
Entre os vários emblemas que fazem vibrar Londres, o Crystal Palace talvez seja aquele que mais sobressai pela peculiaridade do nome: palácio de cristal. Designação curiosa, histórica e imagem de marca daquele que é o clube mais antigo da liga inglesa.
Tão antigo, que é preciso recuar a meados não do século passado mas do anterior (séc. XIX) para perceber as origens do clube. Criado em 1861 por jogadores de críquete, deve o seu nome ao histórico edifício concebido por Joseph Paxton e construído em cristal e ferro na capital inglesa, em Hyde Park, para acolher a grande exposição de 1851 (destinada a exibir conquistas industriais e culturais de vários países).
O edifício mudou de localização, foi reconstruído e reaberto em 1954 em Sydenham Hill, no sul da cidade, com ainda maiores proporções, e a área rebatizada de Crystal Palace. E foram as instalações desportivas a dominar atenções: três anos depois, em abril, a Crystal Palace Company inaugurou um novo campo de críquete no seu parque. Nascia assim o Crystal Palace Cricket Club. Um mês depois, o anúncio de que outra fundação estava a caminho.
Apesar de 1905 ter prevalecido, durante anos, como a data de origem do Crystal Palace, a história começou a ser escrita uns bons anos antes, já que naqueles terrenos o futebol era rei, apesar de não ter sido aquele desporto o ponto de partida. O críquete era mais popular, mas era no futebol que os jogadores matavam o tempo livre, o que os levou a associarem um clube à prática da modalidade. E assim nasceu o Crystal Palace Football Club, em 1861 — a 15 de março de 1862 terá realizado o primeiro jogo, em Leytonstone, Essex, contra o Forest Club, e no ano seguinte os dois clubes tornaram-se membros da Federação Inglesa de Futebol, lançando as primeiras regras do organismo.
A viragem de século representou mudança: de equipa amadora com génese nos jogadores de críquete, que vestia de azul e branco, o Crystal Palace passou a equipa profissional que jogava de azul e vermelho. «O magnífico edifício do Palácio de Cristal, os seus terrenos e a empresa que os detinha sempre foram parte integrante da identidade do clube. Não precisamos de ir mais longe do que às palavras de William Pickford, jornalista, presidente da Federação Inglesa de Futebol e vice-presidente da FIFA, que, em 1905, escreveu que o Crystal Palace tinha reavivado o seu clube 'com uma aparência que os membros originais nunca teriam sonhado'. Não vejo razão para duvidar do maior de todos os historiadores do desporto», afirmou o historiador de futebol Guy Oliver, citado pelo Crystal Palace.
Após a profissionalização do clube, a construção que esteve na sua génese seria destruída pelas chamas, num incêndio em 1936, no entanto a estrutura permaneceria eternizada no símbolo. Além do logotipo, o famoso palácio de cristal também teve influência na alcunha original do emblema londrino — glaziers (vidreiros, numa referência aos trabalhadores da indústria vidreira). Anos mais tarde, o nickname seria substituído por outro, eagles (águias). E a culpa foi do... Benfica?
Definitivamente, a culpa foi de Malcom Allison. O treinador, que em 1981/82 conduziu o Sporting à dobradinha (orientou ainda, em Portugal, Vitória de Setúbal e Farense), chegou ao Crystal Palace em março de 1973, enfrentou descida de divisão e decidiu pôr em marcha revolução.
O ponto de partida foi assumir as riscas vermelhas e azuis na camisola, que já tinham sido usadas no clube a partir de 1937/38, e mudar a alcunha para um nome mais apelativo. A inspiração, no primeiro caso, foi associada ao Barcelona, histórico do futebol mundial, no segundo ao Benfica, que na década de 60 fora bicampeão europeu e tinha Eusébio como referência. Bad Mal queria uma equipa renascida das cinzas, como uma fénix, e a águia seria esse símbolo de força, agressividade e visão de futuro. Bem mais do que vidreiros.
«As águias de Allison voarão alto», vaticinou o The Mirror. Não foi assim que aconteceu, com novo golpe a traduzir-se em nova descida de divisão. No entanto, vingou a alcunha, ainda hoje aquela por que é conhecido o conjunto de Selhurst Park, que em tempos chegou a ter a águia Kayla a sobrevoar o estádio antes dos jogos. Morreu, em 2020, vítima de ataque cardíaco.