racional das mesmas e como estas vão ajudar a levar a cabo o seu mandato.
Mandato este que Pablo Hernández de Cos considera como primeiro pilar e que estabelece que a política monetária deve proteger o valor do dinheiro. “Para um número cada vez maior de países, isto tomou a forma de metas de inflação. Tais mandatos asseguram que os bancos centrais priorizam a manutenção da estabilidade de preços como a contribuição para o bem-estar económico”, realça.
Os cinco problemas que acumulam incerteza
Olhando para o futuro, o líder do BIS nomeia cinco “mudanças estruturais em curso” que vão levantar criar mais desafios para os bancos centrais. São elas a desglobalização, o envelhecimento da sociedade, as alterações climáticas, as disrupções tecnológicas e as dívidas públicas altas e em crescimento. Todos estes obstáculos acrescem à incerteza que já se faz sentir, considera.
“A globalização está em retrocesso num contexto de crescentes tensões geopolíticas. As tarifas injetaram incerteza nas perspetivas macroeconómicas de curto prazo, dado que tanto podem afetar a cadeia de abastecimento de bens e serviços numa economia como a procura pelos mesmos”, explica o economista. Ao mesmo tempo que tendem a inibir o crescimento económico global, as tarifas podem levar a dois cenários díspares: preços mais elevados em países que as impõem e menor inflação em grandes parceiros comerciais, esclarece.
Por sua vez, a demografia está a levar a um crescimento mais lento da força de trabalho em várias economias. Também esta situação resulta em cenários divergentes. Se, por um lado, a recursos humanos mais escassos podem levar a pressões inflacionistas, por outro, menos população reduz a procura em geral, resultando em menos inflação, explica Hernández de Cos. Já as alterações climáticas estão também a produzir efeitos, com os eventos extremos a afetarem os preços dos alimentos, especialmente em economias emergentes, onde a alimentação tem um custo mais relevante e há maior dependência da agricultura.
Ainda neste campo, alerta para que uma transição pouco suave para as tecnologias verdes pode causar choques de preço na energia enquanto as mesmas não atingirem escala suficiente para reduzir os custos. Assim, os impactos tanto na oferta como na procura acrescentam mais incerteza para os bancos centrais, conclui.
No que diz respeito à disrupção tecnológica, o destaque vai para a Inteligência Artificial e os efeitos que esta vai ter nos sistemas financeiros, produtividade, consumo, investimento e mercado laboral. “As implicações para a oferta e procura também não são claras”, avisa o diretor-geral do BIS. De um lado, a oferta vai aumentar devido à maior produtividade, levando a uma redução de preços. Por oposição, as pressões inflacionistas podem crescer a curto prazo pela maior procura através de investimento e consumo.
Por fim, Hernández de Cos estabelece a transição para um sistema fiscal de maiores e crescentes dívidas públicas como o último desafio estrutural para os bancos centrais. Algo para o qual, salienta, o BIS tem vindo a alertar. Avisa que há países em máximos históricos desde o período pandémico e que se espera um agravamento devido ao envelhecimento da população, à transição verde e às tensões geopolíticas. Em última instância, realça, uma maior dívida pública pode restringir o poder da política monetária e levar a um descontrolo da inflação.
Como não deixar o barco à deriva
Para problemas existem (possíveis) soluções. O diretor-geral do BIS argumenta que há três princípios orientadores que podem ajudar os bancos centrais a navegar o atual contexto de incerteza global: robustez, flexibilidade e realismo.
Robustez face aos vários cenários possíveis, dando exemplos como a crise económica global, a pandemia, a invasão da Ucrânia e as tarifas. “A realidade económica mundial está em constante mudança”, salienta. A flexibilidade mostra-se necessária, defende, para combater a incerteza elevada e adaptar à “fonte, dimensão e persistência dos choques”.
Por fim, os bancos centrais devem ser realistas sobre o que podem ou não alcançar e ser claros sobre isso nas suas comunicações. Hernández de Cos argumenta que a política monetária se deve focar em objetivos que consegue cumprir. Criar expectativas sobre objetivos para os quais os bancos centrais não estão equipados para alcançar pode resultar em riscos de reputação e danificar a credibilidade e a independência destas instituições.
Recuperando a analogia marítima referida, “isso significa que eles devem ser robustos para resistir a tempestades, flexíveis para ajustar o rumo quando necessário e realistas no que podem antecipar, a fim de navegar em direção aos seus objetivos”. Mais ainda, defende o economista, o barco precisa de outras ferramentas que o tornam capaz de enfrentar tempestades.