A Amnistia Internacional (AI) denuncia, num relatório divulgado esta terça-feira, que as autoridades russas têm sujeitado prisioneiros de guerra ucranianos e civis detidos a tortura, detenções prolongadas em regime de incomunicabilidade, desaparecimento forçado e outros tratamentos desumanos. De acordo com a organização, estas práticas constituem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

O relatório, intitulado "Um silêncio ensurdecedor: Ucranianos mantidos incomunicáveis, desaparecidos à força e torturados em cativeiro russo", revela que os prisioneiros de guerra e civis ucranianos mantidos sob custódia russa desde fevereiro de 2022 têm sido deliberadamente isolados do mundo exterior, muitas vezes durante anos.

A ausência de informação sobre o paradeiro dos detidos facilita a prática de tortura e outros maus-tratos sem qualquer responsabilização.

Tortura e detenção em isolamento

A secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, alerta que a "detenção sistémica em regime de incomunicabilidade de prisioneiros de guerra e civis ucranianos pela Rússia reflete uma política deliberada destinada a desumanizá-los e silenciá-los, deixando as suas famílias em agonia à espera de notícias".

Agnés Callamard
Agnés Callamard SIC Notícias

O relatório baseia-se em entrevistas realizadas na Ucrânia entre janeiro e novembro de 2024, envolvendo antigos prisioneiros de guerra, familiares de detidos e até mesmo prisioneiros de guerra russos detidos na Ucrânia.

As famílias dos prisioneiros relatam um desespero crescente perante a ausência de informações oficiais. Olena Kolesnyk, cujo marido foi capturado em julho de 2024, diz não saber onde procurá-lo nem para onde escrever. "Esta escuridão negra de não saber – está a matar-me", desabafa.

Desaparecimento forçado e negação de acesso humanitário

Dezenas de milhares de ucranianos estão desaparecidos em circunstâncias incertas. Muitos poderão estar detidos, enquanto outros poderão ter sido mortos. Em alguns casos, a Rússia reconheceu o cativeiro de prisioneiros de guerra, informando o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), mas a organização alerta que centenas ou milhares de outros detidos podem não ter sido notificados.

Um desses casos é o de Volodymyr, marido de Khrystyna Makarchuk, que apareceu na televisão russa a descrever a sua captura. Apesar de a família ter recebido a confirmação indireta de que está vivo, a Rússia nunca reconheceu oficialmente a sua detenção, o que equivale a um desaparecimento forçado.

Além dos militares, também civis são alvos desta prática, que tem sido usada como instrumento de intimidação nas áreas sob controlo russo.

Brendan Hoffman

Relatos de tortura e negligência médica

O relatório documenta também testemunhos de violência sistemática contra os prisioneiros. Volodymyr Shevchenko, um ex-prisioneiro de guerra, relatou que foi torturado desde o primeiro momento.

"Bateram-me com armas de choque, com bastões especiais. Vi homens a morrer porque os seus corações já não aguentavam mais", revela.

Outros detidos relatam recusa de tratamento médico adequado, mesmo em situações graves.

Violações do direito internacional

As ações da Rússia reportadas no relatório configuram violações flagrantes das Convenções de Genebra, que garantem aos prisioneiros de guerra direitos fundamentais, como correspondência com familiares, acesso a cuidados médicos e visitas de organizações internacionais.

Fotografias de várias pessoas desaparecidas expostas nos escritórios da
Fotografias de várias pessoas desaparecidas expostas nos escritórios da SIC Notícias

A Amnistia Internacional exige que Moscovo ponha termo às práticas de tortura e detenções arbitrárias, além de permitir o acesso de entidades humanitárias aos detidos. A AI defende ainda que a comunidade internacional deve usar todos os meios ao seu dispor para responsabilizar a Rússia por estas violações.

"Sem justiça, o sofrimento dos prisioneiros de guerra ucranianos, dos civis e das suas famílias só irá agravar-se", conclui Agnès Callamard.