Não é fácil explicar o momento atual do Benfica, não é fácil explicar esta vitória (1-0) contra o Estrela da Amadora. Num jogo cinzento, de conformismo e pouco entusiasmo, deu, por vezes, a ideia de estarmos a tratar de burocracia numa repartição pública: conhecíamos o desfecho, sabíamos que ele era inevitável, mas não nos apetecia estar ali, não havia qualquer dose de excitação ou beleza naquelas horas vividas.

Foi um pouco isso que se passou na Luz. À falta de melhor, talvez um lance já no tempo de descontos da segunda parte ilustre melhor este complexo e escuro quadro.

Com o Benfica sem muitas ideias para chegar ao 2-0, o Estrela teve a posse para tentar um último assalto à baliza de Trubin. Havia espaço, os locais não eram propriamente pressionantes, mas o Estrela nunca o aproveitou, mastigando a posse, não sendo acutilante. Passe, passe, passe, bola perdida, um mastigar pouco saboroso. E assim se foi rumo ao desfecho da burocracia, rumo ao papel assinado.

Requerimento despachado, a vida prossegue. Mas sem levantar ninguém da cadeia e ainda ouvindo alguns protestos pela demora no serviço.

Após a derrota em Famalicão, ganhar na Luz a Casa Pia e Estrela da Amadora era obrigatório para o Benfica. A obrigação foi cumprida, exatamente, dessa forma, como algo que se tem de fazer, não como uma viagem de diversão ou de expulsão dos males em torno da equipa.

TIAGO PETINGA

Neste Benfica de pouca vertigem ofensiva, desde cedo evidente que o gosto pelo risco de Kökçü, médio de olhos sempre colocados na baliza rival, viciado em procurar o remate e a assistência, seria protagonista na noite da Luz. Numa equipa com défice de desequilibradores, ainda à procura da fórmula para causar perigo em quantidade relevante neste tipo de cenários, foi o turco quem mais desorientou o bloco defensivo do Estrela.

Nos primeiros minutos, Kökçü ensaiou dois remates, um por cima e outro para defesa segura de Bruno Brígido. À terceira, seria mesmo de vez para o ex-Feyenoord: o sempre ativo e ligado Pavilidis recebeu, temporizou e encontrou Kökçü, que disparou, com alguma ajuda do guardião, para o 1-0. Não sendo uma obra de arte, revelar-se-ia suficiente para tratar da burocracia.

Longe de embalar o Benfica para um primeiro tempo de encantar, o golo foi um raro momento de verdadeiro perigo das águias no primeiro tempo. Em sentido inverso, o Estrela foi ganhando conforto e chegou duas vezes perto de Trubin com perigo, primeiro num remate ao lado de Miguel Lopes e depois num lance em que Varela, com espaço, hesitou entre o remate e o cruzamento e viu a sua tentativa de passe para Pinho ser cortada por Tomás Araújo, o eleito para fazer dupla com Otamendi.

Foi, quase sempre, uma nova versão deste Benfica desconfiado, pouco entusiasmante, com dúvidas em todos os setores. Escasso de drible na frente e de criatividade no meio-campo, a desconfiança no campo parece encontrar correspondência na bancada, onde as mazelas recentes não são esquecidas.

Por falar em mazelas, mais um jogo do Benfica, mais uma baixa por lesão: Aursnes saiu em inferioridade física aos 31', sendo substituído por Tiago Gouveia, o qual também viria a sair por lesão aos 86'.

CARLOS COSTA

Na segunda parte, o Benfica até começou a criar perigo, com Tiago Gouveia a atirar para grande defesa de Brígido e Prestianni a rematar ao lado. Não obstante, a tendência do segundo tempo foi mesmo o adiar do Benfica, a eternização deste estado de dúvida e de pouca afirmação.

Pouco a pouco, o Estrela foi tendo mais bola. Nani tentava organizar os ataques da equipa, Alan Ruiz saiu do banco para acrescentar criatividade, mas ia faltando discernimento no último terço para criar verdadeiras oportunidades para o 1-1. Ainda assim, aos 67', um momento condensou parte do quadro mental deste jogo: os visitantes tiveram uma posse de bola prolongada, ainda que sem muita agressividade, perante a passividade do Benfica, a qual mereceu assobios por parte dos adeptos. Pouco risco, desconfiança das bancadas, questões cuja resposta vai sendo adiada, eis este Benfica de agosto.

Aos 68', uma tripla parada de Brígido evitou o 1-0 de Pavlidis, primeiro, de Gouveia, depois, e de Carreras, em último lugar. Foi a última verdadeira ocasião de perigo da noite. O Estrela nunca criou perigo para empatar, o Benfica não mais esteve próximo do 2-0.

Renato voltou, mais de 8 anos depois, a jogar pelo Benfica. Terá sido o último momento de aplauso da noite, num Estádio da Luz onde se ouviram alguns assobios. A burocracia foi despachada, mas as dúvidas, indefinições e adiamentos deste Benfica de pouco entusiasmo prosseguem dentro de momentos.