
Há derrotas que doem. Há derrotas que doem muito. E há derrotas que doem como esta. Foram 3 horas e 51 minutos de tensão, de muito tempo de qualidade elevada, de algum tempo de menor nível, de conclusão cheia de nervos, no fio da navalha, por ínfimas margens. Já o encontro levava mais de três horas e meia de duração e cada um dos participantes vencera 159 pontos. Igualdade máxima.
Passadas cinco partidas, Nuno Borges (37.º ATP) caiu perante Karen Khachanov (20.º) por 7-6 (6), 4-6, 4-6, 6-3 e 7-6 (10-8). O português serviu para seguir em frente no derradeiro parcial, mas a cabeça tremeu e as pernas também.
Não só pela proximidade do triunfo é esta derrota especialmente dolorosa. Do outro lado estava um dois mais consistentes tenistas dos últimos anos, um muito regular habitante dos 30 primeiros da hierarquia, já presente nos quartos de final de todos os Grand Slams. Khachanov jogou muito bem, mas Borges sai com a sensação de que a vitória esteve ali, ali tão perto.
Para somar a isto, para acrescentar camadas de frustração à frustração, ter passado esta eliminatória não soaria a fim de viagem. Chegar aos oitavos de final de major costuma significar enfrentar um craque, nunca um português fez melhor do que isso. Só que, caso tivesse superado Khachanov, Borges mediria forças com Kamil Majchrzak, o 109.º do ranking. A porta dos quartos de final parecia mais aberta do que nunca, não só para Nuno, como para todo o ténis português.
Há oportunidades perdidas. E depois há oportunidades destas.
O arranque da eliminatória deu o mote para o elevado nível que, durante boa parte da tarde, se viu. Os dois apresentaram um ténis agressivo, Khachanov com o seu jogo potente e pressionante, Borges sabendo que não poderia ser passivo perante este tipo de oposição. O russo teve algumas oportunidades de break que o português, a servir muito bem, foi negando, empurrando a decisão para o tie-break.
No desempate, Nuno começou a elevar o nível. Ágil, rápido, forte na rede, sacando dos pergaminhos de bom jogador de pares. Chegou a estar a vencer por 4-1, mas o russo é muito difícil de vergar. Aproveitando um par de erro de Borges, o set de arranque foi para o moscovita.
Wimbledon abriu uma pequena — literalmente pequena — exceção ao seu rígido protocolo de vestuário. Para homenagear Diogo Jota e André Silva, foi permitido que Borges e Francisco Cabral, que pouco antes do encontro de Nuno atuou em pares e foi eliminado, utilizassem apontamentos negros na sua roupa, fugindo ao branco total do All England Club. Cabral, que foi batido fazendo dupla com Lucas Miedler, tinha a intenção de utilizar uma braçadeira preta, mas tal não foi autorizado, daí que os dois tenistas portugueses utilizassem o laço escuro que Borges trazia no chapéu.
Sem se deixar abalar por ceder o primeiro parcial, o segundo jogador nacional que mais alto escalou no ranking ATP conseguiu concretizar um break logo a abrir a segunda partida, efetivando-o com uma bela esquerda esvoaçante. Foi no segundo e terceiro sets que se assistiu ao melhor Borges de sempre: um tenista confiante, ofensivo, com um serviço a fazer a diferença, uma direita consistente, ganhando pontos de pressão. Não ofereceu nenhum break point ao russo no segundo parcial.
Londres já não sofre a onda de calor do início da semana, as temperaturas já baixaram, mas Wimbledon mantém-se um desfile de óculos de sol, chapéus e bebidas geladas. No Court 3, o quarto maior do complexo, o embate principiou a meio da tarde e foi-se alargando, com as nuances da sombra a indicarem a passagem do tempo, qual relógio de areia, até tudo terminar já com a noite a querer assomar.
À medida que o sol foi descendo e a primeira hora de encontro deu lugar à segunda, o nível de Borges foi subindo, o conforto do português foi-se evidenciando, era claro que a superioridade residia do lado da rede do maiato. “G’anda jogo, Nuno!”, chegou a ouvir-se vindo das bancadas. Também por minutos de tanta qualidade não terem valido vitória fica aqui uma grande sensação de oportunidade perdida.
O terceiro parcial seguiu a tendência do crescimento do menos cotado dos jogadores. O 37.º do ranking deu continuidade ao break de arranque para voltar a quebrar o serviço do 20.º da hierarquia, chegando a dominar por 5-1. Mas Khachanov, que parece pegar num martelo quando prepara a direita, tal a distância da raquete face ao corpo e os golpes impactantes e tensos que desfere, manteve-se vivo na contenda, reduzindo até 5-4, com break pelo caminho. Era evidente que, para Nuno vencer, tal não seria porque Karen iria capitular. Era, mesmo, preciso subir aos cumes da exigência.
Na segunda vez em que Borges serviu para se adiantar no marcador, parecia que o pupilo de Rui Machado — que ia assistindo às incidências com a face impávida de sempre, como um segurança num parque de estacionamento — ia vacilar. Esteve a perder por 0-30, mas o serviço, a arma que tem sido a sua melhor amiga neste major, veio ao resgate. 6-4 e a quarta ronda ali a um set de distância.
Khachanov não iria desistir. Nuno deixou de ser o melhor Nuno de sempre no quarto set diminuindo o acerto, os nervos começando-se a notar, talvez o físico respondendo menos bem. Foi quebrado cedo e tudo foi para a decisiva partida.
Confirmando que Borges já descera alguns degraus de exibição, o maiato foi quebrado muito cedo no quinto. Ainda assim, agarrou-se aos jogos de resposta e quebrou o russo não uma, mas duas vezes. A vitória parecia ali, pronto para ser agarrada.
A 5-4, Nuno serviu para se tornar no segundo português da história nos oitavos de final de Wimbledon, igualando inevitável João Sousa. O caminho para os 16 melhores, possivelmente até para os oito melhores, parecia aberto. Mas Borges cometeu duas duplas faltas, cedeu na pior altura possível.
A eliminatória decidiu-se num derradeiro desempate. Khachanov ligou o modo segurança, não ofereceu nada, ao contrário de Borges. Nuno agarrou-se à vida, adiou ao máximo o que foi parecendo inevitável, mas não o impediu.
Ficar à beira de derrotar um adversário deste nível seria sempre duro. Ficar à beira dos oitavos de final de Wimbledon custaria sempre a digerir. Sair de Londres com a clara impressão de não se ter conseguido percorrer o caminho que parecia abrir-se para uns inéditos quartos de final torna a derrota do melhor Nuno Borges de sempre na mais dolorosa derrota de sempre para Nuno Borges.