15 de abril de 2023. Cracóvia, Polónia. Reta final. Lance dividido a meio-campo e o tempo parou por momentos. Francisco Ramos sofreu uma arrepiante lesão. Anunciou, uns dias depois: «fratura multifragmentária em ambas as canelas.»

O relato, na altura, foi - também ele - arrepiante. «Têm sido 14 dias deitados nesta cama, divididos entre medicação, muitas dores e quatro difíceis operações no sentido de me devolver a sensibilidade e mobilidade de outrora. Têm sido os piores dias de que me lembro e as dores não deram tréguas até hoje», escreveu Francisco, nas redes sociais, naquela que seria a sua última aparição durante muito tempo.

Quase três meses exatos depois do infausto dia, Francisco respondeu ainda emocionado ao convite do zerozero. Para falar, para desabafar, para revelar o que lhe ia na alma. «Obrigado, de coração, por se lembrarem de mim.» Assim foi.

Agora, chegou a vez de perceber como está hoje, mais de um ano volvido da última conversa, logo quando se voltou a reerguer ao voltar oficialmente aos relvados - a vida tem coincidências bonitas. Atendeu-nos na tarde de uma atarefada quinta-feira e, no dia imediatamente seguinte, voltou a ser feliz.

«Passar das canadianas para voltar a aprender a caminhar...»

Um ano depois, a emoção foi exatamente a mesma. O zerozero entrou em contacto com o médio de 29 anos e a resposta foi imediata, com o mesmo sorriso. «Obrigada por se lembrarem de mim, outra vez. Será um gosto.» E a conversa voltou a fluir, mas a mais de três mil quilómetros de distância. Afinal, a recuperação correu bem e voltou à Polónia.

A primeira questão, para além do atual estado físico, tornou-se óbvia. O lance que ditou o último ano da vida de Francisco é para lá de arrepiante e as consequências do mesmo são ainda mais. Na visita às instalações do nosso portal, disse que ainda não tinha visto o lance. Que já havia pesquisado no Google, mas que não conseguia dar play. O tempo passou. A resposta? A mesma.

No hospital, após as operações @Francisco Ramos
«Ainda não consegui. É sofrer outra vez. Nem que seja emocionalmente, não vale o risco», começou por referir.

O processo de recuperação foi imenso a todos os níveis. Depois de ser operado por quatro vezes numa semana e ainda correr o risco de amputação, o médio referiu que o que custou mais a recuperar foi o mental.

«Foi doloroso, a nível emocional principalmente. Fisicamente também porque tive de passar ainda por um grande processo. Uma transição de andar de canadianas durante quatro meses, depois passar das canadianas para voltar a aprender a caminhar. Aí, acabei por estagnar e, só passado muito tempo, comecei a correr.»

q Ainda não consegui [rever o lance]. É sofrer outra vez.
Francisco Ramos

«Durante estes meses todos de recuperação, envolveu tratamento de fisioterapia, a parte do exercício, envolveu câmara hiperbárica no Hospital Pedro Hispano durante três meses - que foi muito importante para mim -, envolveu piscina. Estas vertentes foram as maiores para o sucesso da minha recuperação, nunca esquecendo a parte da psicologia também. Acho que é uma parte importante, depois de acontecer uma coisa dessas, porque nós achamos que estamos bem, mas, na realidade, nunca estamos.»

«Se eu não jogasse, ia ser uma frustração muito grande»

A recuperação foi duradoura e envolveu as mais variadas fases. As operações, o (re)aprender a caminhar, o correr e a evolução mental. O que mais dor causava ao início? O não saber quando ia voltar.

«À medida que o tempo foi passando, eu me senti cada vez melhor e, a primeira vez que pisei o campo, eu senti realmente que poderia dar para voltar, porque eu senti-me bem. Algum desconforto na perna, mas senti-me bem. O maior obstáculo durante este ano e quatro meses foi a nível mental. Tu ultrapassas os passos. Tens de sofrer. Tens de fazer esforço. O corpo tem de se habituar de novo à carga e isso doía no osso. A nível mental, sinto-me orgulhoso de ter ultrapassado isto tudo.»

A câmara hiperbárica do Hospital Pedro Hispano em Matosinhos foi a segunda a surgir em Portugal Continental @TV Enfermagem

O medo é inerente. Depois de tudo o que se passou, a ânsia de voltar a jogar era enorme, mas a ansiedade de perceber se daria para voltar a fazer o que mais se gosta tornou-se ainda maior. Só não ultrapassava o medo de não o poder voltar a fazer.

«No início, houve muita dúvida, desde o momento em que o médico me acordou. A seguir à primeira cirurgia e ele disse-me: "Francisco, correu tudo bem. Você vai voltar a andar, mas a jogar eu acho que não vai ser possível." A partir desse momento, a dúvida instala-se. Eu só queria voltar a andar, voltar a fazer a minha vida normal», relembrou.

«A partir do que as coisas foram melhorando - como nós somos humanamente eternos insatisfeitos - eu já andava e só pensava em jogar. Se eu não jogasse, ia ser uma frustração muito grande. Os primeiros meses foram complicados, mas os médicos sempre me foram dando muita confiança e a Câmara Hiperbárica no Hospital Pedro Hispano ajudou-me muito a reconstruir todos os tecidos da perna.»

«Ainda tenho sonhos por cumprir»

Ultrapassado o medo de jogar, restava saber se o internacional jovem por Portugal sentia receio de meter o pé à bola nos duelos. Afinal, foi assim que se ditou o trágico recente passado que o levou a tudo isto.

«No início, estava muito apreensivo e pensava nisso todos os dias. Mas, quando estás dentro de campo, é instintivo. Não pensas nisso. Todos os médicos com quem falo agora me dizem que ali não parto mais, só se der uma catástrofe», afiançou, entre risos.

Francisco Ramos nas instalações do zerozero em julho de 2023 @Tiago Pinto

A versão 2.0 da estreia pelo Radomiak Radom chegou este verão. Num jogo de preparação, na pré-época, Francisco foi chamado ao relvado e confirmou: foi um dos melhores momentos que viveu.

«Sentir o cheiro do balneário de novo, sentir o cheiro da relva... Foi muito bom. Receberam-me todos muito bem e o treinador, agora, é português, o que facilita ainda mais a comunicação. O grupo é muito bom e o clube também me acolheu muito bem. Foi tudo muito emocionante.»

«Sinto muito orgulho de mim porque custou muito. Durante um ano e quatro meses, tudo te passa pela cabeça. A parte mais difícil agora é voltar a provar que estou bem. Quando subi ao relvado naquele amigável? Foi o início. Vou recomeçar a minha carreira. O meu objetivo agora é voltar a estrear-me oficialmente pelo Radomiak.» Mal sabia o que iria acontecer 24 horas depois de o referir.

Daqui em diante, restou falar do futuro. Um futuro que, agora, é certo: o Francisco vai voltar a jogar. O Francisco voltou a pisar o relvado e competir, mais de um ano depois de achar que não seria um cenário possível de todo.

«Quero provar que estou bem e que sou o mesmo Chico que se lesionou. Quero mostrar um novo Chico. Tenho 29 anos. Ainda tenho sonhos por cumprir. Ainda tenho objetivos por cumprir. Quero jogar. Quero aparecer. Tudo começa com a estreia, com sentir-me bem. Tenho-me preparado muito. Quero voltar a provar que estou bem para toda a gente ver e dizer: "Ele conseguiu mesmo, ele voltou mesmo e ele está bem".»

Chamada desligada depois de mais um «Obrigado, de coração, por se lembrarem de mim.»

Um ano depois da última conversa, Francisco Ramos volta a levar com ele o sorriso sem esmorecer, mas, agora quase recuperado e com a promessa de ser melhor do que aquilo que era antes do infausto dia 15 de abril de 2023. Esta sexta-feira, voltou aos relvados. E brilhou.

Francisco, nos braços dos colegas do Radomiak Radom, mais de um ano depois, no relvado @Radomiak Radom