Onde estamos? Quem somos? Como sair daqui? As camisolas indicam que somos o Futebol Clube do Porto, mas e a realidade? Como é que se sai deste caminho? Será que isto está mesmo a acontecer ou é tudo produto das nossas cabeças?
Todas estas questões poderão passar pelas mentes dos jogadores do FC Porto, uma equipa mergulhada em contradições e dúvidas. Uma equipa capaz de chegar aos descontos do duelo contra a Lazio empatada e perder, de chegar ao intervalo contra o Benfica empatada e sair goleada, de começar a ganhar contra o Moreirense e perder. De estar a ganhar duas vezes contra o Anderlecht e não vencer.
O empate (2-2) na Bélgica não afasta a crise do FC Porto. Não facilita o ambiente em torno de Vítor Bruno. Na verdade, intensifica a ideia de equipa frágil, facilmente superável. Começa a ganhar e sofre o empate. Consegue voltar à vitória, num pontapé que parecia salvador de Fábio Vieira. Volta a sofrer um golo perto do final, vendo a vitória escapar aos 86'.
O FC Porto chegou à Bélgica como um tenista que enfrenta um match point. Sem margem para errar, tendo de medir muito bem cada pancada, cada opção. Olhar para Vítor Bruno no banco, sempre a gesticular, sempre a mexer-se de um lado para o outro da área técnica como um tenista inseguro no fundo do court, era ver um técnico a viver uma situação limite.
O match point não caiu para o outro lado, mas a crise também não se foi embora. Voltámos a um 40-40, a um impasse. Aguardam-se cenas dos próximos capítulos.
A sensação de perigo não ativou os visitantes no arranque do duelo. Pelo contrário, levou a um começo adormecido. O FC Porto até começou em posse, mas rapidamente a perdeu, deixando que Dolberg se isolasse. O requintado atacante finalizou com a classe que lhe conhecemos desde que apareceu no Ajax, mas o golo foi anulado por fora-de-jogo.
O Anderlecht era apoiado nas bancadas por Remco Evenepoel, craque das bicicletas que, enquanto adolescente, terá sonhado estar a disputar este jogo — o campeão olímpico de ciclismo chegou a ser internacional jovem pela Bélgica em futebol. Os locais entraram melhor, com o irrequieto Edozie a causar problemas a João Mário, superando-o para criar perigo aos 12’ e sacando um amarelo ao lateral, que ao intervalo foi substituído por Martim Fernandes.
No entanto, sem que o FC Porto criasse muito perigo, abriu-se a hipótese da vantagem para os dragões de laranja. Foi assinalado penálti por falta sobre Francisco Moura e, aos 24’, Galeno colocou os portugueses na frente. Vítor Bruno respirava.
Até ao intervalo, o FC Porto teve algumas situações de ataque rápido promissoras, mas as ofensivas chegaram aos pés de Samu, atacante que parece sempre pronto para esmagar as defesas, mas a quem falta precisão técnica. Apesar do vigor físico do espanhol, os lances perderam-se.
O recomeço reabriu a caixa de Pandora para o FC Porto. Ter um match point contra leva a que tudo seja feito sob brasas, em frágeis bases emocionais. A segunda parte abriu, Rits atirou ao poste e os visitantes tremeram.
Aos 52’, o clube mais titulado do futebol belga — mas que só venceu uma das últimas 10 ligas — empatou. O lance teve em Pepê a personificação da instabilidade, do receio, da dúvida. O brasileiro conduziu a bola em direção à sua própria baliza, numa fuga para o abismo. Foi desarmado e Tristan Degreef, jovem de 19 anos, empatou.
Este não é o Anderlecht que ganhou 5 troféus europeus nos anos 70 e 80. Não é o Anderlecht que chegou a ser um clássico da Liga dos Campeões, onde não está desde 2017/18. O Anderlecht não tem sido, sequer, capaz de conquistar o seu próprio campeonato, que lhe escapa desde 2017. Mas, durante boa parte deste desafio, o Anderlecht foi um adversário gigante nas mentes dos jogadores do FC Porto, uma besta enorme, que intimidava.
Na verdade, não era o Anderlecht que causava receio ao FC Porto. Era, sim, o FC Porto que se assustava consigo próprio, com os seus medos, com o labirinto interno do qual não consegue sair.
Aos 82', Vítor Bruno lançou Fábio Vieira, desta feita para a zona central, e não entrando para o seu exílio sobre a direita. Um minuto a seguir, a aposta foi recompensada: Vieira recebeu a bola na zona central e, com o pé direito que não é o seu mais forte, rematou para voltar a dar vantagem aos de laranja. Parecia que aquele seria o tiro salvador.
Mas tudo é frágil neste FC Porto, a equipa que não aguenta vantagens. Bastou um ataque para o Anderlecht agitar, para que os belgas acreditassem. Amuzu encarou Martim Fernandes, que não teve ajuda. O remate desviou no almadiçoado Otávio, que não jogava desde 15 de setembro, e bateu Diogo Costa.
Os instantes finais do desafio foram de ataques e contra-ataques constantes. Gonçalo Borges quase deu o triunfo aos 95', mas foi travado por uma defesa de Coosemans. O FC Porto, assustado consigo próprio, não sai da prisão mental onde se perdeu.