
O que significa para si esta eleição, tanto a nível pessoal como profissional?
Na prática, é um reconhecimento internacional, especialmente na região europeia, do exemplo que, em Portugal, conseguimos mostrar a outros países. Estou aqui numa situação em que, por um lado, trabalho na Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), mas também sou presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD). Juntamos aqui as competências de uma associação de doentes e o reconhecimento da importância dos profissionais de saúde no tratamento da diabetes e na definição dos padrões de cuidados. Este exemplo foi reconhecido internacionalmente e contribuiu para algum consenso na minha eleição. Eu já pertencia ao board e os colegas de vários países reconhecem o trabalho que temos feito em Portugal, tanto na procura de informação como na divulgação de dados sobre diabetes e nas nossas atividades de formação. Espera-se que eu transporte agora essa experiência enquanto presidente-eleito e, daqui a dois anos, como presidente da IDF Europa. A nível pessoal, é sempre fantástico receber o reconhecimento de uma comunidade tão vasta. Significa que o que fazemos é valorizado e é um reforço positivo não só para mim, mas para os colegas e todas as equipas com quem trabalho diariamente.
Ainda falta algum tempo para assumir o cargo em 2027. Já tem alguma estratégia delineada ou principais prioridades enquanto presidente?
Na verdade, o presidente-eleito funciona um pouco como vice-presidente durante este mandato de dois anos. A estratégia começa agora e está focada em áreas fundamentais: primeiro, fazer o retrato da prática de cuidados de saúde na região europeia, demonstrando a importância de recolher dados sobre o que acontece na Europa. Segundo, dar mais voz às associações e sociedades científicas da região, pois fazemos muitas atividades que são pouco conhecidas. Terceiro, o pilar da evidência científica e das recomendações, incluindo as perspetivas de associações de doentes e profissionais de saúde – algo inovador. Além disso, tentar influenciar as decisões políticas relacionadas com o acompanhamento da diabetes. A região é muito heterogénea nos cuidados, com países onde o acesso à insulina e a tiras de glicemia ainda é difícil. Conseguir diminuir essas desigualdades, nos próximos anos, é um dos desafios mais importantes.
Esta diversidade de contextos dificulta a definição de estratégias comuns, certo?
É quase impossível ter uma estratégia comum, pois estamos a defender níveis de cuidados muito diferentes. Mas é também um dos desafios mais interessantes, porque o facto de pertencermos todos a uma única região e conhecermos estas diferentes realidades pode ser o motor mais forte para elevar os padrões de cuidados nos países que não estão tão bem. Esta união dá-nos força para puxar todos para um padrão de cuidados mais elevado, com melhor utilização de recursos em cada país, assim como conseguirmos, dentro desta região, mostrar onde se faz bem, como se faz bem e quem está a fazer bem. Isto é algo que queremos conseguir demonstrar neste plano de ação.
Diria que estes são os maiores desafios atualmente na prevenção e tratamento da diabetes na Europa?
Sim, os desafios estão relacionados com a desigualdade e também com o clima de instabilidade em que vivemos. Entre catástrofes naturais e humanas, como garantimos os cuidados em termos de profissionais de saúde, acesso a medicamentos e tecnologias? Como ensinamos a população com diabetes a estar preparada para qualquer eventualidade? Na Europa, não estávamos preparados para este mundo, ao contrário de outras regiões que já têm treino devido a catástrofes naturais.
Como funciona a cooperação entre os vários países da Federação?
Temos um board com 11 elementos de países diferentes, incluindo uma maioria de pessoas que vivem com diabetes e profissionais de saúde de várias áreas. O board reúne-se periodicamente – pretende-se que seja de 6 em 6 semanas –, mas tem também mecanismos de auscultação das associações, além de uma Assembleia Geral Anual. Também temos reuniões de pequenos grupos para discutir atividades e projetos em comum, com envolvimento das associações em projetos de interesse científico, alguns financiados com fundos europeus, quer no domínio das tecnologias, quer na organização dos cuidados de saúde, muitas vezes também em colaboração com a Organização Mundial de Saúde. A IDF Europa tem colaborado muito, nos últimos anos, com a OMS, no sentido de conjugar esforços para que, na região, o nível de cuidados seja atingido. A OMS, há cerca de quatro anos, definiu objetivos para a diabetes e o objetivo é que todos os países da região consigam rapidamente atingi-los, porque são possíveis. Isso significaria uma melhoria da qualidade de vida da população europeia, traduzindo-se também numa redução dos custos dos tratamentos. É o alinhar destas diferentes perspetivas – capacitar as pessoas com diabetes para se tratarem melhor, utilizar os melhores recursos disponíveis e o Estado reconhecer a necessidade de oferecer os melhores tratamentos. Isso não só resulta numa população mais saudável, como permite gastar menos nas complicações, que é onde se gasta mais dinheiro com a diabetes nesta região.
Pode dar alguns exemplos de políticas que gostaria de ver disseminadas pela Europa?
Estamos a discutir a definição de padrões de qualidade para a introdução de tecnologias em diabetes, como dispositivos de monitorização e controlo. A Europa precisa de definir padrões para evitar equipamentos de má qualidade. Portanto, uma das medidas que pensamos ainda ter, ao longo deste ano, é forçar que sejam tomadas decisões sobre a qualidade do que é disponibilizado na nossa região. Tem de haver uma definição de um padrão europeu.
Também estamos a implementar projetos-piloto para diagnosticar formas mais precoces de diabetes tipo 1. Até há pouco tempo, esta forma de diabetes era diagnosticada já em fases em que as crianças, os jovens ou os adultos estavam francamente descompensados. Neste momento, estão a ser implementados, inclusive em Portugal, projetos-piloto que demonstram ser possível diagnosticar formas mais precoces. Temos de discutir a necessidade de implementar programas de rastreio para a diabetes tipo 1.
Além disso, é fundamental capacitar os profissionais de saúde, otimizando os recursos existentes, e focar na capacitação das pessoas com diabetes para que se tratem melhor a si mesmas. Ouvimos constantemente que há falta de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, como nutricionistas ou técnicos de saúde mental, mas temos de otimizar os recursos humanos que temos. Isso significa treinar melhor esses profissionais, com o objetivo de capacitar os doentes para gerir melhor a sua diabetes. A responsabilidade do acompanhamento deve passar mais para a pessoa com diabetes, e menos para o profissional de saúde. Só temos de lhes dar as ferramentas certas. E isso exige mudar o paradigma, algo para o qual não estamos ainda bem preparados – e não falo só de Portugal, mas de toda a Europa. O passo seguinte é uniformizar a formação, garantindo que é baseada em competências, e que o foco final é habilitar melhor as pessoas para se tratarem a si mesmas.
Relativamente à prevenção, o número de casos de diabetes continua a crescer mundialmente. O que está a faltar?
O crescimento está relacionado com a diabetes tipo 2, que está a aumentar significativamente em todas as regiões do mundo. Na Europa, apesar de sermos uma população mais envelhecida e com melhores recursos, a previsão é de um aumento de 10% nos próximos anos. O que tem falhado é a definição de políticas públicas eficazes na prevenção. Continuamos a apostar no ensino e mudança de comportamento individuais, mas a sociedade não transmite sinais coerentes com esses ensinamentos. É mais fácil consumir alimentos menos saudáveis e mais calóricos, porque são mais baratos e disponíveis. Continuamos com estilos de vida sedentários e regimes de trabalho pouco favoráveis a uma vida saudável. Precisamos de mudar o ambiente, integrando a saúde em todas as políticas – do trabalho ao urbanismo – para criar uma sociedade promotora de estilos de vida saudáveis. Se todos assumirmos essa preocupação, os resultados aparecerão naturalmente. Foi o ambiente que nos levou a este crescimento da diabetes, e será também o ambiente que nos levará a uma vida mais saudável.
São alterações difíceis de implementar…
… Mas são possíveis, embora seja um processo lento. Implementar ciclovias, redes de transportes públicos e espaços agradáveis para as pessoas se deslocarem são passos importantes. Sabemos que é possível, é desejável e, se não for por aí, não vamos conseguir. Proibir comportamentos ou alimentos menos saudáveis pode ser importante, mas não é altamente eficaz.
Para terminar, pessoalmente, o que o move nesta luta contra a diabetes?
Sinto uma responsabilidade partilhada com muitos colegas. Somos elementos ativos e responsáveis por induzir mudanças. Além das consultas individuais e do acompanhamento das pessoas, que é muito importante, temos uma responsabilidade maior: atuar na sociedade. A nossa capacidade de mudar e influenciar quem está à nossa volta, ou mesmo uma região maior, pode contribuir para uma vida melhor para muitas pessoas.
Sílvia Malheiro
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