O hype é real. A contratação de um novo treinador para o mais popular clube inglês é sempre motivo de grande interesse, mas, com a chegada de Ruben Amorim, a expetativa está a ser ainda maior do que o normal.
Vamos já em quase um mês de falatório em torno do técnico, mas a estreia será só domingo (16h30, DAZN 1), no terreno do Ipswich. Até lá, continuaremos no terreno do verbo, numa área onde, no Sporting, Amorim começou a ganhar pontos.
Havia cerca de 50 jornalistas à espera para a primeira conferência de imprensa do sucessor de Ten Hag. Os órgãos de comunicação social britânicos venderam, desde o começo da manhã, a ocasião como um momento altamente antecipado, uma espécie de apresentação dividida em três partes: uma primeira, em inglês, transmitida em direto; uma segunda, sob embargo até sábado à noite, uma política normal na Premier League para proteger a imprensa escrita; e uma terceira, em português, que se justificou devido à presença de vários compatriotas de Amorim na sala.
Na estreia a comparecer diante dos jornalistas, Ruben Amorim puxou a fita da sua carreira atrás e foi até 2020/21. Recuou ao primeiro ano em Alvalade e utilizou o mote daquela temporada inicial: “Vamos jogo a jogo. O único objetivo é ganhar o próximo jogo. Ganhando teremos uma semana melhor. Sei que serei julgado pela classificação final, mas o meu objetivo é ganhar este encontro, porque assim terei uma semana melhor para preparar o seguinte”, explicou, em português.
A fórmula antiga à qual o campeão nacional regressou requer de paciência. “O clube tem de melhorar e eu tenho de ter tempo”, disse Ruben, em inglês, ainda que reconhecendo que não espera um cheque em branco, porque é preciso “ganhar jogos”: “Se olharmos para os clubes que estão no topo desta liga, eles fizeram este tipo de processo [com tempo]. Mas estão a ganhar, por isso é que tiveram tempo. Precisaremos de tempo, mas temos de ganhar coisas”.
Ruben Amorim apresentou-se com o famoso sorriso, a característica que conquista a imprensa inglesa, uma expressão que, em Amorim, é, por vezes, utilizada quase como manobra de defesa. É para falar de um tema mais sensível? Cá vai o sorriso para suavizar a coisa. Assim fez quando, numa radiografia às necessidades do United, indicou que era preciso “melhorar o aspeto físico”, a capacidade de “ficar com a bola ” e, por fim, a “transição defensiva”, momento em que lançou o tal sorriso.
A crença
O ex-Sporting revelou que recebeu uma mensagem de José Mourinho. Fiel à tradição inaugurada, há 20 anos, pelo special one, Ruben Amorim também deu a si próprio um cognome: “Sou um pouco um sonhador”, descreveu-se. “Chamem-me ingénuo, mas acredito que sou a pessoa certa na altura certa”.
Não foi só no “jogo a jogo” que Ruben voltou a 2020. Em março daquele ano, na apresentaçaõ em Alvalade, foi criado o famoso “e se corre bem?”. A interrogação foi, agora, adaptada, noutra manifestação de fé.
“Acredito em mim, e também acredito no clube. Acho que temos a mesma ideia, isso pode ajudar. E acredito nos jogadores, verdadeiramente. Sei que vocês não acreditam muito nestes jogadores, mas eu acredito muito. Podemos melhorar. Vocês acham que não é possível, eu acho que é possível. Veremos no fim.”
Depois da longa espera das últimas semanas, a era Ruben Amorim irá começar e, depois da estreia, tudo seguir-se-á a grande velocidade. Até ao virar do ano, o United disputará 11 encontros em 39 dias, num calendário que inclui deslocações aos terrenos de Arsenal, Manchester City ou Tottenham, esta última nos quartos de final da Taça da Liga. Após esta fase, a 5 de janeiro, haverá ida a Anfield, para o clássico contra o Liverpool.
A ideia
Ruben Amorim não escondeu que, no avião que o levou para o Norte de Inglaterra, não levou só Carlos Fernandes, Adélio Cândido, Emanuel Ferro e restante equipa que trabalha consigo. Na bagagem foi, também, o famoso sistema dos três centrais.
Perante um plantel que não foi desenhado para esta estrutura, multiplicaram-se as questões sobre a capacidade que este grupo de jogadores terá para jogar de forma diferente. Amorim desdramatizou a questão, negando que vá fazer “uma revolução", mas reiterando a sua confiança nas ideias que o levaram até Old Trafford: “Não há uma opção B. Vamos adaptar alguns jogadores, porque esta equipa foi construída para outro sistema. No domingo, se calhar vão olhar para o onze inicial e não verão muitas diferenças. Mas vê-las-ão dentro de campo”.
No Sporting, Amorim habituou-nos a vestir futebolistas com roupagens táticas às quais estes não estavam tão habituados. O lateral Matheus Reis foi muitas vezes central, os extremos Nuno Santos, Geny Catamo ou Quenda fizeram toda a ala, Pote foi médio-centro, atacante que partia da direita, atacante que partia da esquerda e até opção no centro da dianteira. Ruben acredita que os jogadores que tem agora à disposição estão “abertos a mudar algumas posições”.
No fundo, o treinador quer conjugar o seu pensamento com a filosofia do clube e as exigências da Premier League: “Há uma ideia de jogo do treinador. É ligar com a ideia de jogo do clube, que é dominadora, de querer ganhar sempre, de ser protagonista, e juntar ao que é a liga, que é rápida, intensa, de choque, de golos”.
Na comparação com o Sporting, o português encontrou um clube “muito maior”, um emblema “global”, com “muitos departamentos”, mas sente-se “em casa”. Entre tantas áreas do United, uma que atrai muitas atenções é a das transferências. Muito se tem falado sobre o peso que Amorim terá nas contratações, campo em que Ruben acha que o clube tem de “melhorar”, garantindo que será dele “a última palavra” quanto às aquisições, definindo essa competência como “um direito” e uma “responsabilidade” que tem.
Ruben Amorim falou horas antes da estreia de João Pereira, o seu sucessor em Alvalade, a quem desejou “a melhor sorte”. Driblada foi uma questão sobre Viktor Gyökeres, goleador da moda na Europa: “Desejo que jogue bem, que não se lesione e tenha sucesso no Sporting”.
O ciclo de jogos com que o antigo internacional português se apresentará em Inglaterra começa em Portman Road. É o primeiro passo num processo cujas balizas temporais já foram definidas por Ruben Amorim: “Tenho dois anos e meio de contrato. Nesse período, vão poder dizer se sou o treinador certo. Daqui a dois anos, dará para ver se podemos continuar este caminho”.
Até lá, é jogo a jogo.