O CEO do grupo FNAC Darty, Enrique Martinez falou em exclusivo à Forbes Portugal, à margem da apresentação do seu livro “E se consumíssemos melhor”, onde detalha soluções para que o consumo seja mais responsável e sustentável. A entrevista na íntegra está publicada na edição em papel de maio/junho da revista que está nas bancas. Neste excerto da entrevista, Enrique Martinez refere que a indústria pode ter soluções para acompanhar os clientes no consumo responsável e reduzir-se, por exemplo, as toneladas de resíduos que se gera. No grupo FNAC Darty mais de 80% do impacto que tem em termos de emissão de carbono está diretamente relacionado com a utilização dos produtos pelos consumidores. Enrique Martinez assume que este é o eixo onde a estratégia de consumo sustentável que o grupo tem no terreno poderá ter um impacto maior. O plano da retalhista de tecnologia e entretenimento assenta num modelo de durabilidade, que é fazer com que os produtos continuem no estado de funcionamento o maior tempo possível.

Veio a Lisboa para apresentar o seu livro “E se consumíssemos melhor”, um manifesto pelo consumo sustentável. Como é que realmente podemos consumir melhor?

Acho que devemos consumir melhor. Esta é uma reflexão que pode ser vista como uma provocação por parte de alguém que está no negócio das vendas. A minha convicção é que só a indústria pode ter soluções para acompanhar os clientes num consumo mais responsável. Para isso, há muitas coisas que podem ser feitas, mas primeiro há uma consciência coletiva das implicações do nosso modelo sem controlo. A nossa indústria gera 50 mil milhões de toneladas de resíduos por ano. É uma das grandes responsáveis da poluição do mundo. Consumimos muito material eletrónico e eletrodoméstico, etc., a escala é enorme. Se não quisermos voltar 50 anos atrás e deixar de ter o conforto de vida, ou seja, acesso à tecnologia, temos de encontrar um caminho intermédio de continuar a utilizar produtos, mas de uma forma mais responsável.

Tal como defende no livro não se pode ter um hiperconsumo, mas também não pode haver um “desconsumo”…

Eu não acredito no modelo de equação de voltar atrás, de desconexão, de crescimento negativo. Isso pode ter implicações sociais, de poder de compra. Mas é preciso não esquecer que, nos últimos 30 anos, com o desenvolvimento económico, teve muita consequência negativa sobre a utilização de recursos de uma maneira descontrolada, mas teve uma consequência muito positiva que tirou centenas de milhões de pessoas de um nível de vida muito baixo, a nível mundial. A humanidade não pode imaginar voltar atrás. Nem pode decidir deixar para trás centenas de milhões de pessoas do conforto da vida. Então temos de encontrar um caminho intermédio que, hoje, com a tecnologia, vai ser muito mais simples de chegar. Com a tecnologia de informação, com a capacidade que temos para construir melhores produtos, para poder segui-los durante mais tempo, para ser mais exigentes com os fabricantes na maneira como utilizam os recursos e como olham para a utilização a longo prazo. Há coisas que vão permitir fazer essa transição de uma maneira mais rápida.

Encontrando o tal modelo virtuoso…

Pois, tem de ser. E o consumidor é responsável, mas não é o único responsável. Não podemos só tentar culpabilizar o consumidor deste movimento de ecologia um pouco punitiva, de tentar fazer o sentimento de culpabilidade para os que consomem. Os que consomem, estão no final de um longo processo. O consumidor, no final, tem de pedir às pessoas que estão por conta dele que façam influência na indústria para fazer esta transformação possível.

No grupo FNAC Darty quais os exemplos práticos que pode dar de que já está a seguir o caminho do consumo sustentável?

Quando olhamos para todo o nosso consumo de carbono, publicamos agora o nosso reporte financeiro a nível europeu, e quando olhamos para o impacto que o grupo tem, mais de 80% está diretamente relacionado com a utilização dos produtos pelos consumidores. Esse é o eixo onde podemos ter um impacto maior. Evidentemente, fizemos muitos esforços na transformação das lojas, na iluminação, de trabalhar sobre a parte do transporte responsável. Isso é uma parte que nós consideramos que devemos reduzir a emissão de carbono em 50% até 2030. Esse caminho vai ser uma parte. Mas é uma gota de água no oceano do consumo de produto. O que decidimos é pôr no centro do nosso plano um modelo de durabilidade, que é fazer com que os produtos continuem no estado de funcionamento o maior tempo possível.

E como se consegue essa durabilidade?

Passa por escolher melhores produtos, ser muito incisivo com a qualidade dos produtos que distribuímos, e depois criar uma indústria à volta da economia circular que vai permitir reparar, reciclar, voltar a vender produtos para fazer com que a vida útil do produto, desde o seu fabrico até à reciclagem, seja o mais longo possível. Porque 80% do nosso footprint de carbono está no produto, mas 80% do impacto da indústria está no fabrico do produto. Tudo o que podemos fazer para evitar que o produto tenha um ciclo de vida muito curto vai ter um efeito muito favorável na nossa indústria.

Falando de preço, como é que se vence a concorrência de operadores que apostam no preço, no hard discount, mas mantendo essa vossa senda de ter um produto sustentável?

É um mercado duro porque tem um nível de agressividade e de promoção muito forte. A grande maioria das vendas fazem-se sobre uma promoção, e assim como o mercado é e temos de ser competitivos em relação ao mercado, porque os consumidores hoje, o poder de compra, se não é o primeiro, é um dos primeiros fatores de decisão. Mas temos de ser compatíveis com isso e ter uma estratégia de seleção de produto para uma parte dos consumidores que são capazes de entender esse discurso. Depois ter uma estrutura grande e aberta para poder fazer face a todos os consumidores. Penso que não vai mudar muito, porque é um mercado muito aberto, o e-commerce faz uma pressão particular sobre a comparação de preços. Temos de estar no mercado para ser competitivos. O nosso tamanho também nos permite ter fatores de competitividade importantes. Permite-nos trabalhar com os fabricantes para construir ofertas, construir uma gama de produtos que permite fazer esse tipo de presença e investimento. E depois, a notoriedade das nossas marcas também suporta bem o nosso modelo de negócio. Nós temos, tanto no e-commerce como nas lojas, um nível de frequência de consumidores muito importante. Isso é uma força que o grupo pode utilizar para continuar a comunicar de maneira eficaz, mas temos de ser competitivos no preço, o mercado hoje não perdoa para as marcas que não o forem.

Hoje o equilíbrio de género, inclusão e diversidade são temas chave nas organizações. Como é que lidam com esses temas no grupo? Há quotas para mulheres na liderança?

Há quotas. As quotas têm tido a sua função. Precisa-se de ser pragmático, porque as quotas têm um benefício, sobretudo, que é pôr em evidência que as coisas não estão a funcionar bem. Isso já teve um efeito de dizer que não é normal que haja uma diferença tão importante entre a contribuição das mulheres na base da empresa e no comité executivo, ou no conselho de administração ou na leadership. Nós, evidentemente, estamos para além das quotas legais, temos mais de 50% de mulheres no conselho de administração, no Comité Executivo andamos entre 40 e 50%, depende de algum movimento, mas estamos para além dos 40%. No leadership, que é o top de 150 pessoas, estamos para além dos 40%. Eu diria que dentro da nossa indústria, provavelmente, temos uma quota de mulheres nas posições de leadership do grupo mais importante. E temos de continuar a o fazer, não só para estar do bom lado da lei, mas porque há um talento disponível que é uma pena não utilizar. É uma coisa muito pragmática. E acho que temos de conseguir continuar a investir para dar espaços e quebrar inércias em territórios onde antigamente as mulheres não sabiam ir e hoje acho que o caminho começou a ser mais aberto e mais disponível.