
Justin Timberlake surpreendeu os fãs ao revelar, esta quarta-feira, que sofre de doença de Lyme, uma infeção causada pela picada de carraças infetadas. Num testemunho partilhado nas redes sociais, o cantor de 44 anos explicou que o diagnóstico chegou depois de enfrentar sintomas debilitantes, como dores intensas, fadiga e enjoos.
"Fiquei chocado, mas pelo menos consegui perceber o que se estava a passar comigo", escreveu, referindo-se às dificuldades sentidas durante a digressão "The Forget Tomorrow World Tour" que motivaram críticas ao seu desempenho em palco. Timberlake admite que chegou a ponderar cancelar concertos, mas sente-se agora "contente por ter continuado".
O cantor norte-americano junta-se assim a uma lista crescente de artistas que tornaram público o seu diagnóstico. Shania Twain, por exemplo, relatou episódios de "apagões" e "tonturas" antes de saber que tinha sido infetada - sintomas que a acompanharam desde 2003, quando foi picada por uma carraça. A doença teve um impacto duradouro na sua voz e levou-a a submeter-se a várias cirurgias.
O cantor canadiano Justin Bieber também revelou sofrer de doença de Lyme, que o forçou a adiar concertos em 2022. Já Avril Lavigne tornou público o seu diagnóstico em 2015, depois de um longo período afastada dos palcos.
Perante a visibilidade destes casos, surgem muitas perguntas sobre a doença de Lyme: o que é, como se transmite, quais os sintomas, existe cura ou vacina? Neste artigo encontra resposta às principais dúvidas sobre esta infeção silenciosa, mas potencialmente incapacitante.
Quais os sintomas e como se transmite?
A doença de Lyme, ou borreliana de Lyme, como foi designada pela comunidade científica, é transmitida pela mordedura de uma carraça infetada. Os animais portadores da bactéria Borrelia burghdorferi são, assim, os transmissores da infeção que pode ser tratada, se for diagnosticada numa fase inicial, com antibióticos.
Se o paciente não receber o tratamento correto, a doença de Lyme pode apresentar uma fase crónica na qual os sintomas dão origem a complicações. Contudo, a doença raramente é fatal.
As pessoas picadas por uma carraça infetada geralmente apresentam erupções cutâneas e sofrem vários sintomas que incluem febre, dores articulares, paralisia facial parcial no caso dos pacientes mais novos, dor de cabeça, náuseas e vómitos. Nos casos muito avançados, podem ainda ter problemas cardíacos e lesões cerebrais.
A transmissão de pessoa para pessoa não se verifica. Em casos pouco frequentes, outros animais portadores da bactéria Borrelia burghdorferi podem ser transmissores da doença.
Quando foi identificada?
O surgimento de vários casos numa escola nos Estados Unidos, em 1975, permitiu a identificação da doença. Aconteceu no estado de Connecticut, na cidade de Lyme, daí o nome da doença. Muitas crianças de uma escola local começaram a queixar-se de dores articulares e os médicos diagnosticaram artrite reumatoide. Contudo, as famílias estranharam o diagnóstico e apresentaram o caso na Universidade de Yale. A instituição considerou que se tratava de uma epidemia, que não estava relacionada com a artrite reumatoide e foi investigar a origem da doença.
Os casos de Lyme deram, assim, origem à primeira identificação da doença e à sua caracterização, mas sintomas idênticos já tinham sido relatados no princípio do século XX na Europa, sem que a origem da infeção fosse conhecida.
Porque aumentam os casos de doença de Lyme?
Uma pesquisa publicada pelo BMJ Global Journal em junho de 2022 concluiu que mais de 14% da população mundial tem ou teve a doença de Lyme. Homens com 50 anos ou mais que vivem em áreas rurais estão em maior risco. A Europa Central teve a maior taxa de infeção, com 20%.
A investigação, que reuniu dados de 89 estudos anteriores, confirmou que a doença é comum em todo o mundo. A bactéria Borrelia burgdorferi, causadora da infeção, foi encontrada no sangue de 14,5% do total de quase 160 mil participantes.
Pessoas que interagem regularmente com animais hospedeiros correm maior risco de serem picados por uma carraça infetada. A pesquisa alerta também para o facto de os dados poderem ser distorcidos em regiões onde a doença de Lyme é endémica, porque os profissionais de saúde têm tendência para realizar testes regulares de anticorpos em comparação com regiões onde os casos são mais raros.
Estudos anteriores indicavam que verões mais longos e secos, devido às alterações climáticas, contribuem para o aumento do número de casos: a prevalência de doenças transmitidas por carraças duplicou nos últimos 12 anos.
Doença de Lyme em Portugal
Em Portugal também se verifica um aumento do número de casos nos últimos anos. De acordo com um estudo divulgado pela Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), em 2018, tem-se assistido ao aumento da sua incidência e à expansão geográfica da distribuição da doença de Lyme.
"Apesar da escassez de dados epidemiológicos, alguns trabalhos sugerem uma crescente importância desta patologia, em particular nas regiões norte e centro do país. O aumento dos movimentos migratórios e das viagens a áreas endémicas poderá também contribuir para o crescimento do número de casos de doença de Lyme em território nacional".
Desde 1999 que a doença é de declaração obrigatória em Portugal. Como o diagnóstico é complicado, os especialistas aconselham a que se esteja atento aos sintomas, especialmente depois de uma estadia no campo ou quando se vive ou trabalha no meio rural.
Há semelhanças com a febre da carraça?
Ambas são transmitidas pela carraça, mas as características e sintomas das duas infeções são distintas, embora em ambas as doenças possa haver consequências mais graves se não forem tratadas a tempo.
A febre da carraça, também conhecida por febre escaro-nodular ou febre botonosa, é causada por uma outra bactéria, a Rickettsia conorii. A doença manifesta-se de forma brusca com febre elevada, acompanhada por arrepios, suores intensos, sensação de fragilidade e dores de cabeça. No local da picada, surge uma pequena mancha negra que muitas vezes passa despercebida e que pode ser ulcerosa e indolor.
"Cerca de cinco dias após o início dos sinais e sintomas, evidencia-se uma lesão avermelhada no corpo, com o aparecimento de inúmeras pequenas manchas elevadas de cor vermelha. A erupção tem início nos membros, normalmente nos inferiores, irradiando para o tronco e cabeça, até revestir praticamente toda a superfície do corpo, incluindo as palmas das mãos e as plantas dos pés. As lesões cutâneas não são dolorosas, podem desaparecer de forma espontânea após uma ou duas semanas, sem deixarem marcas", pode ler-se na plataforma METIS.
No caso de afetar crianças, idosos ou doentes imunodeprimidos, podem surgir complicações graves com evolução desfavorável. A doença é mais comum nos países da bacia Mediterrânica, África Subsaariana, Índia e ainda em países junto ao Mar Negro.
Porque é que a primeira vacina foi retirada do mercado?
Uma primeira vacina contra a doença de Lyme, desenvolvida pela farmacêutica GSK, foi retirada do mercado em 2002, devido a alegações de alguns pacientes de que causava efeitos colaterais, em especial o aparecimento de artrite. A farmacêutica multinacional com sede no Reino Unido britânica rejeitou a existência desses efeitos, mas retirou a vacina, justificando a decisão com o fraco desempenho do mercado.
Passaram duas décadas até que uma nova vacina chegasse à fase de ensaios clínicos.
Em 2022, farmacêutica norte-americana Pfizer e a empresa francesa de biotecnologia Valneva anunciaram um investimento elevado na VLA15, aproveitando a preocupação pública que entretanto a doença de Lyme tem suscitado, especialmente entre as pessoas que exercem maior atividade ao ar livre. Ambas as empresas esperam vir a ter um retorno comercial da vacina, que será administrada num regime primário de três doses e um reforço de acompanhamento.
Um estudo publicado em 2021 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos, revelava que quase meio milhão de pessoas estavam a ser diagnosticadas e tratadas anualmente à doença de Lyme nos EUA.
Já no início desta década, as autoridades de saúde norte-americanas alertavam para a necessidade urgente de novas ferramentas para prevenir as doenças transmitidas por carraças “após uma triplicação de casos relatados nos EUA entre 2004 e 2016, a maioria dos quais era doença de Lyme".