Foi com um post de congratulação no Facebook que os Vizinhos de Arroios reagiram, no final de junho, à decisão da Junta de Freguesia de acabar com as esplanadas covid que continuavam a funcionar para lá do período da licença obtida nos tempos em que a pandemia impedia o normal funcionamento dos estabelecimentos de restauração. "Numa primeira fase desempenharam um papel importante para manter os cafés e restaurantes da Freguesia, mas rapidamente se tornaram num problema porque muitos estabelecimentos passaram a funcionar a céu aberto", lembravam, indicando que "onde antes havia paz e sossego passaram estar dezenas (ou centenas) de pessoas a consumir álcool na rua, causando ruído, confusão e insalubridade em zonas onde nunca tinham havido queixas".

Mas a decisão não foi recebida de forma pacífica, naturalmente desde logo pelos proprietários desses estabelecimentos, gerando alguma controvérsia em volta da decisão. Em entrevista ao SAPO, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios explica o que determinou a medida e garante que "o combate ao ruído nas zonas residenciais vai continuar a ser uma luta" do seu Executivo. E fala das soluções que estão em marcha para endereçar outros problemas da freguesia, incluindo o grande número de pessoas sem-abrigo.

O que levou à decisão de retirar as esplanadas covid? Não poderia a Junta ter optado por permitir a cada lojista escolher se queria regularizar a esplanada ou encerrá-la?
Esta é uma decisão muito ponderada, mas assumo e sempre assumi que sou presidente da Junta de Freguesia para defender os interesses dos moradores, dos fregueses de Arroios. Fui eleita para tomar decisões e não fujo às minhas responsabilidades. Os habitantes de Arroios são a minha prioridade e estão sempre em primeiro lugar. Depois de ponderar, não tenho medo de tomar decisões, nunca tive, não cedo a pressões nem a ameaças. Como é de conhecimento geral, por altura da pandemia, a Câmara Municipal de Lisboa criou um regime de exceção, que apoiei, como forma de minorar os seus efeitos negativos e ajudar a restauração. Foi uma excelente medida de apoio que serviu para minimizar os efeitos económicos da covid. Na altura, em Arroios, foram atribuídas 68 “esplanadas-covid”, para além das que já existiam – e todos os proprietários sabiam que era uma medida temporária, foi nessa condição de excecionalidade que foram atribuídas as licenças.

Mas alguns queriam continuar...
Em final de 2022, concluído o período de exceção, alguns comerciantes foram retirando as esplanadas. Na Misericórdia, por exemplo, a respetiva junta retirou todas. Em Arroios, fomos sensíveis aos efeitos financeiros da covid e mantivemos o regime de exceção até final de 2023. Atempadamente, comunicámos que o regime temporário iria terminar. Agora, já passou o primeiro semestre de 2024 e, por isso, este regime temporário está a acabar. Compreendo a reação de alguns, mas também sabem que estarei cá sempre para ouvir as razões de todos – e para decidir em defesa das famílias de Arroios.

Eram 38 esplanadas-covid, em 358 que existem em Arroios. Por que são aquelas diferentes?
Atualmente, são 29 em cerca de 360, mas são diferentes precisamente porque foram atribuídas com caráter temporário e, como tal, não foram cumpridos muitos dos critérios exigidos para a sua atribuição, Por exemplo, há uma esplanada que está em cima de uma curva e antes de uma passadeira. Há outra que está onde antes era um lugar de cargas e descargas, que tanta falta faz numa zona de ruas estreitas e com um comércio como o que existe no Bairro dos Anjos. Mas há mais: há esplanadas-covid que têm espaço interior, há uma esplanada junto a uma fachada... E convém ter em conta que alguns desses negócios abriram em pleno período covid e fizeram o seu plano de negócios com base numa situação temporária — mas todos foram informados disso mesmo.

Tem de existir equilíbrio entre a diversão noturna e o descanso de quem cá mora. Até a Disneylândia encerra às 23 horas.

Considera que há desigualdade de tratamento destes comerciantes em relação aos demais (nomeadamente no que respeita a pagamento e obtenção de licenças)?
É verdade, estes comerciantes, ao contrário dos outros, desde que tiveram as licenças para as esplanadas, nunca pagaram nada. Tiveram mesmo apoios para a construção das próprias esplanadas. Os outros comerciantes pagam para poderem utilizar o espaço público. Ninguém pode beneficiar de regimes de exceção, temos de tratar todos de igual forma. A verdade é que só 7,8% são esplanadas-covid, contra 92,2% das esplanadas que se mantêm. Todos gostamos de esplanadas e não queremos dificultar a vida a ninguém, mas nem se trata de uma questão de concorrência desleal, que legitimamente poderia ser um argumento utilizado pela concorrência que sempre pagou a utilização do espaço público.

Tem havido tanta contestação dos comerciantes (que inclusivamente anunciaram que vão avançar com uma providência cautelar) como acordo dos moradores, que se queixam do ruído e agitação. A Junta optou por proteger os residentes em detrimento dos comerciantes?
Nas minhas decisões, procuro sempre encontrar o ponto de equilíbrio entre quem mora e quem trabalha ou investe na freguesia. Mas não escondo que os habitantes de Arroios, as famílias que aqui vivem, são a minha prioridade. O ruído não é um problema só destas esplanadas, embora possam contribuir para o efeito. É verdade que o combate ao ruído nas zonas residenciais sempre foi e vai continuar a ser uma luta minha, do meu Executivo. As pessoas que cá moram têm direito ao descanso e tem de existir equilíbrio entre a diversão noturna e o descanso de quem cá mora. Até a Disneylândia encerra às 23 horas.

Há quem diga que a motivação para fechar as esplanadas é abrir mais espaços de estacionamento. É assim?
Nada tem que ver com o estacionamento ou sequer com o ruído, como se tem dito, apesar de nos preocupar sempre o direito ao sossego dos nossos moradores. Sem dúvida que o estacionamento é um problema para quem cá vive e tem carro – ou mesmo para quem nos visita. Mas Arroios tem cerca de 7500 lugares de estacionamento e mais de 11.000 dísticos da EMEL atribuídos. Não são 29 lugares que vão resolver o problema. Em relação ao estacionamento, queremos e vamos encontrar novas soluções, como atribuir estacionamento só para residentes no período noturno em algumas ruas. Vamos fazer obras no estacionamento do Mercado 31 de janeiro, permitindo avenças noturnas em cerca de 50 lugares – e estamos, com a EMEL e a CML, a procurar espaços que possam servir para estacionamento. Está em fase de concurso para o projeto um estacionamento da EMEL de cerca de 170 lugares na Rua da Bombarda, no Bairro dos Anjos. Temos também em estudo com a EMEL tornar o estacionamento no Páteo do Moca, no Bairro da Pena, só para residentes – e estamos atentos a outras oportunidades.

Está em fase de concurso para o projeto um estacionamento da EMEL de cerca de 170 lugares na Rua da Bombarda, no Bairro dos Anjos. Temos também em estudo com a EMEL tornar o estacionamento no Páteo do Moca, no Bairro da Pena, só para residentes.

Arroios tem sido apontada também pelos problemas de migrantes na freguesia, muitos deles sem abrigo. Quantas pessoas em situação de sem abrigo estão neste momento identificadas na freguesia?
Esse é um problema nacional, para o qual temos alertado desde o início do nosso mandato. Tem uma repercussão especial nas grandes cidades, desde logo em Lisboa. Arroios, por ter diversos serviços de apoio no seu território, mas também pelo seu caráter multinacional e multicultural, sente especialmente a repercussão do aumento das pessoas em situação de sem-abrigo. Por isso, sempre alertámos e continuamos a alertar e a reunir com as autoridades e as instituições competentes. Dirigi mesmo uma carta aberta sobre o assunto ao Presidente da República, em janeiro do ano passado. O problema agudizou-se – e muito – com o crescimento da imigração ilegal durante os anos de governação do PS, que nunca teve uma política de migração e criou uma bolsa de imigrantes sem-abrigo.

Foram essas políticas que levaram ao aumento de sem-abrigos em Arroios?
O anterior executivo PS de Arroios também contribuiu para essa situação, atribuindo indiscriminadamente atestados de residência a quem pedia, sem qualquer rigor e muitas vezes com testemunhas falsas, não exigindo um título real de residência. Acabei com ilegalidades que só contribuíam para o aumento das redes de tráfico de pessoas e mantive sempre a decisão de exigir títulos de residência real e comprovada aos imigrantes. Somos a favor de uma política de imigração que seja rigorosa à entrada para poder receber com humanidade, o que não acontecia antes – e o aumento das pessoas em situação de sem-abrigo apenas o comprova. Não aceitamos que as pessoas vivam em tendas nas ruas, sem quaisquer condições – e queremos que as famílias que vivem em Arroios possam usufruir das ruas e dos jardins em condições de segurança e salubridade. Não pactuamos com as redes de tráfico ilegal de pessoas, doa a quem doer.
De acordo com os dados e a informação da Equipa do Plano Municipal para Apoio a Pessoas em Situação de Sem Abrigo (EPMPSA) da Câmara Municipal de Lisboa, que é responsável pela monitorização e aplicação deste mesmo plano, vivem neste momento aproximadamente 200 pessoas (dados do mês de julho) nessa situação em Arroios, num total de cerca de 283 pessoas que foram acompanhadas pelas Equipas Técnicas de Rua (ETR) de janeiro a junho de 2024.

Arroios, por ter diversos serviços de apoio no seu território, mas também pelo seu caráter multinacional e multicultural, sente especialmente a repercussão do aumento das pessoas em situação de sem-abrigo

Quais são as principais nacionalidades?
As três nacionalidades de pessoas em situação de sem-abrigo com maior representatividade, de acordo com a informação transmitida pela EPMPSA, são a senegalesa (46 pessoas), a portuguesa (43) e a argelina (29).

E como são apoiados diariamente pela Junta e associações da freguesia?
A intervenção na cidade de Lisboa está devidamente enquadrada no Plano Municipal para Intervenção com Pessoas em Situação de Sem Abrigo (PSSA), concretizada pela Equipa do Plano Municipal para Apoio a Pessoas em Situação de Sem Abrigo (EPMPSA) da Câmara Municipal de Lisboa.  A Junta de Freguesia de Arroios participa ativamente e de forma regular, todos os meses, nas reuniões com todos os parceiros que intervêm diretamente com PSSA no território de Arroios, nomeadamente a EPMPSA, as equipas técnicas de rua da Comunidade Vida e Paz, os Médicos do Mundo, a Associação CASA, a Associação Vitae e a Unidade de Atendimento à Pessoa em Situação de Sem Abrigo (UAPSA - SCML). Todas as situações sinalizadas à Junta são de forma imediata articuladas e referenciadas para o devido acompanhamento e monitorização, sendo esta articulação realizada de forma diária.
A Junta de Arroios está diretamente envolvida em ações de intervenção concertadas e articuladas no terreno entre as diversas entidades, em focos de permanência de PSSA, como são exemplo as ações junto da Igreja dos Anjos, Igreja de São Jorge de Arroios e na zona envolvente ao edifício Altice (Praça José Fontana). Às equipas técnicas de rua compete garantir o acompanhamento de todas as pessoas em contexto de rua de modo transversal e em todas as vertentes: encaminhamento para respostas de alojamento, alimentação, necessidades de saúde, direito a prestações sociais, entre outras.

Não pactuamos com as redes de tráfico ilegal de pessoas, doa a quem doer.

Que planos tem Arroios em ação para resolver o problema, que acaba por resultar em situações de insalubridade e insegurança, entre outros?
Para minimizar a situação de higiene e de insalubridade do espaço público, a Junta de Freguesia de Arroios (JFA) promove semanalmente, às quartas-feiras, ações de limpeza e de lavagem especificamente na Av. Almirante Reis e no Regueirão dos Anjos, zonas onde se concentram mais as pessoas em situação de sem-abrigo. Não foram descuradas as limpezas diárias nestas artérias. De modo a possibilitar uma ação concertada e articulada entre os serviços de limpeza e de higiene e as pessoas que pernoitam nos locais, está presente a equipa técnica da Equipa da Plano Municipal para Apoio a Pessoas em Situação de Sem Abrigo (EPMPSA) e da Junta de Freguesia de Arroios.

E há algum programa específico que vise dar casas a essas pessoas?
Tendo em conta a necessidade de respostas de alojamento de emergência para pessoas em situação de sem-abrigo, decidimos assumir e desenvolver um projeto complementar de apoio, com a criação de uma “República para Pessoas em Situação de Abrigo”. É um projeto inovador na cidade que permite acolher pessoas que se encontrem em contexto de rua, sendo a totalidade da renda deste apartamento paga pela JFA. Neste momento temos duas repúblicas que permitem acolher até oito pessoas. Além da possibilidade de acolhimento, esta iniciativa assegura o acompanhamento social numa perspetiva de inclusão e integração social. A segurança dos nossos fregueses tem sido e foi sempre uma das nossas grandes prioridades, desde o início do mandato, daí a nossa preocupação em reunir e estar em contacto permanente com as mais diversas autoridades. Temos de ser proativos nas respostas e antecipar os problemas, é isso que fazemos todos os dias.