
A ginástica artística mói. São anos a encher dias, todos os dias, de treinos de manhã, à tarde e talvez ainda à noite em regimes que começam na infância a testar corpos e a impor rígidos hábitos de trabalho que fazem a mente que tudo comanda sofrer com a exigência. Muitas piruetas e rotações teve de dar Rebeca Andrade, nascida em Guarulhos, onde São Paulo pôs um aeroporto, para colocar os brasileiros a vibrarem com as suas façanhas nos saltos, nas barras assimétricas, na trave e no solo.
Ela foi campeã olímpica em Paris nesse último dos exercícios, o que é embalado por música e repleto de corrida e pulos no chão feito trampolim para projetar o corpo a multiplicar-se em gestos técnicos aos quais chamar cambalhotas no ar é de um criminoso somenos, mas foi lá, no verão passado, que Rebeca Andrade conquistou o primeiro ouro para o Brasil em ginasta artística, na edição seguinte dos Jogos a ter dado uma inédita medalha ao país na modalidade. Aí vai Rebeca, desbravadora de história, escultora da sua própria lenda.
Mas, aos 26 anos, a jovem que em linguagem de ginasta é uma veterana, porque a praxis das ginastas requer dias atrás de dias recheados por horas a exigirem do corpo um novo limite a seguir ao outro, precisa de descansar. “Optámos por não competir este ano. Dentro do plano da Rebeca, este seria um ano mais tranquilo. É muito sacrifício. Vamos manter esse 'destreinamento ativo' para ela poder atender a toda essa exigência fora do ginásio”, revelou, à "Globo Esporte", o seu treinador, Francisco Porath, desvendando o outro lado da exigência, este fomentado pelas vitórias e quão maior for o sucesso: as entrevistas, os pedidos das marcas, o interesse de patrocinadores, o assomo dos fãs, a atenção que também suga energia mental.
Sem que se conheça um problema clínico diagnosticado, como aconteceu com Simone Biles, a hipercampeã norte-americana e maior adversária de Rebeca que teve de lidar com uma depressão, ataques de ansiedade e um cerco de hesitações que destaparam o seu cume em Tóquio, quando abdicou de provas devido às twisties - quando uma ginasta perde a noção do seu próprio corpo e de onde está no ar, o que lhe instaurou um medo de saltar -, a brasileira vai continuar sem competir em 2025, confirmando um ano sabático destes lides. Igual ao que tem feito Biles e já fizera na ressaca do Rio e de Tóquio.
O seu técnico explicou que a atleta das 15 medalhas conquistadas entre Jogos Olímpicos (duas de ouro) e Mundiais (três) de ginástica artística não se afastará do ginásio de modo a “manter a preparação física, a proteção articular de todo o corpo”, além de se manter “na fisioterapia” para cuidar das “dores crónicas que leva”. Porque a ginástica mói, e já muito moeu Rebeca Andrade: tem cinco cirurgias feitas nos joelhos, com 26 anos. “Toda a equipa achou que não era o melhor momento para a tirar desse voo de cruzeiro em que estamos a ir muito bem.”
As dores corpóreas de tanto vencer já a tinham feito decidir que não mais competirá no exercício de solo, o que mais vergasta articulações e tendões. “Estou a descansar, está a ser importante para mim. Era algo que já queria ter feito há muito tempo, mas entendia as minhas prioridades. Fui adiando”, resumiu Rebeca Andrade, também citada pela "Globo Esporte", confirmando o mais óbvio: os Mundiais de Jacarta, agendados para outubro, não terão as duas principais estrelas da modalidade. Tanto Rebeca como Simone, contudo, já assumiram a vontade de competirem nos Jogos de 2028, em Los Angeles.
Há um ano, quando ambas estavam no píncaro da exigência, a norte-americana prestou-se a fazer uma vénia à brasileira, no pódio, aquando da chegada do ouro ao pescoço de Rebeca Andrade. Tão moídas pela ginástica artística, ambas uniram-se na cortesia que prestam ao seu próprio descanso. Os saltos e as barras e a trave e o pó de magnésio nas mãos fica para depois.