Animais rechonchudos capazes de pesar entre 90 a 140 quilogramas, cobertos com uma pelagem grossa a preto e branco que parece lã, ornamentados com as famosas machas negras em redor dos olhos, uma camuflagem que se assemelha a enormes olheiras, e uma boca capaz de mastigar e ingerir, por dia, entre 12 a 28 quilogramas de bambu.

Falamos dos pandas-gigantes, espécie endémica das montanhas do sudoeste da China e que, até 2014, era considerada uma ‘espécie em perigo’ pela União Internacional para a Conservação da Natureza, tendo agora o estatuto de ‘vulnerável’. Na década de 1980 só estavam contabilizados 1114 pandas-gigantes em território da China, mas a última contagem, em 2014, revelou que existem 1864 destes animais em vida selvagem. Parece pouco, mas há motivos para estar otimista, até porque para o governo chinês esta espécie transformou-se num património a defender a todo o custo.

Todavia, um pormenor desconhecido de muitos é que, além de serem incorrigíveis comilões de bambu (apesar de ainda terem o sistema digestivo e os genes de um carnívoro), conseguem ser bastante porcalhões. Na Reserva Natural de Foping, na província chinesa de Xianxim, os pandas-gigantes gostam de se esfregar, quando as encontram, nas poças de excremento de cavalo, até ficarem com a pelagem imunda, pescoço e cabeça incluídos.

Para tirar a limpo o motivo deste comportamento, uma equipa de investigadores chineses analisou 38 casos em que os animais foram apanhados em flagrante, recorrendo a imagens obtidas por câmaras de infravermelho durante um ano – de junho de 2016 a julho de 2017.

Uma das primeiras descobertas, tal como explica a revista Science, foi que os pandas-gigantes tinham uma preferência pelo ‘cocó’ de cavalo com menos de dez dias. Estes excrementos contêm dois elementos naturais, o cariofileno e o óxido de cariofileno, raros nas fezes expelidas há mais tempo.

Dotados desta informação, os cientistas fizeram, em seguida, uma experiência com os pandas-gigantes em cativeiro do Jardim Zoológico de Pequim, adicionando os dois componentes a uma parte do feno que cobre o solo onde os animais vivem. Verificou-se que estes Ailuropoda melanoleuca (o nome científico da espécie) preferiam o feno com cariofileno e óxido de cariofileno, chegando a esfregá-lo em todo o corpo em algumas das vezes. A partir daqui, emergiu um padrão: tendencialmente, os animais rolavam neste feno ‘contaminado’ quando fazia frio, mais especificamente, quando o termómetro marcava uma temperatura entre os 5 graus Celsius negativos e os 15 graus Celsius.

A teoria que prontamente emergiu foi a de que os pandas-gigantes cobrem-se com esterco de cavalo para se manterem quentes. Para o provar, a equipa de investigadores fez testes, desta vez em ratos de laboratório, com um líquido no qual estavam diluídos os dois elementos naturais. De acordo com o estudo que publicaram no início deste mês outubro, na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, os roedores besuntados com a solução à base de cariofileno e óxido de cariofileno estavam mais predispostos a percorrer superfícies frias do que as cobaias do grupo de controlo (que não receberam o mesmo tratamento). Além do mais, também não se aconchegavam entre si quando a temperatura ambiente descia para o negativo.

Para cimentar ainda mais a sua teoria, os cientistas descobriram que, a nível celular, o cariofileno e o óxido de cariofileno conseguem bloquear os recetores que permitem aos pandas-gigantes sentir frio.

Em declarações à Science, o biofísico Fan Yang, da Universidade de Zhejiang, o qual não participou no estudo, salienta que a existência deste tipo de recetores termorreguladores em animais, nomeadamente mamíferos, não é novidade: os humanos também têm, daí que sintamos calor e comecemos a suar quando ingerimos capsaicina, um componente químico presente na malagueta que ativa um recetor responsável pela sensação. Ou seja, os animais podem perfeitamente recorrer a estratégias, de forma deliberada, para regular a sua temperatura corporal com a ajuda de elementos que existam no seu meio-ambiente, adianta.

Assim sendo, uma das estratégias que os pandas-gigantes encontraram, para se manterem quentes, pode mesmo passar pelos esfreganços em dejetos de cavalo, algo que pode já durar há milhares de anos, refere a equipa que publicou a pesquisa, pois, frisam, existem rotas comerciais muito antigas que passam pelo seu habitat montanhoso.

E é mesmo necessário recorrer a este método? Pois bem, é preciso não esquecer que, ao contrário de outros mamíferos, o Ailuropoda melanoleuca não hiberna, a que se junta uma alimentação pouco calórica, assente no bambu, que torna difícil acumular gordura corporal capaz de o proteger dos rigores do inverno.