Maria Albertina Mota, funcionária há mais de 40 anos na restauração, escolheu uma mão negra para ilustrar a montra do café Bonzão, na Rua Luís de Andrade, mesmo no centro de Santo Tirso.

À Lusa, conta que nos cafés e esplanadas se ouvem sempre muitas histórias e que "nunca, como agora, lhe pareceu que a violência doméstica estivesse em níveis tão assustadores".

"Por isso quis a mão [uma das seis opções possíveis de cartazes]. Para dizer 'parem', 'basta', 'já chega'. Acho que a violência contra as mulheres tem aumentado", refere.

A perceção desta comerciante de Santo Tirso corresponde à realidade. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou no ano passado 12.398 mulheres, um aumento de 8,7% face a 2022, quando foram apoiadas 11.400, segundo dados divulgados hoje.

Em entrevista à Lusa no âmbito do Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra Mulheres, que se assinala hoje, Daniel Cotrim, responsável pelo setor da violência doméstica e violência de género na APAV, considerou que 8,7% "é um aumento considerável".

Além do aumento dos pedidos de apoio de mulheres pelo crime de violência doméstica, houve aumento de pedidos de apoio para meninas e raparigas vítimas de crimes sexuais, do número de situações de assédio laboral e de crimes de ameaça e coação, designadamente através do 'sextortion' (extorquir, fazer chantagem com alguém através de conteúdo sexual).

Isto é algo que preocupa André Gonçalves, da Ourivesaria Plácido, localizada na Rua Sousa Trepa em Santo Tirso. Pai de duas meninas de 7 e 10 anos diz à Lusa que aderiu à iniciativa "25N-Santo Tirso contra a Violência de Género" sem pestanejar até porque o tema é frequente em casa.

"Digo-lhes que 'não' é 'não'. 'Não' não é 'nim'. É 'não'. Peço-lhes que agora nos contem tudo o que quiserem, e que, no futuro, peçam sempre ajuda à primeira. Que se defendam e saibam que têm o poder e o direito de dizer 'não", aponta.

A iniciativa "25N-Santo Tirso contra a Violência de Género" está a ser promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, em parceria com a Associação Comercial e Industrial de Santo Tirso e com o apoio da empresa Grandes Planos.

A campanha tem como objetivo a prevenção e erradicação da tolerância social para com as várias manifestações de violência contra as mulheres e violência doméstica e a sensibilização da comunidade na promoção de uma cultura de não violência, direitos humanos, igualdade e não discriminação.

Nas montras das lojas, restaurantes, talhos, peixarias, óticas e outros espaços comerciais estão cartazes com mensagens e/ou com uma mão negra que significa "Basta".

"Santo Tirso a negro", "Sempre livre e viva", "Santo Tirso contra a violência de género" ou "Espaço livre de violência contra as mulheres" são algumas das mensagens espalhadas pela cidade.

O cartaz inclui um 'QR Code' que remete para a página da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, onde se podem encontrar contactos de linhas nacionais anónimas e gratuitas que prestam apoio e dão informação, bem como o contacto 'sms' 3060 para onde se pode enviar um pedido de ajuda.

À Lusa, Sofia Moita, psicóloga da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, explica que a iniciativa surgiu da vontade de dar visibilidade a este tema, envolvendo a comunidade de Santo Tirso.

"É uma campanha com o foco de erradicação da violência e para sensibilizar as pessoas a pedir ajuda, se necessitarem, e a denunciarem, se tiverem conhecimento de casos", explica.

Coordenadora de estruturas que prestam apoio às vítimas de violência doméstica da Misericórdia de Santo Tirso, entre as quais "uma casa abrigo que tem 35 vagas sempre ocupadas", Sofia Moita acredita que, atualmente, "as pessoas estão a recorrer mais às estruturas e as redes sociais têm facilitado a difusão de informação, mas nunca é demais insistir" sobretudo na época de Natal.

"As pessoas estão mais tempo em casa e as vítimas estão mais isoladas no seu dia-a-dia. As vítimas estão em contexto familiar e aumenta o risco de haver mais situações de violência. Surgem pedidos de ajuda com mais significado", conta.

A campanha que arrancou hoje vai prolongar-se ao longo da semana. Além dos cartazes, há lonas pretas espalhadas pela cidade, uma delas itinerante, uma vez que hoje está no centro da cidade, depois vai para o Hospital de Santo Tirso, segue para a PSP e vai terminar numa loja junto à zona dos bares de entretenimento noturno.

 *** Paula Fernandes Teixeira (texto) e Estela Silva (fotos), da agência Lusa ***

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