Em 2023 considerei irrefletida e precipitada a decisão do então governo de alterar a estrutura operacional da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), extinguindo os Comandos Distritais (CODIS) e criando os Comandos Sub-Regionais. Dois anos depois, o tempo mostrou que as dúvidas levantadas eram legítimas: a mudança, anunciada com promessas de “maior proximidade ao cidadão”, revela-se profundamente questionável quando analisada à luz da realidade operacional e do sentimento generalizado entre profissionais e cidadãos.
Ao longo deste tempo, afirmei repetidamente que o modelo distrital, consolidado desde 2006, provou a sua eficácia. Baseava-se numa cadeia de comando clara e numa capacidade de mobilização rápida, fatores essenciais em qualquer situação de emergência. Essa proximidade operacional não se media em quilómetros, mas na autonomia para decidir e na rapidez em agir.
Importa sublinhar que esta análise não coloca em causa a competência, a dedicação ou o profissionalismo dos atuais comandantes das sub-regiões. Pelo contrário, reconheço e valorizo o esforço diário de quem, no terreno, trabalha para proteger pessoas e bens. O que está em causa é exclusivamente a qualidade e a eficácia de um sistema em que estes profissionais são obrigados a trabalhar, um sistema que, na forma atual, fragiliza a capacidade de resposta e acrescenta burocracia desnecessária.
Ainda assim, persistem quatro pontos essenciais por esclarecer. O nível distrital não funcionava mal ao ponto de justificar o seu desaparecimento. O incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, foi um episódio trágico, mas não resultou de falhas estruturais dos Comandos Distritais, pelo que não existe avaliação técnica que sustente a alteração de um modelo que já tinha provado a sua eficácia.
A Proteção Civil passou a atuar a reboque dos incêndios rurais. O novo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais introduziu as sub-regiões, moldando a estrutura nacional de socorro a um único tipo de risco, em vez de preservar uma lógica abrangente, estável e polivalente. Na prática, não existe diferença relevante entre centrais de despacho municipais e centrais ao nível das Comunidades Intermunicipais (CIM). A lei já permitia que estas centrais funcionem ao nível das CIM e, como os meios e os agentes são exatamente os mesmos, o que muda é apenas o nome e a linha hierárquica.
O equilíbrio de meios em ocorrências que envolvem concelhos de várias sub-regiões ficou enfraquecido. No modelo anterior, o Comandante Distrital (CODIS) tinha visão e autoridade sobre todo o distrito, podendo mobilizar recursos de forma integrada e imediata. No modelo sub-regional, o comandante só gere os meios da sua sub-região e, para ir além disso, depende do nível regional, que não dispõe da mesma estrutura de estado-maior nem da capacidade operacional necessária para garantir igual eficácia.
O discurso oficial insiste na “proximidade” como trunfo da reforma. Mas proximidade verdadeira significa que, quando alguém liga para o 112, a resposta é imediata e coordenada, sem esperar por autorizações intermédias. Significa que quem decide tem autonomia para acionar meios no momento. No novo modelo, essa autonomia dilui-se e o tempo de resposta pode aumentar e, em emergência, cada minuto pode ser a diferença entre controlar um incidente ou deixá-lo agravar-se.
A criação dos comandos sub-regionais implicou novas instalações, equipas e logística. O impacto financeiro é inegável. O retorno operacional, por outro lado, é incerto e, para muitos no terreno, simplesmente inexistente.
A Proteção Civil não pode ser refém de reconfigurações político-administrativas ou de modas organizacionais. Precisa de estabilidade, clareza e eficiência. Alterar um sistema robusto, sem uma justificação técnica sólida e suportada por dados concretos, é um risco sério.
Dois anos depois, a pergunta mantém-se, agora reforçada pela experiência prática e pelo clamor dos operacionais e dos cidadãos: o que é que o país ganhou com esta mudança? E o que é que, inevitavelmente, perdeu?
A Proteção Civil não pode ser tratada como um laboratório de experiências administrativas. É tempo de olhar para os resultados reais no terreno, ouvir quem está na linha da frente e devolver à Proteção Civil um modelo operacional comprovadamente eficaz. Não se trata de preservar orgulhos políticos nem de manter decisões passadas a qualquer preço, trata-se, sim, de proteger vidas humanas, salvaguardar bens e assegurar o futuro do país.
Antigo presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e docente na Atlântica – Instituto Universitário