
Os EUA aprovaram recentemente, no Senado, a criação de um enquadramento legal para as ‘stablecoins’. Esta legislação que passou, denominada GENIUS Act, é posta em causa pelo Chief Investment Officer (CIO) da Amundi, Vincent Mortier. O responsável pelos ativos da maior gestora europeia acredita que “pode ser genial ou pode ser maléfico”.
A lei que passou no Senado americano obriga a que as ‘stablecoins’ sejam indexadas ao dólar. Após passar na Câmara dos Representantes, a legislação segue para a aprovação de Donald Trump. A preocupação com esta nova lei é que leve a uma “dolarização” das economias, caso as populações comecem a investir nestes ativos.
A JPMorgan prevê que o volume de ‘stablecoins’ em circulação duplique para perto de 425 mil milhões de euros ao longo dos próximos anos. Contudo, outras estimativas vão mais longe e apontam que pode ir até 1,7 biliões. Atualmente, cerca de 98% das ‘stablecoins’ em circulação estão indexadas ao dólar, mas mais de 80% das transações com estes ativos ocorrem fora dos EUA.
A ligação ao dólar americano vai levar à compra de obrigações do Tesouro dos EUA, o que beneficia o país em termos de liquidez, mas pode trazer outros problemas. Mortier explica que, com esta legislação, “cria-se uma alternativa ao dólar americano e isso pode levar a um maior enfraquecimento do dólar”. O gestor, em entrevista à agência Reuters, alerta que, se um país está a impulsionar uma ‘stablecoin’, isso pode ser entendido como uma “mensagem de que o dólar não é assim tão forte”.
Mortier revela que ainda não está certo na sua opinião sobre ‘stablecoins’. No entanto, sublinha a preocupação do impacto que uma compra massiva destes ativos pode ter na estabilidade financeira. O CIO da Amundi é responsável pelos 2 biliões de euros em ativos sob gestão, nenhum dos quais é em criptoativos.
Recorde-se que a aversão a ‘stablecoins’ não é incomum no velho continente. O Banco Central Europeu (BCE) tem feito campanha para o avanço do euro digital como forma de contornar os criptoativos. Na sua última presença no Parlamento Europeu, a presidente do BCE apelou aos eurodeputados para que fizessem este projeto avançar. Também o ministro das Finanças de Itália se manifestou sobre isto. Giancarlo Giorgetti acredita que as políticas americanas relativas a esta questão são “ainda mais perigosas” para a estabilidade financeira europeia do que a guerra comercial de Trump.
O ministro italiano argumenta que o fácil acesso ao dólar, sem necessitar de um banco norte-americano, pode ser atrativo para milhões de pessoas e pode colocar em risco a soberania monetária de um país. Também o Bank for International Settlements (BIS) lançou um aviso nesta semana sobre ‘stablecoins’ e os riscos associados às mesmas, desde a questão da soberania monetária à transparência e a possibilidade de fuga de capital de economias emergentes.
A presidente do supervisor europeu reforçou de novo, no Fórum do BCE que decorreu nesta semana em Sintra, os perigos associados a ‘stablecoins’ e àquilo que vê como uma possível “privatização do dinheiro”. A líder do BCE acredita que o dinheiro é um “bem público” e é dever dos bancos centrais zelar pela sua proteção.
Além de ativo de reserva, Mortier lembra que as empresa detentoras de ‘stablecoins’ iriam funcionar como “quasi-banks”, no sentido em que as pessoas iriam depositar o dinheiro lá partindo do princípio de que o podem levantar quando quiserem, usando também isto como meio de pagamento. Neste sentido, “pode destabilizar o sistema de pagamentos global”, alerta. “Não me parece que seja uma boa ideia”, avisa o gestor.