A saúde mental dos jovens atletas continua a ser um dos maiores pontos cegos no desporto. Treinam como adultos, competem como profissionais, mas ainda são adolescentes a tentar descobrir quem são. Quando o rendimento se torna a única métrica de valor, a pressão pode ser esmagadora.
Em Portugal, muitos clubes continuam a valorizar o talento técnico acima de tudo. No entanto, os casos de burnout, desmotivação e desistência precoce são cada vez mais comuns. Estes jovens enfrentam exigências físicas e emocionais intensas, enquanto lidam com questões normais da adolescência: identidade, autoestima, relações, futuro.
Lá fora, o caso de Naomi Osaka tornou-se símbolo desta realidade: uma das melhores tenistas do mundo, que decidiu parar em pleno auge por não conseguir lidar com a exposição e ansiedade. Também Michael Phelps, o atleta olímpico mais medalhado da história, falou abertamente sobre as suas crises depressivas e pensamentos suicidas, mesmo quando tudo parecia estar “no sítio”. Em Portugal, o futebolista Francisco Trincão partilhou recentemente os seus momentos de ansiedade após a transferência para o estrangeiro, revelando como a solidão e a pressão mediática afetaram a sua performance.
Mais recentemente, Jude Bellingham, aos 20 anos, falou sobre o impacto mental da responsabilidade de jogar e decidir jogos ao mais alto nível desde os 17. Rebeca Andrade, ginasta brasileira campeã olímpica, partilhou como teve de aprender a gerir não só a pressão externa, mas também o medo de não corresponder às expectativas internas. No surf, Molly Picklum, de apenas 21 anos, admitiu que o treino mental foi decisivo para lidar com a exposição e consistência necessária para se manter entre as melhores do mundo.
Estes exemplos mostram que saúde mental não é fraqueza, é parte do rendimento. Um atleta que dorme mal, que não sente apoio ou que treina em constante medo de falhar, está em risco.
Os clubes, as academias e os treinadores têm um papel essencial na prevenção. Não se trata de transformar todos os técnicos em terapeutas, mas de criar ambientes mais humanos, em que o erro seja visto como parte do crescimento, onde exista espaço para conversar sobre emoções e onde o bem-estar seja um critério de sucesso.
Precisamos de mais psicólogos do desporto bem preparados, com competências clínicas, educativas e de performance. Profissionais capazes de identificar sinais de risco, intervir precocemente e ajudar os atletas a desenvolverem ferramentas emocionais desde cedo. Psicólogos experientes podem também apoiar treinadores, diretores técnicos e equipas médicas a interpretar melhor os comportamentos dos atletas, e a reagir de forma mais construtiva. Da mesma forma, podem ajudar pais. Muitas vezes, com as melhores intenções, acabam por reforçar pressões invisíveis. É fundamental ajudá-los a encontrar uma forma de apoiar sem sufocar.
Não para protegê-los da exigência, mas para prepará-los para ela.
Carlos Fernandes é psicólogo do Desporto e da Performance e um dos coordenadores da Pós-graduação em Psicologia do Desporto e Performance da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa. Catarina Morais é psicóloga do Desporto, docente e uma das coordenadoras da Pós-graduação em Psicologia do Desporto e Performance Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa no Porto