O número de homens vítimas de violência doméstica aumentou 48% em quatro anos, mas muitos só pedem ajuda em situações limite, travados pelo estigma e pela perceção de que os apoios são dirigidos às mulheres, alertou hoje a APAV.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou, entre 2021 e 2024, 3.671 pessoas. Mais de metade sofreu violência continuada e 29,9% demoraram entre dois e seis anos até pedirem ajuda.

Comentando estes dados à agência Lusa, Carla Ferreira, da APAV, afirmou que "ainda há ideia de que a violência doméstica não é, muitas vezes, um crime sofrido pelos homens", mas alertou que, embora seja em menor número, não se pode esquecer que o fenómeno existe "e, existindo, também tem impacto nas vítimas".

Realçou que, no caso dos homens, o estigma associado a este crime "é prevalecente", o que leva algumas vítimas a só procurarem apoio quando chegam "a um limite".

Há, por outro lado, vítimas que dizem que não pediram ajuda antes porque pensavam que os serviços de apoio à vítima "só trabalhavam com mulheres", o que, segundo a responsável, "demonstra haver ainda algumas barreiras, quer organizacionais, quer culturais também, que é importante combater".

"Não é por ser violência mais associada ao género e ao sexo feminino que, de repente, passa a deixar de ter repercussão no sexo masculino. E o facto é que temos ainda muito estigma associado e, muitas vezes, o pedido de ajuda só vem numa situação limite", vincou.

Sobre o aumento de 48% deste crime contra homens, Carla Ferreira disse que terá contribuído "uma maior consciencialização" deste fenómeno como transversal.

"Continuamos a ter uma esmagadora maioria de vítimas do sexo feminino, mas de facto este crescendo que detetamos também está muito associado a uma maior visibilidade e a um maior conhecimento de que a violência doméstica é um fenómeno transversal", explicou.

A responsável assinalou que uma em cada quatro vítimas são idosos, o que aponta também para "um crescendo associado também a uma maior desocultação" e a uma maior atenção e investimento na visibilidade da violência contra a pessoa idosa.

Relativamente aos crimes cometidos, a responsável apontou que, além da violência física, são recorrentes os episódios de violência psicológica, ameaças, perseguições e, em alguns casos, coação económica.

"A violência física nem sempre é a mais presente". Muitas vezes, o que se observa é um padrão de intimidação, chantagem emocional e controlo constante, referiu

Relativamente ao perfil do agressor na violência doméstica contra homens, os dados da APAV revelam que a maioria são mulheres (1.974; 52,9%), com idades entre os 36 e 55 anos (27,3%), e tinham relações de intimidade com a vítima (1.995, 53,5%), sendo atuais ou antigas cônjuges, companheiras ou namoradas.

No caso dos idosos, observou Carla Ferreira, "os agressores não são necessariamente o cônjuge, mas podem ser por exemplo os filhos, os netos, os enteados, os genros, as noras, etc".

Em 61,3% (685) dos casos, a violência ocorreu na residência comum com a pessoa agressora.

Carla Ferreira quis deixar como mensagem que "nenhuma violência é tolerável e que não há absolutamente nada que justifique a violência".

"Se estamos perante uma situação que nos deixa desconfortáveis, se há alguém que está a viver uma situação que poderá ser uma situação de violência, pode sempre contactar-nos, porque o nosso apoio é gratuito, confidencial e, portanto, pode sempre contactar-nos para que possamos orientar, ouvir e apoiar na medida daquilo que for necessário", apelou.