
O Governo aprovou em conselho de Ministros um anteprojeto de reforma da legislação laboral que introduz novos critérios na dispensa para amamentação. Entre os principais pontos estão a obrigatoriedade de apresentar atestado médico logo no início da dispensa, a sua renovação a cada seis meses, e a limitação desse direito até aos dois anos da criança.
Em 2024, morreram 261 bebés com menos de um ano. São mais 42 do que no ano anterior. E, neste mesmo tempo, propõem-se alterações legislativas que, em vez de protegerem mães, pais e recém-nascidos, os deixam mais vulneráveis. Numa altura em que assistimos em Portugal ao aumento da mortalidade infantil, que é um dos indicadores mais importantes e sensíveis do desenvolvimento de um país, surpreende e preocupa que, num contexto tão delicado, se avance com propostas de alterações legislativas ao código do trabalho que arriscam recuar noutras conquistas essenciais.
Quando um bebé morre, chora uma família. Mas devia também chorar um país inteiro. A evidência deve guiar a lei, mas, acima de tudo, legislar deve refletir os valores humanos.
Mais do que caminhar no sentido da produção, a evolução da sociedade deverá caminhar no sentido da humanização. Vivemos num tempo em que cada vez é mais difícil as pessoas, e principalmente as mulheres, conciliarem tudo. Quando uma mulher regressa da licença de maternidade sente, muitas vezes, que está a falhar em todas as frentes. No trabalho pensa no bebé que deixou em casa. Em casa, com o seu bebé, pensa nos colegas de trabalho sobrecarregados com a sua ausência.
A exigência de um atestado médico no início da dispensa transforma o médico num carimbador de legitimidade em vez de um cuidador. Pede-se prova logo no momento de maior vulnerabilidade, quando o que mais se deveria oferecer era confiança e apoio. Trata-se de burocratizar a criação de um vínculo, quando deveríamos estar a protegê-lo. Também preocupante é a proposta de impedir a partilha da dispensa no caso da aleitação com biberão, restringindo o direito a apenas um dos progenitores. Esta decisão representa um retrocesso no caminho da igualdade parental e esquece que o leite pode vir do biberão, mas o vínculo vem do tempo. E esse direito deverá ser de todos os bebés independentemente da forma como são alimentados.
Estamos a legislar como se o tempo dos pais fosse apenas uma questão de produtividade esquecendo que a infância não é recuperável. As mães e os pais não necessitam de restrições. Necessitam de medidas de incentivo, caminhos novos, mais justos e equitativos. É possível legislar diferente. Em vez de exigir prova e criar exceções, a proposta mais orientada para o bem comum seria:
· Uma redução universal de horário nos primeiros dois anos de vida da criança, sem necessidade de justificar a forma de alimentação;
· Modelos laborais centrados no bem-estar familiar, e não apenas na produtividade;
· Eliminação de barreiras burocráticas ao exercício pleno da parentalidade.
· Reconhecimento efetivo do papel do pai no cuidado e no luto, com direitos iguais a viver a perda e a cuidar da criança, promovendo uma verdadeira equidade parental e corresponsabilidade familiar. Sem necessidade de apresentar atestados, sem justificar a forma como alimentam os seus filhos. Apenas com base na certeza que os primeiros anos de vida são insubstituíveis e o tempo partilhado nesse período é um investimento no futuro.
Uma sociedade que privilegia a produção em detrimento da humanização cresce em números, mas empobrece em valores. Não podemos cair na falácia que “tempo é produtividade”. O tempo é vínculo, é presença, é humanidade. E quando permitimos às famílias viver esse tempo com dignidade, investimos na saúde mental de hoje, na qualidade da próxima geração e nos verdadeiros determinantes de saúde do futuro do nosso país.
Nada produz mais valor do que uma sociedade saudável, equilibrada e cuidada desde o início. O futuro constrói-se hoje. A produtividade virá por acréscimo.
Quando a mãe está no trabalho, pensa no filho. Quando está com o filho, pensa no trabalho. E quem pensa nela? Pensemos, pois. E legislemos como quem sabe disso.