A Volta a Espanha 2025 arranca este sábado em Turim e na equipa UAE Emirates, sem o magnânimo Tadej Pogacar, os holofotes estão virados para uma parceria de líderes que promete dar que falar: João Almeida e Juan Ayuso. O português, mais experiente, pragmático e metódico, o outro, espanhol, mais jovem, ofensivo e irreverente. À primeira vista, estilos que parecem colidir, e o historial do seu relacionamento na equipa comprova-o. Mas a verdade é que ambos garantem estar em sintonia e prontos para atacar a geral... em coliderança.

Ayuso chega à Vuelta com o peso da juventude e a sombra de um azar improvável: desistiu do Giro após ser picado por uma abelha num olho, mas já em sub-rendimento. A preparação foi curta e irregular, mas a ambição está intacta. O catalão e o caldense não hesitam em atribuir o favoritismo a Jonas Vingegaard, «favorito número um» à camisola vermelha. Ayuso deixa no ar que pode abdicar da sua própria corrida para apoiar João Almeida. Um gesto que soa tanto a realismo como a diplomacia.

Do outro lado, Almeida, mais experiente e sereno, procura desvalorizar a crispação que ambos tiveram no Tour 2024, quando o português criticou o colega por não colaborar na subida ao Galibier. «Onde é que já não vai essa discussão…», diz, com a naturalidade de quem sabe que o ciclismo vive de momentos quentes, mas também de reconciliações rápidas. «Já tivemos ligeiros atritos, coisas que sucedem e que se resolvem, e estão», afirmou o português, que considera que tudo dependerá do «respeito mútuo».

Em 2022, na estreia de ambos na Vuelta, e com João Almeida reconhecidamente na liderança da equipa, à primeira oportunidade, Ayuso não se coibiu de se sobrepor (na corrida, através da classificação) ao português, superando-o pelo pódio final (o espanhol foi 3.ª, o luso 4.º, promovido após a desclassificação, por doping, do colombiano Miguel Ángel Lopez.

João Almeida entra nesta Vuelta com estatuto sólido, fruto do quarto lugar no Tour 2024 (já parece longínquo) e uma primeira parte de temporada bastante vitoriosa, mostrando-se confortável com a ideia de uma liderança partilhada. Para ele, o essencial é simples: respeito mútuo e ambição coletiva. «Se pudermos jogar com duas cartas para a geral, melhor...», diz o corredor português número um da atualidade. Na prática, Almeida parece menos preocupado em marcar território e mais em garantir que a UAE sai vencedora, seja com o seu nome no topo ou com o de Ayuso. Será que o espanhol lhe está em sintonia?

Se no papel a dupla parece improvável, na estrada pode revelar-se complementar. Almeida tem a consistência e a regularidade para sobreviver às três semanas; Ayuso, o golpe de asa capaz de virar uma etapa ou desarmar rivais em momentos-chave. A questão é perceber se haverá espaço e, sobretudo, confiança para que ambos joguem em harmonia, sem que o ego ou a juventude traia a estratégia.

A história recente da Vuelta mostra que duplas de líderes podem correr... mal - veja-se Jonas Vingegaard e Primoz Roglic na Jumbo-Visma em 2023, por causa do intrometido Sepp Kuss, ainda que a vitória tenha ficado em casa (com o norte-americano) - ou acabar sem história, logo que um dos galos, por fraqueza ou distração, caia do poleiro. De qualquer modo, dificilmente dois líderes são sinónimo de harmonia e de êxito.

Cabe à UAE gerir duas personalidades fortes, mas que, pelo discurso, reforce-se, chegam alinhadas. No fim, talvez o maior desafio da equipa dos Emirados não seja vencer Vingegaard, mas provar que Almeida e Ayuso juntos podem ser mais do que a soma das partes, com a partilha dos dois lugares que restarão do pódio. A hierarquia na equipa, entre ambos, está definida e não depende dos resultados nestes Vuelta: no Tour estará sempre João Almeida enquanto Tadej Pogacar não prescindir da grande volta francesa. Embora com estatuto secundário, perante o esloveno, o português tem a sua corrida de eleição garantida. A questão poderá ser a primeira escolha para a liderança em futuras edições do Giro e da Vuelta, quando não estiver Pogacar.

Desde a partida da corrida protegidos na equipa, João Almeida e Juan Ayuso, contarão com Max Grosschartner, Jay Vine e Marc Soler para a alta e média montanha, e com Domen Novak, Mikkel Bjerg e Ivo Oliveira. «Ivo é um campeão, alguém que faz um trabalho excelente. Vou estar bem acompanhado», elogiou Almeida. Muito vai necessitar do compatriota...