
Neste género de intervalo, no qual aguardamos, diga-se com alguma ansiedade e até com uma certa descrença, a decisão final de Donald Trump no que respeita à aplicação do mais duro e eficaz projeto de sanções sobre a Federação Russa e os seus principais parceiros económicos, será certamente tempo de análise, de reflexão e de balanço. Momento de ponderação afirmativa sobre aqueles que poderão ser os reais objetivos e linhas de ação estratégica da Federação Russa tendo em vista a realidade atualmente vivenciada no Teatro de Operações da Ucrânia.
O que será de esperar? Em que apostará de momento Moscovo? Em concreto quais poderão ser as principais linhas de ação do Kremlin nos tempos mais próximos no que respeita à guerra na Ucrânia?
Desde logo, para Putin parece óbvia a aposta no prolongamento da guerra. Tudo aponta para que o presidente da Federação Russa esteja resolutamente determinado em continuar a ludibriar Donald Trump, tentando ganhar tempo através de rondas de negociações a fingir. Esta última, que ocorreu mais uma vez em Istambul, no final da tarde do passado dia 23, teve a duração de escassos 40 minutos. Mostrar que está interessado na paz é o seu único objetivo. Existe um firme propósito de negociar um cessar-fogo que crie condições para negociar uma solução política para este conflito? Não parece. A ideia é apenas não afrontar Trump em demasia e cumprir com os mínimos. Bom, dir-se-ia “para inglês ver”.
Complementarmente, temos vindo a assistir ao incremento das ações da guerra de informação focada na denominada “fadiga dos doadores” ocidentais, tentando minar a sua determinação em prosseguir com o apoio à causa ucraniana, sem esmorecer e pelo tempo que for necessário. No fundo, o objetivo mais não é do que promover a redução do fluxo de apoio de armas e munições à Ucrânia para que esta deixe de ter condições para se defender eficazmente.
A interferência política nos processos de gestão interna dos países europeus, procurando potenciar eventuais fissuras e diferenças entre os mesmos, tem vindo a materializar-se noutra constante bem visível no traçado das linhas de ação das últimas campanhas de propaganda russa. Por outro lado, as contínuas e massivas ações de Operações Psicológicas dirigidas às populações ocidentais, almejando abalar a determinação das mesmas em ajudar a Ucrânia, têm vindo a ser uma constante. Os brutais ataques diários a urbes ucranianas, destruindo infraestruturas, o seu património cultural e identitário buscando desgastar pelo terror a vontade das suas populações, tem sido outra realidade marcante desta guerra. Já Carl von Clausewitz, no seu famoso tratado Vom Krieg, qualificava as populações indefesas como o “ventre mole” dos conflitos armados, porém asseverava, e com razão, que sem o seu empenho não seria de todo possível vencer fosse que guerra fosse. Em síntese, são as típicas ações da guerra híbrida, hoje assim designadas, e de que ao Kremlin tanto apraz lançar mão.
Moscovo, muito embora faça constar que não está minimamente preocupado com as sanções adicionais de que venha a ser potencialmente alvo, ultimamente tudo tem feito para evitar que estas lhe sejam efetivamente aplicadas. Neste capítulo e caso essas sanções venham mesmo a ser espoletadas, o Kremlin, como forma de sublimar o respetivo efeito, tem vindo a estreitar relações quer com a Coreia do Norte quer com a China, a Índia e mesmo o Brasil por forma a encontrar estratégias de saída para as contornar e garantir o imprescindível respaldo ao esforço de guerra, esquivando-se ao inevitável colapso económico.
Também no planeamento estratégico e operacional a dura realidade se sobrepõe, invariavelmente, às lucubrações de caráter teórico ou conceptual. Assim, mais relevante do que idealizar objetivos de campanha julgados ajustados é realizá-los. E é justamente aqui que reside o busílis da questão. A verdade é que, à Federação Russa, a implementação desses objetivos não está a correr de acordo com o planeado. Ou seja, a Rússia, para além de não ter conseguido bloquear o abastecimento de armas à Ucrânia, ainda se está a confrontar com um visível incremento desse mesmo apoio. Para tanto, contribuiu decisivamente o retorno dos EUA a esse mesmo esforço de ajuda. Por outro lado, o Ocidente não mostra quaisquer sinais de “cansaço”. A determinação política dos apoiantes da causa ucraniana é bem visível na procura incessante de soluções, visando fornecer-lhe oportunamente armas e munições.
Perante o exposto, é mais do que óbvio que a máquina de propaganda russa irá continuar a intoxicar o espaço informacional, plantando diariamente notícias cujo objetivo mais não é do que acusar o executivo ucraniano de corrupção, como aconteceu na recente crise das agências dedicadas ao seu combate, o NABU e o SAP, que se encontravam infiltradas por agentes russos e seus colaboradores. No fundo, usando a propaganda e em sentido mais lato a guerra de informação para promover retóricas anti-ucranianas na Europa e no resto do mundo. De qualquer modo, o facto de quer a Coreia do Norte quer a China continuarem cada vez mais próximas da Federação Russa é algo que nos deve suscitar apreensão e ser sempre levado em linha de conta no gizar de qualquer estratégia futura, tendo em vista a resolução deste conflito.
Estar ciente é apenas o primeiro passo. Saber bem o que está em causa, sendo uma etapa decisiva, não é contudo a mais importante. Fundamental é agir! Isso sim fará toda a diferença. Para contrariar toda a estratégia russa supracitada, é determinante não esmorecer. De momento e mais do que nunca, fomentar o apoio à Ucrânia, incluindo os Sistemas de Defesa Antiaérea, bem como os tão desejados mísseis de longo alcance é um imperativo. Já hoje é tarde!
Claro que o estabelecimento de medidas sancionatórias que enfraqueçam decisivamente a economia russa e a coloquem finalmente à beira do colapso assumem importância capital neste mesmo contexto. As sanções secundárias concebidas e impulsionadas pelo senador republicano Lindsey Graham e prometidas por Trump num período de até 50 dias, agora de dez, visando países como a Índia, o Brasil e a China, terão uma importância primordial na resolução deste conflito. Sendo verdade que, não há guerra que se ganhe sem o apoio inequívoco da população, também será igualmente verdade afirmar-se que não há guerras que se ganhem sem uma economia e uma logística de produção capazes de as sustentar.
E é aqui que a Rússia dá claros sinais de fraqueza. Imprime moeda num quantitativo alarmante – 15 triliões de rublos para fazer face às necessidades atuais do seu aparelho estatal. Esta quantia corresponde, grosso modo, a um terço do seu Orçamento Geral do Estado para 2025. As principais consequências são a subida da já elevada taxa da inflação e uma óbvia desvalorização da moeda. O aumento dos impostos parece ser também uma inevitabilidade. A imposição do 18.º pacote de sanções da UE, que preconiza uma baixa do preço de referência do barril de petróleo de 60 para pouco mais de 47 dólares, será outro grande desassossego para a já depauperada economia russa. Mais um empurrão em direção ao abismo.
É chegado o momento de usar a única forma de pressão que Putin realmente conhece, a linguagem da força. Um cessar-fogo nos tempos mais próximos e um prospeto de paz justa só serão possíveis através de um apoio militar e económico sem restrições à Ucrânia, e pela aplicação de um pacote verdadeiramente eficaz de sanções primárias à Rússia e secundárias sobre os seus principais parceiros económicos, por forma a privá-la dos recursos necessários e imprescindíveis para fazer face aos imperativos desta exigente guerra de atrição. Putin terá de ser definitivamente convencido de que não conseguirá alcançar os seus objetivos através da guerra, e isso está na mão da Europa e dos EUA.
Uma Ucrânia vencedora, robusta, e independente tornou-se numa condição essencial para a estabilidade europeia. Apostar na Ucrânia como unidade política independente é garantir a segurança da Europa como um todo. É ganhar o tempo necessário que nos permitirá enfrentar e vencer as pretensões hegemónicas de Putin, num futuro que espreita ao virar da esquina.
Major General//Escreve semanalmente no SAPO, à sexta-feira