Por estar às portas de Lisboa, se não for bem sucedida em criar uma "identidade própria", Torres Vedras arrisca tornar-se numa "versão saloia de Almada". A provocação veio do economista e antigo ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, que ao lado de nomes como Manuel José Guerreiro (presidente da Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras), João Catalão (empresário) e João Sousa (administrador dos CTT), foi apoiado por Álvaro Beleza. Para o presidente da SEDES, o risco é real e é necessário um "sobressalto cívico" e que Portugal seja capaz de potenciar a situação de "porto de abrigo europeu".

As visões foram partilhadas na conferência "Conversas com futuro: o desenvolvimento económico e social da Região Oeste e do País - constrangimentos e oportunidades", que reuniu 80 empresários e assinalou os 25 anos do grupo Tecline, de António Ferreira dos Anjos, que a promoveu como forma de "quebrar a espiral do silêncio e abrir a porta a uma maior intervenção cívica dos empresários".

Para Campos e Cunha, o desafio de "evitar que a cidade se torne a Almada saloia" pode passar pela "aposta nas artes e nos vinhos de excelência". "Com a proximidade a Lisboa há o perigo de a cidade começar a fazer parte da estrutura económica da capital e de transformar-se num dormitório. Será um processo de décadas que surgirá como irreversível. Oeiras conseguiu alguma independência, fixando grandes empresas. Cascais apostou na cultura e lazer. Torres Vedras tem uma excelente base económica, com agricultura muito forte, alguma indústria e serviços de saúde, mas não chega: será importante criar uma identidade mais própria, com uma aposta, por exemplo, nas artes, ou nos vinhos de excelência", defende o economista, fazendo um paralelo com várias áreas de Nova Iorque nas artes. "Nos vinhos, seria importante ter cinco ou seis grandes marcas de vinhos de qualidade", perspetivou, apontando vantagens competitivas de Portugal na captação de investimento, como "distância das guerras; estabilidade política; infraestruturas; licenciados; gastronomia e clima; civismo e povo aberto à inovação". Há, porém, que resolver problemas como os impostos altos e a ineficiência da Administração Pública, vinca.

Ao desafio, Álvaro Beleza juntou o tema da reforma do sistema político – "precisamos de escolher deputados" de qualidade – e chamou os empresários a uma maior intervenção política. "Precisamos dos portugueses na política, dos melhores na política, de empresários na política. Temos de passar da palavra à ação e ter coragem para decidir coisas difíceis." Aproveitando a presença de quase uma centena de empresários na sala, lembrou ainda que é essencial ganhar escala. "Não podemos ter medo de ter ambição. Não temos marca. Temos Cristiano e o Mateus Rosé. Não temos uma grande empresa, não temos grandes grupos económicos", disse, puxando também o tema das fiscalidade: "Hoje, para pagar menos impostos, temos de nos dividir. A alternativa é os empresários unirem-se, com as suas empresas. Por isso, temos também de acabar com a inveja. Acho mesmo que, Portugal, pode ser a Dinamarca do Sul. Mas isto só é possível se houver um desígnio coletivo e deixarmos de ter medo de ter ambição. Há que dizer ao governo que somos donos disto."

"Nos anos 70 do passado século XX, uma socióloga apresentou e defendeu uma teoria que foi designada por 'Espiral do Silêncio', que explica que os agentes sociais analisam o ambiente ao seu redor e ao identificar que pertencem à minoria, preferem resguardar-se para evitar conflitos. Hoje, vários economistas, sociólogos, empresários e comentadores políticos, consideram importante aumentar o poder da sociedade civil", lembrou, na sua intervenção o anfitrião, António Ferreira dos Anjos. "É preciso quebrar essa espiral do silêncio e abrir a porta a uma reflexão sobre a possibilidade de uma maior intervenção cívica dos empresários, no quadro da atividade empresarial, com a qualidade, dignidade e prestígio que merecem ter os empresários", concluiu, realçando também a necessidade de mais "atrevimento, ambição e sonho para promover o futuro da região e do país".