Quando um clube campeão do Mundo, com um plantel de tenra idade e vocacionado para contratos de longa duração aceita vender João Félix para a Arábia Saudita, percebe-se que o futebol perdeu a paciência e virou costas a um talento que parecia destinado a posar com a Bola de Ouro.

Enquanto estiver no Al-Nassr, só por milagre esse milagre sucederá. Na verdade, muito antes de o young (média etária de 23,4 anos) Chelsea deixar de acreditar em Félix, já o próprio tinha deixado de acreditar no futebol, se é que alguma vez na vida lhe entregou o coração.

É um direito que lhe assiste e que no fundo será o direito mais respeitado no país que não costuma preocupar-se com aquilo que cada um acha que pode fazer e que pelos vistos seduziu de corpo e alma a família do prodígio de Viseu.

Com base nas primeiras palavras do pai do jogador sobre as razões da mudança para o Médio Oriente, “a excelente impressão das pessoas, do clube e do país” foi determinante para o 'siiimm' dado à equipa capitaneada por Cristiano Ronaldo e... treinada por Jorge Jesus, dois compatriotas que há muito foram abraçados pelos encantos de Riade.

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A grande diferença é que aos 25 anos de idade (Félix completará 26 a 10 de novembro) Ronaldo estava a cumprir a sua primeira temporada no Real Madrid e as únicas contas que fazia era aos 33 golos marcados em 35 jogos, sem esquecer as oito assistências que abrilhantaram os meses de estreia no Santiago Bernabéu.

Para encontrar uma época em que o último sonho de Rui Costa assinou oito assistências, é preciso recuar até 2018/2019, o ano em que tudo aconteceu e tudo parece ter acabado na carreira deste fenómeno, seja qual for a perspetiva e o ângulo de análise. Com 20 golos e as tais oito assistências com a camisola principal do Benfica, o ex-portista conseguiu deslumbrar o planeta, e o mesmo diretor (Andrea Berta) que agora fez Viktor Gyokeres juntar-se a Mikel Arteta no Arsenal não dormiu enquanto não levou o menino bonito das águias para Madrid... direto ao Atlético do ríspido Diego Simeone.

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Confrontado com uma verba recorde de 126 milhões de euros, Luís Filipe Vieira, depois de esfregar os olhos, validou uma transferência que só Jorge Mendes poderia ajudar a operacionalizar em Portugal, abrindo o primeiro capítulo da saga multimilionária protagonizada por alguém que tem feito correr rios de dinheiro marcando passo dentro de campo.

Desde que deixou a Luz, entre a venda ao Atlético Madrid, cedência dos “colchoneros” ao Chelsea (janeiro de 2023), compra por parte dos “blues” (agosto de 2024), empréstimo ao Milan (janeiro de 2025) e a venda dos últimos dias ao Al-Nassr, Félix fez girar perto de 240 milhões de euros, o que só por si serviria para pagar os gastos até ontem contabilizados no mercado de verão pelo emblema que levou à falência o desejo de Luis Enrique em ganhar todas as provas disputadas pelo PSG em 2024/2025.

Aconteça o que acontecer daqui para a frente, a começar pelo Mundial de seleções de 2026, o avançado que Roberto Martínez nunca dispensa ficará na história como um casino ambulante mas também como o exemplo que qualquer jovem aspirante a futebolista deve desprezar.

Os milhões que se candidatam a ídolos sem achar que o dinheiro é a coisa mais importante do Mundo têm de virar costas ao caminho percorrido por este fora de série e agradecer-lhe infinitamente por ter sido capaz de demonstrar como é fácil fechar as portas à maior parte da nobreza europeia.

Pode ser que em 2027, quando terminar o contrato da(s) Arábia(s), a versão portuguesa de Neymar encontre por fim paciência para acreditar no coração e perceba que um homem livre, ao contrário de um jogador livre, não tem preço.