
O Mirassol vive temporada inesquecível na Série A do Brasileirão. Estreante na elite, a equipa do interior de São Paulo transformou-se no melhor caloiro da era dos pontos corridos após 20 jornadas. Soma 35, o que dá um aproveitamento de 58%. À frente do feito, está Rafael Guanaes, um treinador que cresceu a sonhar com futebol… à frente de um ecrã de computador.
Guanaes, de 42 anos, nunca escondeu a sua inspiração pouco habitual. «Sempre fui um apaixonado desde criança. Jogava todas as versões que encontrava, Elifoot, Brasfoot, Championship Manager, Football Manager...», contou um dia, em entrevista ao globoesporte.
Recorda-se de noites passadas na casa de amigos, a jogar até de madrugada, enquanto os outros dormiam. «Começava numa equipa mais pequena até conseguir, através dos resultados, chegar a outras maiores e a melhores competições. Sem saber, estava a preparar-me também para o futuro com ferramentas que na época eram só entretenimento, mas que me ajudaram a criar bagagem.»
Essa curiosidade pelo jogo, aliada à formação académica, com a licença Pro da CONMEBOL já atingida, e à experiência prática — depois de adjunto de Paulo Pezzolano no Cruzeiro, assumiu as rédeas de Novorizontino, Operário Ferroviário, Atlético Gioaniense e agora o Mirassol —, moldou um técnico com um estilo estudioso, atento ao detalhe e sem medo de experimentar soluções menos ortodoxas.
O melhor estreante da história
O trabalho de Guanaes materializou-se no arranque surpreendente do Mirassol esta temporada. Nunca, desde 2003, uma equipa estreante na Série A tinha somado tantos pontos em 20 jornadas. O antigo recorde pertencia ao Grêmio Barueri, em 2009, com 31 pontos e 51% de aproveitamento.
A equipa conhecida como Leão Caipira ocupa o sexto lugar da tabela, após uma goleada por 5-1 ao Bahia, e sonha alto: garantir, pela primeira vez, uma vaga em competições internacionais logo no ano de estreia. Até hoje, apenas Barueri (2009) e Cuiabá (2021) o conseguiram.
Venda de Luiz Araújo financiou investimento
O clube do interior paulista ocupa o sexto lugar, após vitórias marcantes sobre São Paulo, Corinthians e Santos, além de um empate com o Palmeiras. Para uma cidade de apenas 65 mil habitantes, o feito é histórico e transformou o Leão Caipira num motivo de orgulho regional e numa ameaça real às potências do futebol brasileiro.
O sucesso não surgiu por acaso: o clube investiu pesado em estrutura. O centro de treinos, erguido graças a 11,5 milhões de reais (€1,8M) recebidos pela venda de Luiz Araújo ao Lille, dispõe de quatro campos oficiais, alojamentos modernos, academias, spa, quadra de areia e tecnologia de ponta. Há equipamentos de fisiologia e recuperação raros no Brasil, como a esteira antigravitacional e o tanque de flutuação, além de sistemas de monitorização individual de cada atleta.
Até a cozinha é totalmente automatizada, garantindo rigor nutricional. O Estádio José Maria de Campos Maia também foi remodelado para a elite: recebeu investimentos de mais de 14 milhões de reais, com melhorias na acessibilidade, camarotes modernos, banheiros ampliados, iluminação reforçada e áreas exclusivas para famílias e convidados.
As mudanças transformaram o Maião num palco à altura do Brasileirão e elevaram a experiência tanto para adeptos como para equipas visitantes. Apesar da euforia, a direção mantém os pés no chão. A meta imediata é garantir a permanência na Série A, mas a realidade já permite sonhar com a Libertadores ou a Taça Sul-Americana. Mais do que resultados, o Mirassol tornou-se exemplo de competência e planeamento, projetando-se como um clube emergente que pode alterar o mapa do futebol brasileiro nos próximos anos.
O desafio da segunda volta
O histórico mostra que os estreantes costumam enfrentar dificuldades na reta final. Brasiliense (2005) e Ipatinga (2008) acabaram despromovidos, por exemplo. No entanto, o Mirassol já tem uma vantagem importante: precisa apenas de 15 pontos nos 18 jogos restantes para superar a pontuação final do Barueri, o melhor rookie até agora, com 49 pontos.
Do sonho ao banco de suplentes
Entre o sonho simulado no computador e a realidade de um banco da Série A, Rafael Guanaes percorreu um caminho que hoje inspira não só pelo ineditismo, mas também pela ousadia. Tal como no Football Manager, começou com pouco, aprendeu a gerir recursos limitados e agora vê a sua equipa desafiar gigantes do futebol brasileiro.
O Mirassol joga a 13 de setembro, frente ao Grêmio, em Porto Alegre. Mais um capítulo de uma temporada em que a ficção dos jogos de gestão de futebol parece ganhar vida, sob o comando de um treinador que soube transformar paixão em método.