Há um toque de pureza na face de Vítor Pereira que contrasta com a natureza brutal e ultra-profissional da Premier League. Num campeonato disputado nos limites da exigência, uma competição recheada dos melhores do mundo, num quotidiano que suga a energia e pode roubar o sorriso, Vítor Pereira não esconde a alegria por estar ali.

Desde que saiu do FC Porto, em 2013, o português sempre teve Inglaterra como objetivo de vida. Era ali que queria chegar. Talvez não pensasse que o caminho fosse tão longo — literalmente longo, com passagens por Arábia Saudita, Grécia, Turquia, Alemanha, China e Brasil —, mas o momento chegou. E Vítor Pereira tornou-se a imagem do homem feliz, realizado, com uma certa ideia de viagem completa a rodeá-lo.

O sorriso esteve lá desde o minuto da aterragem em Inglaterra. E foi-se alargando a cada ponto somado, a cada vitória conquistada. "Big smile. Me, big smile." As palavras de Pereira na sequência da vitória, por 4-2, diante do Tottenham traduziam o que cada centímetro da face mostrava.

Diante dos Spurs, o Wolverhampton, histórico clube que foi três vezes campeão nos anos 50, alcançou a quarta vitória seguida no campeonato. É a primeira vez que o emblema das West Midlands consegue tal sequência na era Premier League, sendo necessário recuar até 1971/72 para ver o Wolves triunfar quatro vezes em quatro rondas na primeira divisão.

A pureza do sorriso de Vítor Pereira, a felicidade por estar a ganhar quando chegou ao destino sonhado, acrescenta felicidade a uma temporada em que tantas equipas da Premier League vivem tristes e amarguradas (estamos a olhar para vocês, Manchester United, Tottenham, Chelsea, West Ham...). Mas a euforia não acaba no relvado.

Malcolm Couzens

Tornou-se habitual ver vídeos ou fotografias nas redes sociais que captam a presença de Vítor Pereira em pubs de Wolverhampton. O português tem-se juntado a adeptos em convívios, dando lugar à criação do lema dos meses do técnico no clube: "First the points, then the pints." Primeiro os pontos, depois as cervejas.

"Trabalho é trabalho, mas depois do trabalho temos de festejar juntos. Tenho de sentir a energia destas pessoas e ser parte desta família", explicou o treinador, justificando a união com a comunidade local, feita à base de canecas de cerveja e de cânticos. E de vitórias.

A revolução

Vítor Pereira foi contratado para a ambicionada Premier League pouco antes do Natal. A situação do Wolverhampton era, também, um contraste face à alegria do bicampeão nacional com o FC Porto. Os lobos seguiam em 19.º, encontrando-se cinco pontos abaixo da zona de salvação.

Em quatro meses, tudo mudou. O Wolverhampton, que tinha duas vitórias em 16 jornadas antes de Vítor Pereira, ganhou oito encontros em 16 rondas com o português. Está 14 pontos acima da linha de água, tendo transformando a manutenção, objetivo para o qual o português foi contratado, numa meta alcançada de forma suave, com muitas jornadas de antecedência, sem grande esforço aparente.

Quando Vítor Pereira assinou, o clube estava três pontos atrás do Ipswich e cinco abaixo do Leicester. Agora está 14 pontos à frente do Ipswich e 17 adiante do Leicester. Antes de VP, o Wolves estava a 10 pontos do West Ham, a 13 do Manchester United e a 14 do Tottenham. Passados quatro meses do português, os lobos estão empatados com os Hammers, têm só menos dois pontos que os Spurs e menos três que a equipa de Ruben Amorim, próximo adversário na Premier League — Pereira conseguiu 26 pontos em 16 rondas, Amorim obteve 23 pontos em 21 jornadas.

O homem que saiu do Al-Shabab para rumar ao Molineux teve o mérito de estabilizar a equipa. Como vem sendo habitual, há protagonismo português, sobretudo com José Sá na baliza, Nélson Semedo na ala direita e Toti Gomes na defesa, sendo a dupla brasileira João Gomes-André o pilar do meio-campo.

Os reforços de inverno Emmanuel Agbadou e Marshall Munetsi, ambos contratados ao Stade de Reims, também têm sido importantes num conjunto em que Matheus Cunha — 16 golos e quatro assistências — é a estrela. Não obstante, o brasileiro já ficou de fora devido a suspensões e o ataque não se ressentiu, com Strand Larsen, autor de cinco golos nas derradeiras quatro partidas, em destaque.

Com Gary O'Neill, o Wolves tinha uma média de 0,56 pontos por jogo, valor que explodiu para 1,625 com o sorridente líder. A mudança de treinador nos lobos é, mesmo, a mais bem-sucedida da temporada na Premier League, já que Pereira é, entre os técnicos que entraram durante a temporada, o que tem maior média pontual.

Jacob King - PA Images

Se desenhássemos uma classificação a contar somente desde a chegada do espinhense, o Wolverhampton seria oitavo. Se reduzíssemos o campo de análise à última dezena de encontros, então o espanto ainda seria maior, já que apenas o Liverpool, com 23 pontos, esteve melhor que o clube dos arredores de Birmingham (19 pontos).

Estágios antes dos jogos em casa e refeições em conjunto

Vítor Pereira teve de lidar com uma situação delicada pouco depois de aterrar a Inglaterra. Mario Lemina acabara de perder a braçadeira de capitão, na sequência de um caso de indisciplina, mas o impacto do gabonês no plantel continuava a não ser propriamente positivo.

O médio queria sair no mercado de janeiro, o que levou Pereira a tomar uma decisão. "Não posso utilizar um jogador com este tipo de compromisso. Não preciso dele", disse o português, que afastou Lemina. O jogador viria a sair para o Galatasaray e o novo treinador terá começado ali a ganhar um grupo em que floresciam algumas situações de falta de harmonia.

Na estreia na Premier League, a 22 de dezembro, VP derrotou, fora, o Leicester por 3-0. Quatro dias depois, no tradicional boxing day, havia uma receção ao Manchester United, mas O'Neill, o sucessor, agendara um dia de folga para 25 de dezembro. Pereira cancelou a folga e, no dia seguinte ao Natal, os lobos derrotaram os red devils por 2-0.

Estas foram duas das mexidas que ajudaram ao forte impacto inicial do homem que sucede a Nuno Espírito Santo e Bruno Lage como recentes portugueses a ocuparem o banco do Molineux. Houve mais alterações: ao contrário do que se fazia com O'Neill, a equipa passou a estagiar antes dos encontros em casa, dormindo num hotel na véspera dos jogos, e passou a haver uma refeição feita em conjunto por dia, a uma hora pré-determinada.

Quando Vítor Pereira foi contratado, pensar-se-ia que, caso a manutenção fosse atingida, haveria uma grande festa em Wolverhampton, indicando um duro objetivo alcançado. Que conseguir a permanência se tenha tornado numa mera formalidade é o grande símbolo da transformação que o feliz português operou.