
"É importante no sentido em que há competição dentro do Partido Democrata para o reformular após a derrota às mãos de Donald Trump", disse à agência Lusa o professor da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno e analista político Thomas Holyoke.
"O Partido Democrata parece estar a atravessar um momento existencial em busca de identidade", apontou.
Nestes comícios que têm arrastado multidões em todo o país, o senador de Vermont Bernie Sanders e a congressista por Nova Iorque Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) opõem-se à moderação de posições entre líderes democratas, no rescaldo de uma eleição desastrosa em 2024, que ditou o regresso de Trump à presidência norte-americana.
"Sanders e AOC acreditam que a melhor forma de reconstituir o Partido Democrata, reconquistar a maioria e desafiar Donald Trump é fincar o pé na sua visão mais progressista", analisou Thomas Holyoke.
"Parte deste movimento é construir resistência a Trump mas outra grande parte é tentar puxar o Partido Democrata na sua direção", prosseguiu.
A situação é muito diferente da que aconteceu em 2017, no início do primeiro mandato de Donald Trump, quando os democratas tiveram uma abordagem mais ou menos unificada. Agora, há governadores e senadores a moderarem posições e a tentarem trabalhar com a nova administração, enquanto outros apelam à resistência.
Isto acontece numa altura em que os níveis de popularidade do partido são os piores dos últimos 35 anos, com apenas 27% dos eleitores a terem uma visão positiva dos democratas, segundo uma sondagem da NBC.
"Esta visão negativa do partido dura há alguns anos e é parte da razão pela qual Trump ganhou", salientou Holyoke.
E frisou: "Os democratas afastaram-se do sentimento da maioria no país e creio que esse braço progressista do partido realmente foi responsável por isso".
Além de ter levado a que a classe trabalhadora não se sentisse representada, também insistiu demasiado em políticas que as pessoas associam ao "woke" (movimento que levanta questões relativas à justiça social e racial) em vez de se focar na situação económica, que é sempre o tema "número um".
O independente Bernie Sanders, com o seu histórico de lutar pela classe trabalhadora e contra os super-ricos, está a preencher essa lacuna no movimento "Lutando contra a Oligarquia".
"Certamente as grandes multidões que estão a ir aos comícios do Sanders e de AOC são uma indicação que eles tocaram em algo importante", notou Thomas Holyoke.
A questão é saber se as pessoas participam porque apoiam as mesmas visões progressistas ou porque os veem como parte da resistência a Donald Trump.
A mensagem económica ressoa, considerou Holyoke, até mesmo dentro da base de apoiantes republicanos, que parecem estar surpreendidos pelo nível de poder que Trump está a dar a milionários na sua administração, com destaque para Elon Musk.
Isso pode jogar a favor dos democratas no próximo ano. O analista político recordou que, nas eleições intercalares de 2018, os democratas viraram o controlo da Câmara dos Representantes (câmara baixa do Congresso) por representarem a oposição a Trump e isso pode acontecer novamente em 2026. Mas para as presidenciais de 2028, terão de encontrar um líder que defina o que é o partido e o que defende, algo que neste momento está demasiado difuso.
Alexandria Ocasio-Cortez terá atingido a idade necessária para se candidatar à presidência (35 anos), mas o consenso entre analistas é de que é vista como demasiado polarizadora e encostada à esquerda mais progressista para ser eleita. Também tem pouca experiência política, limitada à Câmara dos Representantes.
Os outros nomes que circulam são sobretudo de governadores e senadores: o governador da Califórnia Gavin Newsom, a governadora do Michigan Gretchen Whitmer, o governador do Illinois JB Pritzker, o governador da Pensilvânia Josh Shapiro e os senadores Chris Murphy (Connecticut) e Cory Booker (New Jersey).
Os líderes terão de encontrar uma mensagem consistente para contrariar uma administração que tem sido muito inconsistente, segundo a análise de Thomas Holyoke aos primeiros 100 dias do governo, assinalados já na próxima semana.
Os avanços e recuos nas tarifas, os escândalos no Pentágono (Departamento de Defesa), os erros do DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) e os falhanços nos conflitos de Gaza e na Ucrânia caracterizam uma presidência de "aleatoriedade caótica".
"Trump estabeleceu o tom de uma administração que é agressiva mas também cheia de caos e desorientação", afirmou Holyoke, finalizando: "Não sei se era o tom que ele queria".
*** Ana Rita Guerra, da agência Lusa ***
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