Uma sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pode alterar completamente os direitos dos consumidores vítimas de roubo ou fraude com cartões de crédito e débito. O acórdão no processo C-665/23 | Veracash, divulgado no passado dia 1 de agosto, estabelece que “o utilizador de um cartão de débito perde o direito ao reembolso de uma operação de pagamento não autorizada de que tenha tido conhecimento se se atrasar a comunicá-la ao seu prestador deliberadamente ou por negligência grave”.

O caso ocorreu em março de 2017 quando foi enviado para um cliente da Veracash SAS, um prestador de serviços financeiros online que tem o ouro como colateral, um novo cartão de débito. Entre março e maio de 2017, foram efetuados levantamentos diários nessa conta. No entanto, o consumidor em causa alega nunca ter recebido esse cartão e não ter autorizado os referidos levantamentos, e exigiu o reembolso do dinheiro utilizado de forma fraudulenta.

O Tribunal de Primeira Instância de Évry (França), à semelhança do que fez também posteriormente o Tribunal de Recurso de Paris, rejeitou o seu pedido de reembolso com o fundamento de que os levantamentos em causa não foram comunicados “sem atraso injustificado”, como exige o Código Monetário e Financeiro, que transpõe a diretiva relativa aos serviços de pagamento no mercado interno (Diretiva2007/64/CE).

Ora por força do artigo58.o dessa diretiva, sob a epígrafe “Comunicação de operações de pagamento não autorizadas ou incorretamente executadas” pode ler-se que: “O utilizador do serviço de pagamento só pode obter retificação por parte do prestador do serviço de pagamento se, após ter tomado conhecimento de uma operação de pagamento não autorizada ou incorretamente executada que dê origem a uma reclamação, nomeadamente ao abrigo do artigo75.o, comunicar o facto ao respetivo prestador do serviço de pagamento sem atraso injustificado e dentro de um prazo nunca superior a13 meses a contar da data do débito, a menos que, se for o caso, o prestador do serviço de pagamento não tenha prestado ou disponibilizado as informações sobre essa operação de pagamento nos termos do títuloIII”.

Acontece que este consumidor denunciou as operações abusivas, dois meses depois de ter conhecimento delas, muito antes de o prazo estabelecido de 13 meses ter terminado. Sendo assim, apresentou um recurso de Cassação.

Foi neste contexto que o Tribunal de Cassação francês recorreu ao Tribunal de Justiça. Pretende saber se a diretiva em causa deve ser interpretada no sentido de que permite privar o ordenante do direito ao reembolso de uma operação não autorizada em caso de comunicação tardia, ainda que esta tenha sido feita dentro do prazo de treze meses. Além disso, em caso afirmativo, pergunta se essa privação pressupõe uma negligência grave ou um comportamento deliberado do ordenante e se diz respeito a todas as operações não autorizadas ou apenas àquelas que poderiam ter sido evitadas.

O Tribunal de Justiça esclarece que a obrigação de comunicar “o mais rapidamente possível” tem um caráter autónomo e distingue-se da obrigação de comunicar no prazo de treze meses a contar da data do débito de uma operação de pagamento não autorizada. O prazo objetivo de treze meses, pela sua própria natureza, nada retira à pertinência do prazo subjetivo de comunicar “sem atraso injustificado”. O Tribunal de Justiça considera, a este respeito, que o simples cumprimento do prazo de treze meses, como único critério, pode comprometer o objetivo preventivo da obrigação de comunicar “sem atraso injustificado” uma operação não autorizada quando tiver sido detetada.

Além disso, o facto de considerar que o utilizador de serviços de pagamento tem o direito de obter a retificação de uma operação não autorizada de que tinha conhecimento, mas que se atrasou a comunicar ao seu prestador de serviços de pagamento prejudicaria a segurança jurídica, bem como o equilíbrio dos interesses do utilizador de serviços de pagamento e do seu prestador de serviços efetuado pelo legislador da União quando adotou a Diretiva relativa aos serviços de pagamento no mercado interno.

O Tribunal de Justiça responde que, quando estiverem em causa operações de pagamento não autorizadas sucessivas, realizadas através do mesmo instrumento de pagamento perdido, furtado, roubado, abusivamente apropriado ou utilizado sem autorização, o ordenante só fica, em princípio, privado do direito de obter o reembolso apenas das perdas resultantes das operações relativamente às quais atrasou deliberadamente ou de forma gravemente negligente a comunicação.