Um nome pouco comum vem capturando os focos do panorama futebolístico a nível europeu: o Brest.
O Stade Brestois 29, nome completo do Brest, surgiu da fusão de cinco equipas de futebol. A equipa foi subindo gradualmente das divisões regionais amadoras até à primeira divisão do futebol francês, mas acabou por declarar falência em 1991 (à semelhança do que aconteceu com os históricos emblemas italianos Fiorentina e Parma).
Foi um caminho penoso de 13 anos pelas divisões mais secundárias do futebol francês, até chegar à Ligue 2 em 2004.
Desde 2018, o Brest conseguiu cimentar-se na elite do futebol francês. A equipa tem tido campanhas sólidas e consistentes, mas na época 2022/2023, esteve até bem perto do fim do campeonato a lutar pela permanência.
Conseguiu evitar a despromoção nesse ano a poucas jornadas do fim e a sua prestação na Ligue 1 na época transata, foi absolutamente excepcional, conseguindo um histórico 3º lugar na classificação e consequentemente garantindo a sua participação na fase de grupos da Liga dos Campeões, algo que tem sido precioso para as contas de um clube que não dispõe de um grande orçamento para poder construir uma equipa competitiva.
Não podemos menosprezar o que o Girona fez no ano passado na Liga Espanhola (tendo conseguido também uma qualificação histórica para a Liga dos Campeões), mas o Brest não teve nenhum tipo de injeção milionária nos seus cofres, nem é clube satélite de um colosso mundial, como o Manchester City. E isso tem ainda mais mérito no contexto de um desporto que cada vez mais é um negócio.
Esta modesta equipa francesa tem tido uma campanha histórica e surpreendente nesta edição da Liga dos Campeões, que estreia um novo formato este ano.
Com quatro jornadas disputadas, o Brest está neste momento em posição de qualificação direta para os oitavos de final da prova, o que é digno de registo e dos mais rasgados elogios.
Claro está que à exceção do atual campeão alemão Bayer Leverkusen, os adversários que a equipa defrontou não podem ser considerados adversários de topo (Sturm Graz, Red Bull Salzburg e Sparta Praga).
Contudo, não podemos tirar o mérito de uma equipa que tinha como objectivo a permanência na Ligue 1 há duas épocas atrás.
Na época passada, o investimento no mercado de transferências da equipa francesa foi inferior a 4 (!) milhões de euros e mesmo assim conseguiu competir com clubes com o poderio económico da dimensão do PSG e do Mónaco.
A equipa da pequena e pitoresca cidade portuária da Bretanha francesa, tem uma massa associativa muito dedicada e fervorosa, mas infinitamente inferior a outros emblemas históricos do futebol francês, como o PSG, o Marselha, o Lyon, o Saint Etienne, etc…
Caros leitores, para que tenham uma noção do incrível feito que esta equipa tem alcançado recentemente, o estádio do Brest tem uma capacidade que não pode exceder os 16 mil espectadores.
O seu estádio não está dentro dos padrões da Uefa para receber jogos da liga milionária. Os jogos em casa do Brest na Liga dos Campeões têm de ser realizados no Stade du Roudourou (do seu rival Guingamp) a 120 km de distância.
O Brest terá um novo estádio nos próximos anos (previsto para 2027), mas enquanto isso não acontece, o clube orgulha-se de ter uma base construída e assente em valores como a humildade, o trabalho árduo e um profundo sentimento de pertença e orgulho.
É impossível dissociar esta ascensão meteórica do Brest sem falarmos do seu carismático treinador Éric Roy.
Quando assumiu a equipa em Janeiro de 2023, o Brest estava em lugares de descida e o técnico francês assumiu o trabalho depois de estar 11 (!) anos sem treinar uma equipa de futebol profissional.
Depois de obter as duas primeiras vitórias nesta edição da liga milionária, Éric Roy proferiu as seguintes declarações: «Se um argumentista tivesse escrito este argumento, ele teria sido chamado de louco. Estou muito orgulhoso, é uma grande satisfação. Essas emoções são difíceis de descrever».
Estas declarações são profundamente reveladoras do atual estado de ânimo da equipa francesa e a dimensão do sonho que estão a viver neste momento.
Grande parte do sucesso do Brest pode ser atribuída à inteligente contratação de jogadores experientes e sedentos de oportunidades para demonstrar a sua qualidade, assim como um excelente trabalho de scouting nas divisões secundárias francesas.
Apesar de terem perdido jogadores fulcrais na tal campanha histórica na época passada na Ligue 1 (como Steve Mounié e Martin Satriano), a equipa tem-se conseguido reinventar e ser igualmente competitiva.
No atual plantel, não dispõe de jogadores que se possam considerar estrelas mundiais. Tem um colectivo bastante sólido e uma ideia de jogo muito bem trabalhada pelo seu treinador Éric Roy.
Um 4-3-3 com as posições muito bem definidas, onde se destaca o virtuosismo dos talentosos médios franceses Romain del Castillo e Pierre Lees-Melou, que são o motor desta equipa.
Devo igualmente realçar o extremo endiabrado Abdallah Sima, a solidez do médio suíço Edmilson Fernandes, a classe do central Brendan Chardonnet e a segurança que transmite um guarda-redes tão experiente e de tanta qualidade, como o guarda-redes holandês Marco Bizot.
Uma equipa muito intensa e vibrante com grande capacidade de pressão sobre o portador da bola e que tem uma identidade de jogo muito marcada. Sente-se mais confortável dando a bola ao adversário, para depois poder desferir ataques rápidos, que apanham desprevenidas as defesas rivais.
Neste momento e devido ao facto de ter um plantel curto que tem competido mais do que estes jogadores estão habituados, o Brest ocupa o 12.º lugar da classificação na Ligue 1, mas estão apenas a cinco pontos dos lugares europeus.
Contudo, quanto mais se alargar esta campanha europeia, maior será a probabilidade de que o Brest possa vir a ter uma época bastante difícil e de grande sofrimento para poder competir ao mais alto nível na liga francesa e na Liga dos Campeões.
Mas certamente se perguntarem a qualquer adepto do Brest, estes irão dizer que não querem acordar deste sonho, independentemente das consequências do mesmo.
Faltam ainda quatro jogos (o próximo será contra o super Barcelona de Flick no Camp Nou) para o fim da fase de grupos da Liga dos Campeões, mas os adeptos estão confiantes de que é possível que a equipa se consiga qualificar para a próxima fase, mesmo que seja apenas para o play-off de acesso aos oitavos de final.
Depois do jogo com o Barcelona, a equipa receberá o Shakhtar Donetsk, irá à Eindhoven defrontar o campeão neerlandês PSV e acabará esta fase de grupos a receber o Real Madrid, atual campeão europeu.
Acredito que esse será o jogo por que todos os adeptos do Brest anseiam (para quem isto seria impensável que acontecesse há dois anos), e quem sabe, esse jogo não seja apenas uma mera formalidade. Espera-se que o clima do jogo não seja apenas de festa, mas também de celebração dos adeptos franceses pela classificação histórica da sua equipa para a próxima fase da competição.
O sonho comanda a vida e o Brest ganhou o direito a sonhar.