
A época nos Celtics foi a melhor de sempre de Neemias Queta desde que chegou à NBA. O poste atingiu os 62 jogos ao serviço da equipa de Boston com uma média de 13,9 minutos de utilização. Ainda assim, esteve longe de conseguir números de uma estrela: cinco pontos, 3,8 ressaltos e 0,7 assistências. Quando representa Portugal, o caso muda. “Taticamente, pedimos-lhe mais coisas do que os Celtics”, admitiu Mário Gomes em entrevista à Tribuna Expresso. O selecionador não escondeu que fez ajustes “para aproveitar o melhor possível” o jogador. A estatística mais preenchida é consequência.
O maior protagonismo fá-lo ostentar qualidades escondidas, valências que, em solo norte-americano, é impedido de usar. Ao serviço de Portugal, parece ser a versão completa de si mesmo, auxiliado por colegas que lhe dão primazia nas ações ofensivas e contam com a sua envergadura para defender. Não se pode dizer que tenha corrido mal. Portugal estreou-se no EuroBasket com uma vitória contra a Chéquia (62-50) e a exuberância de um dos jogadores interiores do conjunto de Mário Gomes fez estremecer Riga.
Entre portugueses e checos, não existiu em campo ninguém que atirasse mais. A seleção proporcionou 15 lançamentos de campo a Neemias Queta, a maioria deles próximos do cesto e de fácil concretização. Desse conjunto de arremessos, 11 acabaram dentro da rede (73% de eficácia). Faltou apenas um ponto para igualar a máxima marcação obtida por um português no EuroBasket, recorde estabelecido por Carlos Andrade, em 2011.
O dilema será encontrar maneira de aproveitar a figura imponente sem que tal se transforme num vício. “Circular mais a bola” ou “a bola tem que mudar de lado” foram conselhos que os oportunos microfones ouviram Mário Gomes a dar aos jogadores durante os descontos de tempo. Os Linces ficaram-se pelas 14 assistências, marca abaixo da média de 17,7 estabelecida na fase principal de qualificação e que simboliza uma menor partilha da borracha laranja.
Os contributos alargaram-se a outros aspetos. A capacidade defensiva, imagem de marca de Neemias Queta, fê-lo abraçar 15 ressaltos, impedindo segundas oportunidades de lançamento aos checos que conseguiram apenas cinco pontos nessa circunstância. Na tabela ofensiva, o gigante do Vale da Amoreira agarrou mais três bolas. Ao todo, os 18 ressaltos são um número invulgar na base de dados da FIBA, que apenas encontra cinco nomes com registos melhores ao do português: Pero Antic, Dirk Nowitzki, Toko Shengelia, Andris Biedrins e Arvydas Sabonis.
Na NBA, Neemias Queta nunca ultrapassou os 12.
À frente do cesto português, nasceu um muro de 2,13 metros. O jogador de 26 anos terá alguma responsabilidade nos escassos 50 pontos marcados pela Chéquia. Ao longo da fase de qualificação (Neemias só participou em dois jogos), a seleção nunca conseguiu reduzir tanto a ofensividade do oponente.
A presença da escolha 39 do Draft da NBA, em 2021, intimida. Os quatro desarmes mostram a predisposição para distorcer os lançamentos dos adversários, mesmo quando não toca na bola. Portugal permitiu apenas 18 pontos na área pintada e marcou 36, sacudindo a Chéquia para o perímetro e obrigando o adversário a execuções de maior grau de dificuldade.
Mário Gomes considerou que a “chave para ganhar” à Chéquia foi estar “bem” na defesa, o que compensou o “stress” no ataque. Neemias Queta concordou com o técnico de 68 anos: “Por vezes, não vamos ter um jogo perfeito no ataque. Temos que ser a equipa que dita o ritmo através da defesa. É isso que nos vai ajudar a atingir outro nível.”
Neemias Queta dificilmente será um dos jogadores portugueses com mais internacionalizações. As amarras da NBA não lhe permitem estar presente na maioria dos compromissos da seleção. O EuroBasket é a primeira grande oportunidade de se exibir com as cores nacionais já que, na fase de preparação, esteve limitado a 15 minutos por partida. Nos jogos contra Sérvia (29/8), Turquia (30/8), Letónia (1/9) e Estónia (3/9), continuará a ser o centro das atenções.
Sem os tiques normalmente associados às figuras centrais, em entrevista à Tribuna Expresso, Neemias tinha dito que “é indiferente” o que os adversários pensam da influência que tem no sistema de Portugal. Não são raros os jogadores que ganham uma nova vida na NBA após se evidenciarem num torneio de seleções. Com a saída de Kristaps Porziņģis e Luke Kornet dos Celtics, a conjuntura até é favorável. A metamorfose está em curso.