
A recente polémica que envolveu a TAP, um cão de apoio emocional, uma decisão judicial brasileira e o PAN é um espelho revelador das tensões cada vez mais frequentes entre direitos individuais, populismo político e os limites operacionais das companhias aéreas.
A legislação internacional e as regras de aviação são claras: animais de apoio emocional e animais treinados para prestar assistência podem, sob determinadas condições, viajar na cabine com o passageiro para quem desempenham essa função. Estas exceções existem, mas também têm limites, nomeadamente a segurança e o bem-estar coletivo.
Por exemplo, a passageira que pretendia embarcar no aeroporto de Tampa com o seu animal de apoio emocional na mala de mão – uma jiboia de 1,5m – foi impedida de o fazer porque se considerou que o apoio emocional prestado a um passageiro não poderia colocar em risco a vida dos restantes passageiros e tripulantes. No caso do voo TP74 de 24 de maio entre o Rio de Janeiro e Lisboa, o cão de apoio emocional que deveria ter embarcado na cabine do avião por força de uma providência cautelar ia prestar apoio emocional a quem?! A ninguém, porque o assistido não era sequer passageiro nesse voo – aguardava já no destino, em Lisboa. É nesse momento que o cão passa a ser apenas isso: um cão ao qual se aplicam as normas regulares de transporte animal.
A TAP, como qualquer companhia aérea, tem a responsabilidade de garantir a segurança, a operacionalidade e o cumprimento das regras em vigor. Perante a litigância do caso concreto e as questões operacionais envolvidas, a companhia decidiu cancelar o voo TP74, com repercussão no voo seguinte desse mesmo dia, o TP72, que atrasou quatro horas. Só em indemnizações previstas no regulamento europeu 261/2004, esta situação significou um prejuízo de quase 300 mil euros – acresce a isso, a hospedagem dos passageiros do voo cancelado, o estacionamento prolongado da aeronave que só descolou no dia seguinte, a disrupção que a falta/atraso desses aviões causaram nos dias seguintes e a eventual necessidade de comprar de passagens para alguns passageiros noutras companhias.
Se a intenção era de politizar este episódio, ocorre-me dizer que, contas feitas, deve ter custado tanto como a “indemnização” a Alexandra Reis que Pedro Nuno Santos aprovou por whatsapp e que a ex-CEO achou por bem omitir à CMVM. Mas mais do que tudo, a existência de uma providência cautelar deste teor é o retrato cruel da judicialização excessiva e injusta que ocorre neste momento no Brasil, em particular no setor aéreo. Não é normal – nem aceitável – que 98,5% dos processos judiciais contra companhias aéreas em todo o mundo tenham origem no Brasil e que a maioria se refira a pedidos de danos morais.
De acordo com um estudo divulgado no Brasil em 2024, um processo a cada 0,52 voos (ou seja, comparativamente, um voo no Brasil já carrega em si duas ações judiciais), enquanto nos EUA, o maior mercado aéreo do mundo, o patamar é de uma ação na Justiça a cada 2.585 viagens. Isso não se deve a uma miraculosa consciência de direitos do consumidor no Brasil, mas sim a um esquema altamente sofisticado de litigância predatória que beneficia advogados oportunistas, empresas de tecnologia e até influenciadores digitais, à custa de transportadoras aéreas que já enfrentam desafios financeiros e logísticos significativos.
É neste terreno pantanoso que o PAN decidiu oportunisticamente intervir. Partidarizar uma questão técnica, jurídica e operacional, apenas para ganhar uns minutos de protagonismo mediático, é indigno de um partido que se quer sério. Defender os direitos dos animais é importante, sem dúvida, mas confundir isso com a legitimação de abusos judiciais ou ignorar o bom senso e os regulamentos da aviação é pura demagogia.
O caso, como é óbvio, não terminou aqui e não tenho dúvidas que a TAP não agiu por capricho, mas sim por dever; e no dia em que a justiça brasileira quiser sobrepor as suas decisões à segurança aérea, é melhor pensar quem irá pagar a fatura dos seus futuros erros nessa matéria... o cão e o PAN não serão de certeza.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo