
Ainda que a função primordial de um guarda-redes seja manter a baliza inviolável, evitando golos ou sobressaltos desnecessários, existem membros integrantes desta posição que desafiam este paradigma diariamente e que se destacam dentro de campo por outros aspetos - sem nunca descurar o seu trabalho entre os postes.
Uns igualmente importantes, como saber ‘jogar com os pés’ - característica que tem adquirido uma importância cada vez maior no futebol moderno. Outros, porém, mais obscuros - como a competência, inata ou treinada, por rubricar golos.
São raros, mas existem guarda-redes que possuem uma vertente goleadora. A maior parte destes matadores incomuns já se ausentaram do desporto-rei, mas existe um caso que está a deixar a sua marca no Brasil, mais concretamente na Série B: Tadeu, guardião do Goiás.
Discípulo de Rogério Ceni, José Luis Chilavert, René Higuita, Jorge Campos e outros tantos, o experiente guardião, de 33 anos, estreou-se a marcar em 2018, ao serviço do Ferroviária, e interrompeu este capítulo até à temporada passada, onde voltou a demonstrar a sua veia goleadora. Agora, é o melhor marcador do Goiás na presente época - em igualdade com o avançado Anselmo Ramón -, com sete golos anotados.
De curiosidade aguçada face a este inédito cenário, o zerozero esteve à conversa com o protagonista em questão para compreender de que forma esta inusitada característica surgiu na vida de Tadeu, um guarda-redes habituado a proteger as suas redes e a balançar as opostas.
«No jogo em que me estreei a marcar, também defendi um penálti»
Aptidão natural de avançados com instinto matador, a arte de marcar golos esteve presente na vida de Tadeu desde cedo. O guarda-redes contou ao nosso portal que sempre foi «forte no jogo com os pés» e que manteve, de forma regular, um «treino dedicado à conversão de bolas paradas», com foco nas grandes penalidades.
O primeiro tento da sua carreira surge em 2018, quando o guardião tinha apenas 24 anos e uma longa carreira pela frente. Foi ao serviço da Ferroviária que o keeper rubricou o último tento da partida, a partir da marca dos onze metros, após já ter brilhado numa fase anterior do duelo.
«Marquei a minha primeira grande penalidade no jogo frente ao Red Bull Bragantino II. Era um dos batedores, foi o segundo castigo máximo que tivemos a nosso favor e o treinador decidiu dar-me essa oportunidade. Curiosamente, também defendi um penálti nesse mesmo jogo», recordou.
O segundo golo do seu percurso surgiu em 2024, após um interregno de quase seis anos. Em contrapartida, Tadeu teve a possibilidade de brilhar em dose dupla: na 20.ª jornada da Série B, frente ao Ceará, o Esmeraldino conquistou a vitória graças a um bis (34' e 90+11') do guardião goleador.

«No Goiás, essa hipótese surgiu com a chegada do professor Vagner Mancini. Quando me estreei [a marcar], tivemos dois penáltis a nosso favor e tive a oportunidade de bater ambos. Ainda por cima, eu não tinha convertido nenhuma grande penalidade em tempo regulamentar e talvez os adeptos tenham ficado surpreendidos com aquele cenário. É um momento que gera tensão, ainda por cima vindo de um guarda-redes.»
«Acredito que fiquem nervosos, é natural. Ao longo da época, e à medida que fui marcando, fui conquistado a confiança dos adeptos para poder ser o responsável por caminhar até à marca dos onze metros e converter as grandes penalidades atribuídas», afirmou.
«Rogério Ceni destacava-se pelo 'jogo com os pés' acima da média»
No mundo do futebol, a principal inspiração de Tadeu, como o caro leitor pode já ter adivinhado, é Rogério Ceni. O ex-guarda-redes, atualmente com 52 anos, disputou 1125 partidas ao longo da sua carreira e rubricou nada mais, nada menos do que 129 golos. Um número extraordinário, tendo em conta a posição que ocupou dentro das quatro linhas.

Especialista na conversão de bolas paradas - não só da marca dos onze metros como também exímio no 'tiro ao alvo' através de livres diretos -, a antiga lenda brasileira retirou-se dos relvados em 2015, mas a sua história continua atual, sendo vários os aficionados pela arte de guarda-redes goleadores. Tadeu não é exceção.
«Quando se pensa em guarda-redes, Rogério Ceni é uma das grandes referências a nível mundial. É um dos grandes nomes para a minha geração, tive o prazer de o ver jogar. Guardião excecional, com um 'jogo com os pés' acima da média. Até era usado, muitas vezes, como 'jogador de campo'», afirma o nosso entrevistado.
«É inevitável não falar do Ceni como especialista na conversão de faltas, grandes penalidades, um verdadeiro guarda-redes goleador. Para mim, e para todos os guardiões que se interessam pela arte do golo e das grandes penalidades, é a maior inspiração.»
«Fico muito satisfeito quando deixo um colega na cara do golo»
Apesar da irreverência associada aos golos rubricados, o keeper do Goiás não se destaca apenas pela aptidão na resolução de castigos máximos. Aliás, o lançamento longo - quer com as mãos, quer com os pés - é outra das características de Tadeu, que considera este «trabalho contínuo» uma «arma secreta» para a sua equipa.

«Outra das minhas características, que pautam o meu modo de jogar, é o pontapé longo na reposição de bola. Com a bola nos pés ou até no lançamento com as mãos, gosto de lançar longo. Trabalhei isso desde muito novo, desde a formação, onde já procurava aprimorar esses fundamentos.»
«Agora, tendo essas oportunidades, tento sempre colocar em prática durante os jogos. É uma arma que pode ser usada pela nossa equipa», revelou.
Além dos 11 golos que leva desde 2024, o guardião brasileiro anotou também um feito inédito diante do Cuiabá, a 19 de julho, já que anotou duas assistências na mesma partida - algo que nem Ederson, nem Rogério Ceni conseguiram alcançar (considerando apenas jogos oficiais).
«Foi uma sensação única. Destaco-me pelos passes longos e, quando dá certo, fico muito satisfeito por poder deixar um colega na cara do golo para que ele possa concluir a jogada. Quando reponho a bola em jogo, assistir é o meu principal objetivo.»
«Esse jogo vai ficar para sempre na minha memória por ter sido o primeiro guarda-redes a assistir por duas ocasiões na mesma partida em jogos oficiais. É um grande feito», destaca.
«Sonho com poder marcar pelo Goiás no Brasileirão»
Com 353 partidas disputadas ao longo de sete temporadas, Tadeu pode já ser considerado uma figura de destaque na história do Goiás. Questionado sobre se pensa em agarrar novos desafios nesta fase da sua carreira, a resposta do guardião surgiu de forma perentória.

«O que me motiva a continuar no Goiás é o desejo de construir uma carreira longeva numa grande equipa. Com o passar dos anos, uma pessoa adquire sentimentos de amor e de carinho pelo clube, pelas pessoas que lá trabalham, pelos adeptos. É esse sentimento de paixão que me faz continuar e querer prolongar a minha carreira aqui no Goiás. Quero construir uma história bonita aqui no clube», afirmou.
Ainda assim, o experiente guarda-redes não descarta uma possível chamada à seleção do Brasil, algo que seria «um verdadeiro sonho»: «Se tiver de acontecer, será uma grande realização, tanto a nível profissional como pessoal. Esse é o sonho de todos os atletas. De quem nunca pôde jogar pelo Brasil, de quem já passou por lá, todos sonham em representar essa seleção.»
Por enquanto, Tadeu continua a aproveitar o dia-a-dia, defendendo as cores dos Esmeraldas da Serrinha, que se encontram, atualmente, na liderança da Série B com 37 pontos em 19 partidas. Para o guardião, o objetivo é claro: ajudar o seu clube a alcançar novamente o Brasileirão e, se possível, marcar na principal divisão do Brasil.
«Voltar à Serie A e ter uma oportunidade de fazer golo seria um grande feito. Sonho regularmente com esse dia», findou.
Curiosamente, Tadeu desperdiçou duas grandes penalidades nos dois últimos jogos - a conversa com o zerozero aconteceu dias antes. Esperamos que não seja o final da aventura atacante deste guardião.