O sociólogo sai da instituição em choque com a direção, que acusa de o querer condenar “publicamente” e "antes que os Tribunais se pronunciem” sobre os casos de assédio sexual em que está envolvido. A informação foi avançada pelo Diário de Notícias que cita um email enviado por Boaventura aos membros do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES).
"Não posso pactuar com a conduta de uma direção da instituição que criei, a qual, descontente com o relatório da comissão independente, promove o linchamento, sem provas e sem qualquer preocupação com a verdade, de um investigador de renome internacional que, com o seu esforço e dos seus colaboradores, tornou o CES numa das mais prestigiadas instituições científicas do mundo na área das ciências sociais”.
Em comunicado enviado à agência Lusa, o investigador confessa que esta terça-feira deu “o passo mais complicado de toda a carreira” mas fá-lo com “firmeza e com a convicção de que é o mais correto”: "Hoje apresento a minha demissão de associado e diretor emérito do Centro de Estudos Sociais, que fundei. Longe de ser uma derrota, vejo-a como uma libertação, porque as más artes da direção podem ter um efeito irreparável".
Mais, diz Boaventura, “há 18 meses” que é objeto de um duro processo de acusações infundadas contra o seu bom trabalho profissional.
"Desde o início deste processo flagrante contra mim, tornou-se cada vez mais claro que foi orquestrado pela direção do CES e que o seu único objetivo é político. Desde a direção do CES, houve uma clara predeterminação de todas as ações destinadas a exonerar qualquer má prática do centro e a fazer recair a responsabilidade sobre o fundador, ou seja, sobre mim", alegou.
Na mesma nota, o sociólogo revela que, nos últimos dias, recebeu "ameaças que são inaceitáveis e que conduziram a este desfecho".
"O que deveria ser um processo justo, em que uma pessoa sujeita a acusações recebe informações concretas que pode verificar, transformou-se num processo inquisitorial", acrescentou.
Boaventura aludiu ainda ao resultado da comissão de inquérito, que diz não determinar qualquer responsabilidade direta sobre si, mas que levou a direção do CES a iniciar "uma perseguição", através de uma "duvidosa iniciativa privada de investigação confiada a advogados, sem quaisquer garantias, sem permitir o acesso às provas ou aos dados existentes e aplicando técnicas contrárias ao Estado de Direito e típicas do direito penal do inimigo".
Para Boaventura, o inquérito "sobrepôs-se de forma parcial, interesseira e arbitrária" aos inquéritos penais e civis instaurados, sem lhe ser dada possibilidade de defesa.
"Esta situação pode conduzir a responsabilidades penais e civis evidentes por parte da direção do CES e dos próprios investigadores privados, que devem ser levados a tribunal imediatamente", concluiu.
O início do fim
Foi no ano passado que o caso chegou à praça pública. Três investigadoras que passaram pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado "Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade", o que levou a que os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, em abril de 2023.
O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as denúncias, tendo divulgado o relatório quase um ano depois, a 13 de março deste ano, que confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.
De acordo com o relatório então divulgado à comissão independente, foram denunciadas 14 pessoas, por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias.
Uma semana depois, um grupo de 13 mulheres instou, num documento assinado por todas, as autoridades judiciárias portuguesas a investigarem com urgência as alegadas condutas criminosas mencionadas no relatório.
Já no passado mês de outubro, o grupo de mulheres acionou uma campanha de recolha de fundos para financiar as despesas legais das alegadas vítimas de assédio no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Intitulada Academia Sem Assédio - Fundo de Apoio Jurídico para Vítimas no CES, esta campanha, que juntou mais de 7 mil euros, foi criada para "financiar as despesas legais das vítimas, garantindo condições de enfrentarem o sistema de justiça no acompanhamento das denúncias".
Entretanto, também Boaventura avançou com uma ação em tribunal para defesa da honta e bom nome.
Com LUSA
[Notícia atualizada às 15:54]