Até quando é que o feitiço vai durar? Quando é que elas vão deixar de renascer, quando é que caminhar em cima do arame deixará de ser arte para ser defeito? Bem, nunca, ou não na Suíça, não neste Europeu.

Inglaterra perdeu contra França nos grupos. Esteve mais de 50 minutos em desvantagem contra a Suécia nos quartos de final, passou uma hora atrás do marcador contra Itália na ronda seguinte, viu Espanha estar adiante em 32 minutos no desafio decisivo.

Quando tudo chegou aos penáltis, as lionesses também arrancaram em desvantagem. Será vício? Foi glória.

Com esta queda para sobreviver, sobreviver, sobreviver até celebrar, Inglaterra sorriu. Empatou 1-1 contra Espanha, contra as favoritas craques de Espanha, e ganhou nos penáltis. Depois do triunfo no Europeu de 2022, a reedição da proeza continental, desforrando a frustração de 2023, quando la roja foi melhor na final do Mundial.

O penálti decisivo
O penálti decisivo James Gill - Danehouse

A final arrancou algo mentirosa. As lionesses, pressionantes, incomodaram as campeãs do mundo, conseguindo roubar a bola rapidamente e ameaçar Cata Coll. Arrancando uma tarde de várias defesas decisivas, ao estilo do que fizera na meia-final, a guarda-redes espanhola travou as intenções de Russo e Lauren Hemp.

As ameaças inglesas antecederam o domínio espanhol. La roja foi dominando a bola, acariciando-a, trocando-a com segurança e dinamismo. Na terra de Roger Federer, cultor da estética, ver a conexão Aitana-Alexia era um bom regresso à elegância no desporto.

Mas Aitana não é só recorte técnico. É dinamismo, são aquelas diagonais para a direita, rumo à linha final. Na sequência de uma dessas desmarcação, Bonmatí combinou com Athenea Del Castillo, a novidade de Montse Tomé para as titulares. A extrema deu para Ona Battle, que cruzou para Mariona, a regular Mariona, sempre presente ans grandes equipas do último lustro do futebol. A campeã europeia pelo Arsenal cabeceou para o 1-0.

O golo de Mariona
O golo de Mariona Alex Caparros - UEFA

Em vantagem, as espanholas tentaram prender as inglesas na sua teia, tocando e tocando, roubando ímpeto às que levantaram o troféu em 2022. Aitana e Mariona ameaçaram o 2-0 e Lauren James, lesionada, teve de ser substituída por Chloe Kelly.

A troca forçada não foi necessariamente uma má notícia para Sarina Wiegman. Está na essência desta Inglaterra reagir à adversidade, lidar com o inesperado, chegar à fase a eliminar depois de começar a perder na fase de grupos, chegar às meias-finais depois de estar a perder 2-0, atingir este desafio tendo estado a perder até aos 90+6' diante de Itália. Neste improviso, a entrada de Kelly, sempre com energia, agitou as lionesses, deu-lhes até arrogância e otimismo.

Partiu dos pés de Chloe o lance da igualdade. Alessia Russo, entre as centrais, rematou para o 1-1 aos 56'. Passada uma dezena de minutos, Kelly, sempre ela, teve o título nos pés, mas Cata Coll impôs-se com categoria. Ficaria para depois. Pela terceira vez em três mata-mata para Inglaterra, tudo decidir-se-ia para lá dos 90 minutos.

Russo faz o 1-1
Russo faz o 1-1 Maryam Majd

Chegados ao prolongamento, Basileia tornou-se um sítio de espera, de aguardar por um desfecho, como quem vai ver um fenómeno meteorológico e fica muito tempo a olhar para o céu. Entrou-se no terreno da tensão, no campo em que se decidem as finais, nas margens pequenas, ínfimas. Salma Paralluelo dispôs das duas melhores chances para evitar os penáltis, mas não foi eficaz.

O desempate arrancou evocando Julián Álvarez. Tal como o argentino na passada Liga dos Campeões, Beath Mead bateu um penálti escorregando, o que fez com que tocasse duas vezes na bola. Com a alteração da regra, o lance não foi anulado, mas repetido. Cata Coll defendeu.

Inglaterra estava em desvantagem. Para outras seria ataque de nervos, para elas era entrar na zona de conforto. Chegu Hannah Hampton à final. Se esta Inglaterra conquistou a Europa à base do improvável, ela teria de ser a face do triunfo. Nasceu com estrabismo e sem noção de profundidade, diz que nem sabe bem como é guarda-redes, mas criou a sua arte, adaptou-se, ganhou. Tal como esta equipa.

Hampton parou os remates das craques Mariona e Aitana. Desafiando probabilidades, a tarde, a longa tarde de Basileia, seria decidida nos pés de Chloe Kelly. Ela gosta do protagonismo, entrou por um azar de uma companheira, mas disposta a deixar a sua marca. Penálti, golo, Inglaterra campeã. Quem disse que o êxito era uma linha ascendente, sem curvas e contra-curvas, altos e baixos? O êxito, para elas, foi resistir, resistir, resistir até à glória. A glória de Sarina Wiegman, a rainha dos Europeus, campeã em 2017, 2022 e 2025.