
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou hoje a França por não proteger três menores que denunciaram queixas de violação, criticando o país pela primeira vez por "vitimização secundária".
O Tribunal "considera que, em cada um dos três pedidos", os tribunais franceses "não protegeram adequadamente os requerentes que denunciaram atos de violação, apesar de terem apenas 13, 14 e 16 anos na altura dos acontecimentos".
O Tribunal considerou que os tribunais não tinham tido suficientemente em conta as circunstâncias dos factos, como o consumo de álcool, nem o consentimento das adolescentes, que se encontravam numa "situação particularmente vulnerável", nomeadamente devido à sua tenra idade.
Em dois dos processos, o Tribunal constatou igualmente a "falta de celeridade e de diligência na condução do processo penal".
Num único acórdão unânime nos três casos, o Tribunal constatou violações dos artigos 3.º (proibição de tratamentos desumanos ou degradantes) e 8.º (direito ao respeito pela vida privada) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Uma das três queixosas é "Julie" (nome fictício), que acusou 14 bombeiros de violação quando era adolescente.
A queixosa estava a ser submetida a um tratamento médico pesado, o que levou a numerosas intervenções dos bombeiros.
Em 2019, um juiz reclassificou os factos como "agressão sexual sem violência, coerção, ameaça ou surpresa", suscitando a ira da família e das associações feministas.
Dois bombeiros foram finalmente condenados em novembro de 2024 pelo Tribunal Penal de Versalhes a penas suspensas por crimes sexuais.
A decisão do TEDH "é uma verdadeira chamada de atenção para a França", disse à agência de notícias AFP o advogado de Julie, Emmanuel Daoud.
"O Tribunal Europeu diz que os tribunais franceses não podem comportar-se desta forma em relação às vítimas, especialmente quando são menores", e que o direito penal e o processo penal não as "protegem suficientemente" quando "tentam fazer valer os seus direitos", defendeu.
No seu acórdão, o TEDH criticou "os estereótipos de género adotados pela secção de instrução do Tribunal de Recurso", sublinhando que eram "simultaneamente ineficazes e prejudiciais à dignidade da recorrente".
O Tribunal considerou que Julie tinha sido exposta a "comentários moralizadores e culpabilizantes que veiculavam estereótipos sexistas suscetíveis de desencorajar a confiança das vítimas no sistema judicial". Neste sentido, a jovem sofreu uma "vitimização secundária" - é a primeira vez que a França é condenada neste ponto - segundo o TEDH, que concluiu, por conseguinte, que houve uma violação do artigo 14.
Para os pais da rapariga, Alain e Corinne Leriche, esta decisão "limpa a humilhação e o tormento que nos foram infligidos pelas instituições policiais e judiciárias", declarou o seu advogado, Daoud.
Com este acórdão, "o TEDH afirmou que os tribunais, nas suas interpretações dos factos e do direito, são manifestamente discriminatórios", comentou Lorraine Questiaux, membro da equipa jurídica da Fundação das Mulheres.
"Há anos que as feministas dizem que o problema não é o texto, mas sim um problema cultural profundamente enraizado nos tribunais franceses", sublinhou.
Um dos outros dois casos examinados pelo TEDH foi o de H.B., que denunciou ter sido violada por homens adultos na noite de 26 para 27 de maio de 2020, na altura, tinha 14 anos de idade.
O TEDH observou que o Tribunal de Recurso de Metz "não avaliou o efeito na consciência e no comportamento da recorrente do seu consumo excessivo de álcool", apesar de esta ter declarado aos investigadores que "nunca o teria feito" se "não tivesse consumido álcool".
A terceira, M.L., declarou ter sido violada aos 16 anos em sua casa, após uma festa, com o processo penal a durar oito anos e oito meses antes de ser arquivado.
A França terá de pagar a Julie 25.000 euros por danos não pecuniários e 15.000 euros a cada um dos outros dois queixosos.