
A primeira referência conhecida a este tipo de confeção surge num livro de culinária do Al-andaluz medieval e fala de um borrego estonado com óleo. Depois, em 1624, há registo do missionário oleirense António de Andrade – o primeiro ocidental a escalar os Himalaias e a chegar ao Tibete – ter destacado o facto de naquelas paragens não esfolarem os carneiros e cabras, mas comerem-nos com a pele chamuscada, tal como em Oleiros. Já no século XIX, Alexandre Dumas, autor dos romances de capa e espada “Os Três Mosqueteiros” e o “Conde de Monte Cristo”, descreve a experiência de comer um borrego preparado à moda do deserto, na Tunísia, assado com a pele. Em Portugal, a receita, que deve o nome ao ato de estonar – tirar o pelo –, é dada a conhecer ao país pela RTP, em 1961, cinco anos depois de o canal ter começado a emitir o “Concurso Nacional de Cozinha e Doçaria Portuguesa”, tendo Aura Martins Romão obtido o primeiro prémio na categoria Cozinha. A vitória fez com que a cozinheira fosse convidada para o programa de culinária da RTP, de Maria de Lourdes Modesto.
Em 1982, o “Cabrito estonado” entra no livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, ainda hoje o grande compêndio culinário nacional. Já em 2008 foi considerado um dos 10 bens gastronómicos portugueses que importa valorizar e preservar. O chef Vítor Sobral considera que se trata de um “produto de grande versatilidade, que pode ser usado para vários pratos”. Convidado a cozinhar “Cabrito estonado” no Dia da Gastronomia, na Sertã, em 2024, surpreendeu os presentes com uma sandes elaborada com o cabrito. “Com o ‘Cabrito estonado’ é possível preparar, além das sandes, também saladas deliciosas, com cogumelos, agrião, molho de iogurte e um sem-fim de combinações”, considera.
A importância desta receita para a região de Oleiros, a par do vinho Callum, uma casta autóctone, dá origem, nos dias 11 a 13 de abril de 2025, no Pavilhão Multiusos das Devesas Altas, ao Festival do Cabrito Estonado e Vinho Callum, dois produtos que são embaixadores exclusivos da gastronomia regional. O certame conta com expositores de venda de produtos locais, artesanato e uma tasquinha com propostas de degustação únicas à base de cabrito estonado.
Na Casa Ti Augusta, o prato chega à mesa com batata e legumes salteados com broa de milho e centeio com miúdos, em vez de arroz. Para Fernando Carvalho, da Adega Apalaches, “o ‘Cabrito estonado’ já é uma marca implementada nacionalmente, que colocou a região no mapa dos destinos gastronómicos nacionais. Chegamos a servir entre 13 e 15 mil refeições por ano, a maioria delas são ‘Cabrito estonado’”. Assado inteiro, como o leitão, e sem tirar a pele, a receita apresenta ligeiras diferenças entre Proença-a-Nova e Oleiros. Independentemente de levar ou não presunto nos temperos, a qualidade do cabrito é o mais importante”, assegura Joana Pereira, da Casa Ti’Augusta, que utiliza banha, misturada com louro, sal, pimenta e salsa, para untar o animal, e só coloca vinho branco para borrifar e hidratar a carcaça ao longo da assadura.
Onde comer “Cabrito estonado”:
Callum
Liderada pelo chef André Ribeiro, é a casa onde foi criado o “Folhado de cabrito estonado”. Como sugestão de refeição, o menu de degustação “Cabrito estonado” começa com presunto, paiola, queijo regional, azeitonas e azeite de produção local e segue para a “Sopa de Peixe”. A estrela do menu, o “Cabrito estonado”, com migas e arroz de miúdos, é o prato principal, terminando a refeição com uma sobremesa que muda diariamente.
Hotel Santa Margarida, Torna. Tel. 272680010
Alto da Vila Restaurant
Faz parte de um grupo de restaurantes, que inclui o Meio do Nada, na Herdade da Urgueira, e o Portas de Ródão, no Rupestre Arts Hotel Ródão. Dedica-se às especialidades regionais, e no Alto da Vila todos os domingos servem “Cabrito estonado” (€20), mas sugere reserva prévia. À semana também pode chegar à mesa, mas somente por encomenda, para um mínimo de sete pessoas.
Rua do Campo de Futebol, Pavilhão Municipal, Oleiros. Tel. 272073569
Casa Ti’Augusta
Apesar de não ficar no concelho de Oleiros, é do forno comunitário que saem as especialidades regionais, muitas delas recuperadas pelo restaurante, que já caíam no esquecimento. À mesa, primeiro, chega o pão ainda a fumegar, depois o desfile é de um sem-fim de produtos locais de pequenos produtores, consagrando a refeição o “Cabrito estonado” (€29), feito segundo a receita tradicional de Proença-a-Nova. Igualmente do forno, termine com a “Tigelada beirã”.
Figueira. Tel. 965099711
Restaurante Pérola do Orvalho
Abriu em 1981 e já vai na segunda geração, sempre dedicado a servir propostas regionais. Há “Cabrito estonado” (€30) somente por reserva, mas o preço incluiu sopa, bebida, sobremesa e café. Habitualmente, servem “Chanfana”, “Maranho” e a também típica “Fritada de porco”, um prato tradicionalmente preparado no dia da matança, onde vários pedaços do animal eram fritos em banha.
EN 112, Orvalho. Tel. 272746119
Adega dos Apalaches
Abre somente de quinta-feira a domingo e apresenta como opção o menu “Cabrito estonado à moda de Oleiros” (€29,50). As entradas frias incluem queijo e presunto, seguidos dos quentes “Braz de enchidos”, “Moelas estufadas”, “Folhado de cabrito” e “Sopa em panela de ferro”. O prato principal é o “Cabrito estonado”, guarnecido com batatas assadas, migas de couve e arroz de miúdos.
Rua Nossa Senhora das Neves, Roqueiro. Tel. 272654257
Restaurante Línguas de Perguntador
Cabe ao chef João Mateus preparar as especialidades da ementa, que incluem “Cabrito estonado” (€21,50) apenas por reserva prévia. Para qualquer outra refeição, há “Naco de novilho”, “Pernil assado” e “Costeletas de borrego”, “Tábua mista de carne” ou de peixe. O “Bucho” e o “Maranho” podem servir de entrada. A sobremesa recomendada é o “Tiramisu” com calda de medronho local.
EN 238, Salinas, bloco C, Oleiros. Tel. 272688106