Foi em 2013, “na fascinante Dinamarca”, que pela primeira vez Maria Arriaga e Cunha se interessou pelo queijo. “Estava na exploração biológica de produção de leite e queijo de cabra e ovelha, Knuthenlund, a fazer um estágio de seis meses”. Lembra que a sala de ordenha permitia ver a queijaria. “Despertou-me a curiosidade e pedi à dona da quinta, Susanne Hovmand, para ver a produção de queijo durante as minhas folgas”. Quando percebeu que queria saber mais deu-lhe “duas dicas preciosas” que seguiu religiosamente: ir à Cheese, a conceituada feira italiana de Bra e ver o documentário “Cheese Slices” de Will Studd”. “A partir daí abriu-se um mundo novo”, confessa.

Maria Arriaga e Cunha e José Maria Abreu Lima levantam-se todos os dias às 5h00 para fazer a ordenha das vacas e das cabras e usar o leite para produzir um queijo português diferente. “A esse modo de produção chamamos ortodoxo: produzir leite de pastagem natural das terras próximas da nossa queijaria, para fabrico de queijos de leite cru, idealmente sem fermentos industriais”. Os queijos da Ortodoxo são feitos a partir de leite cru à temperatura natural para que todas as particularidades nutricionais sejam preservadas.

Queijaria Ortodoxo, em Azeitão
Queijaria Ortodoxo, em Azeitão BCBM

“Veludo” de cabra fresco
É na nova Cave de Queijos da Ortodoxo, na Quinta de Camarate, em Vila Nogueira de Azeitão, que se pode conhecer, provar e comprar o queijo de cabra fresco, com o sugestivo nome “Veludo”. “É o nosso cavalo-de-batalha, o que é curioso porque foi o primeiro queijo que fizemos, com a ideia de que era bastante simples, e é”. Explique-se que para chegar ao resultado final, o trabalho implica “aquecer, arrefecer, fermento, coalho, enformar, drenagem por gravidade, não é preciso pressionar o que poupa muita energia de braços e articulações das mãos, desenformar, salgar”. Assim, nasce o “Veludo” de cabra fresco, mas, “quando entramos na cura o caso é outro, aquela casca enrugada, de facto bonita, exige muita dedicação, porque é mais delicada que as próprias cabras que deram o leite, sofre como elas com as diferenças meteorológicas, ou está muito húmido, ou está muito seco, ou ficou mais uma hora do que devia na estufa, ou tem menos 0,1g de sal, tudo influencia esta maravilha "ácido-láctica", dos sabores mais diferentes para o nosso gosto português de queijo, que lembra o iogurte, e que na cura acrescenta um sabor fermentado, que no ponto ótimo da cura se mistura com um ligeiro amanteigado entre a casca e o interior”, explica Maria Arriaga e Cunha. “É difícil, mas quando sai perfeito vale a pena”. A Ortodoxo também produz “Veludo” de cabra curado, que tem o Chévre, como referência.

Lavagem do
Lavagem do BCBM

Evocar o avô de Heidi
Já o “Grande do Viso”, é o queijo da Ortodoxo “com a temperatura de fermentação mais baixa, portanto, "o mais cru" e também com a menor quantidade de fermentos, ou seja, o mais verdadeiro”, explica a produtora. “As produções alpinas em lareiras com panelas de cobre tipo avô da Heidi são muito fascinantes, principalmente nas curas de mais de 24 meses.” Este queijo, que tem o Gruyère como referência, de pasta dura e coalhada cozida tem também a casca lavada, no caso com vinho tinto, “o que confere à casca aroma e cor, daí o acastanhado alaranjado, que tem também a ver com uma bactéria de superfície, a mesma do Tallegio”. Durante a cura é virado todos os dias e lavado até aos dois meses. Depois passa para tábuas de madeira, é virado a cada três dias e o tempo encarrega-se da evolução.

BCBM

Primeiro queijo azul nacional
No início, a equipa da Ortodoxo considerou que “não seria possível fazer um queijo azul, pela dificuldade da produção e pela inexistência em Portugal, afinal "se ninguém nunca fez é por alguma razão”. Ainda assim, a memória do sabor do bolor de vários tipos de queijos azuis artesanais que provei em Itália, França, Dinamarca, desde pastas moles como o Gorgonzola, de friáveis como o Roquefort, com diferentes tipos de bolores azuis de diferentes tonalidades ou leveduras mais verdes, inspirava-me para continuar a tentar”, revela a queijeira. Houve muitos queijos que não saíram bem. “No início, dada a inexperiência, as produções prolongavam-se pela noite dentro porque tinha de se esperar que o ph baixasse para cortar a coalhada no momento certo.”

Depois de três anos de tentativas, “em 2022 chegámos a um resultado satisfatório, por isso, apesar de não ser o melhor do mundo, é para nós uma pedra preciosa que nos orgulha por ser o primeiro queijo azul em Portugal, o Azul da Arrábida”. E lembra que, “em 1906, João da Motta Prego, numa visita a Itália, diz sobre o queijo Gorgonzola que "o desenvolvimento da indústria em Portugal seria de um êxito seguro"”.

Queijo azul
Queijo azul Expresso

Já o “Coração de Burrata” é de fazer crescer água na boca. “É realmente a melhor parte de uma Burrata, onde está a alma e onde queremos estar em tudo aquilo que fazemos”. É conhecida internacionalmente como Stracciatella. Desfiada à mão e à qual se acrescentam natas. ”Estes fios são irresistíveis com a suculência e acidez, só que as natas dão a cremosidade”, explicam.

Na Ortodoxo, que também produz “Requeijão de vaca”, a oferta continua a crescer, com Maria Arriaga e Cunha e José Maria Abreu Lima a apostarem, cada vez mais, em desenvolver idealmente queijos de vaca porque têm leite próprio e é neste que querem concentrar o trabalho, com a integração de uma nova quinta. Em breve, pode também ficar disponível um kefir Ortodoxo.

Queijaria Ortodoxo
Queijaria Ortodoxo BCBM

Métodos ancestrais e sustentabilidade
O conceito de “Ortodoxo” acompanhado do slogan “Queijo, Queijo, Queijo” define “a devoção da equipa a este produto tão extraordinário, que pretendemos fazer de uma forma o mais artesanal e tradicional possível, voltando às origens e não abdicando dos nossos princípios, que são a qualidade sanitária, nutricional e organolética do leite local, proveniente de pastagens regenerativas, de raças de animais queijeiras, com processos de fabrico ancestrais, com tempos de fermentação e/ou cura prolongados”.

O nome “Ortodoxo” também implica “preocupação com a sustentabilidade”. Utilizam o soro proveniente da produção de queijo para alimentar porcos, sendo extremamente nutritivo para este animais. É algo que agora está em suspenso, mas que pensam retomar logo que o rebanho de vacas próprias também esteja a postos. Os porcos ajudam a evitar as contaminações quer na queijaria, quer no meio ambiente, e desperdício alimentar, o que possibilita elevar o desenvolvimento ecológico, económico e social da Ortodoxo.

Queijaria Ortodoxo
Queijaria Ortodoxo Expresso

Faça uma visita nova Cave de Queijos e Loja da Ortodoxo (Rua do Engano, Quinta de Camarate, Vila Nogueira de Azeitão. Tel. 917654961), de segunda-feira a sábado, entre as 9h00 e as 18h00, e, aos domingos, das 9h00 às 13h00. A visita com prova custa €20 e conta com oferta de um café artesenal acabado de preparar da Filtrô - Home Lab Roastery. A partir da Cave é possível assistir ao que está a acontecer na queijaria e perceber os processos de fabrico. Conheça queijos portugueses inéditos, originais e gulosos, aproveite para se abastecer na loja. Como referência o “Azul da Arrábida” custa €32/Kg, e o “Grande do Viso”, €28/Kg. Já o “Veludo” de cabra fresco, cada unidade (apox. 160g.) é comercializado por €4 e o “Coração de Burrata” (caixa de 500g) por €7. A qualidade dos queijos tem sido reconhecida por vários chefs de cozinha e restaurantes de referência, como Joachim Koerper, do restaurante Eleven.

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