
A Assembleia-Geral da ONU aprovou hoje a criação do primeiro painel científico para a governança da Inteligência Artificial (IA), resultando de meses de negociações e com a particularidade de as atividades serem limitadas a "esferas não militares".
Embora a resolução tenha sido aprovada por consenso, as divergências de alguns países ficaram claras durante a sessão, em particular dos Estados Unidos e da Argentina, que retiraram o seu apoio ao texto à última hora.
A resolução foi preparada pelos embaixadores da Espanha e da Costa Rica e ambos passaram meses a negociar intensamente com todos os países e especialistas em tecnologias de IA para chegar ao documento mais consensual possível.
O painel que regulamentará o uso da IA terá 40 membros, com mandatos de três anos, eleitos com base no equilíbrio geográfico. Haverá dois presidentes, um de um país desenvolvido e outro de um país em desenvolvimento.
O painel dedicar-se-á a fornecer avaliações com base científica sobre "oportunidades, riscos e impactos da IA" num relatório anual que seja "não prescritivo", ou seja, de caráter consultivo, não normativo.
Os 40 membros, eleitos pela Assembleia-Geral, serão indivíduos com experiência comprovada na área de IA e não poderão ser funcionários da ONU.
Juntamente com o painel, foi aprovada a realização anual de um "diálogo global sobre IA", que visa debater abertamente, com a participação de autoridades e especialistas, os desafios impostos pela IA "nas esferas social, económica, ética, cultural, linguística e técnica".
Este diálogo ocorrerá alternadamente em Nova Iorque e Genebra (Suíça), cidades que acolhem os maiores escritórios da ONU.
A primeira edição será em 2026, na cidade suíça, e no ano seguinte terá lugar nos Estados Unidos.
Após a aprovação destes dois novos mecanismos sobre IA, o secretário-geral da ONU, António Guterres, saudou a decisão e avaliou trata-se de um avanço significativo nos esforços globais para aproveitar os benefícios da inteligência artificial e, ao mesmo tempo, abordar os seus riscos.
O painel científico sobre IA servirá como uma ponte crucial entre a investigação de ponta em IA e a formulação de políticas, disse hoje Guterres.
"Ao fornecer avaliações científicas rigorosas e independentes, ajudará a comunidade internacional a antecipar os desafios emergentes e a tomar decisões informadas sobre como governamos esta tecnologia transformadora", acrescentou.
O líder das Nações Unidas indicou ainda que lançará em breve "uma chamada aberta" para indicações para o painel científico, embora sem avançar com datas.
Guterres apelou ainda para que os Estados-membros apoiem esta iniciativa e "contribuam para a construção de um futuro em que a IA sirva ao bem comum de toda a humanidade".
Apesar da aprovação da resolução por consenso, a Argentina retirou o seu apoio ao texto no último minuto.
Segundo um representante da missão argentina na ONU, a resolução "propõe elementos que não refletem as prioridades ou abordagens da Argentina", especialmente porque incorpora elementos do Pacto Futuro da ONU, do qual o país "se desvinculou".
A posição dos Estados Unidos foi mais ambígua. Embora não tenham retirado o seu apoio à totalidade do texto, especificaram que não se sentem representados por todos os parágrafos que contêm referências a "género" ou aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Além disso, Washington enfatizou diante da Assembleia que o painel internacional que supervisionará a IA "não é vinculativo" e, portanto, "não há necessidade de concordar em áreas de entendimento comum".
No final, a representante norte-americana frisou que o seu país "rejeita os esforços dos organismos globais para exercer uma influência indevida sobre a governação da IA, porque o excesso de regulamentação incentiva a centralização, sufoca a inovação e aumenta o potencial de censura".