Assumir a presidência da WAO como primeiro português neste cargo deve ser marcante. Que impacto pessoal tem esta conquista para si e para Portugal?
Obviamente que é um motivo de orgulho, pelo facto de um português ser reconhecido para este cargo. Mas, mais do que o impacto pessoal, reflete muito a qualidade da nossa especialidade a nível nacional. Demonstra também o destaque que alguns portugueses têm tido, não só nesta área, mas em outras, ocupando cargos relevantes em organizações globais. Naturalmente, a presidência da WAO traz-me uma grande satisfação, tanto a nível pessoal, como pelo que representa para o nosso país, pela qualidade do que fazemos em Portugal.

Quais considera serem os maiores desafios para este mandato?
Quando assumimos a liderança de uma organização global, há sempre um planeamento prévio sobre os rumos a seguir. A nossa visão passa por perceber o que pode ser feito de diferente para atingir melhores resultados e cumprir a missão da organização.

O principal objetivo é garantir cuidados de maior qualidade às populações com problemas alérgicos, minimizando o impacto da doença e prevenindo novos casos. As projeções indicam que, dentro de alguns anos, quase metade da população global poderá sofrer de doenças alérgicas.

Parece-me essencial abordar as dificuldades de acesso a especialistas nesta área. Na Europa ou nos Estados Unidos da América podemos ter um especialista para cada 50 ou 60 mil habitantes, enquanto que noutras regiões essa proporção pode ser de um para cada milhão.

Por exemplo, em África essa disparidade é ainda maior, pois neste continente há menos de um especialista para 15 milhões de habitantes. Assim, temos apostado fortemente na formação de profissionais de saúde, uma vez que garantir uma rede imediata de especialistas em todos os países não é viável. Contudo, podemos capacitar profissionais para reconhecer e tratar casos mais ligeiros e moderados, garantindo um sistema de colaboração em rede.

Outro ponto essencial é a produção de recomendações e diretrizes que sejam simples de implementar, mas que tenham uma visão global. Nos países mais desenvolvidos, as diretrizes são frequentemente atualizadas de acordo com as inovações que surgem no mercado. Embora isso seja importante, não podemos esquecer que, em muitas regiões do mundo, nem sequer os medicamentos mais básicos estão acessíveis à população. É fundamental colaborar com entidades oficiais e privadas para garantir que as recomendações sejam aplicáveis e eficazes.

Por fim, queremos reforçar o conhecimento da população sobre a WAO. Em Portugal, temos uma excelente Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, assim como existem sociedades semelhantes noutros países. Contudo, a WAO tem um papel fundamental na coordenação global dos cuidados nesta área. O objetivo é aumentar a notoriedade da organização e explicar à população em que podemos ajudar e que, simultaneamente, precisamos de apoio de outros parceiros.

Quais considera ser as áreas mais críticas? A disparidade no acesso é o maior desafio?
Sem dúvida, a dificuldade de acesso é um grande problema. Retomando o exemplo de África, temos uma responsabilidade acrescida, sobretudo com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Muitas vezes, são regiões esquecidas, mas já temos vindo a desenvolver ações educativas em países como o Quénia e a Tanzânia, mas que agora queremos estender também aos PALOP.

A ideia é expandir este trabalho, formando profissionais de saúde para diagnosticar e tratar doenças alérgicas, como asma, rinite ou urticária, reconhecendo situações graves como é o caso da anafilaxia. Capacitando-os com protocolos de atuação, conseguimos melhorar a qualidade de vida da população, reduzir a mortalidade e a morbilidade associadas a estas doenças.

Além disso, queremos incentivar a formação de especialistas. Mesmo que sejam poucos, a presença de um especialista pode ser um catalisador para aumentar o conhecimento e a atenção para esta área dentro da comunidade. Queremos atuar com mais intensidade e, no final destes dois anos, medir objetivamente os resultados alcançados. O objetivo não é apenas estabelecer intenções, mas sim concretizar ações eficazes e quantificáveis.

Portugal pode assumir um papel relevante, sobretudo no apoio aos países de língua portuguesa?
Sem dúvida, temos essa missão cultural, de partilha, que nos é natural! Existe um grande entusiasmo nesse sentido, tanto por parte de múltiplas entidades, como de colegas que já manifestaram disponibilidade para colaborar. Temos contactos com organizações públicas e privadas que podem apoiar estas iniciativas.

Atualmente, não existem sociedades científicas dedicadas à Alergologia nos PALOP, mas podemos começar a trabalhar nesse sentido. Gostaríamos muito de promover a criação de uma Federação das Sociedades Africanas de Alergologia, integrando os PALOP e incentivando uma colaboração mais estruturada.

As expectativas são altas…
Sim, sem dúvida. Este é um compromisso importante e uma oportunidade para inovar. Pessoalmente, este desafio motiva-me muito, pois, há 35 anos, tomei a decisão de seguir esta área e nunca me arrependi. Sinto que conseguimos contribuir para a diferenciação da Alergologia em Portugal e espero, agora, poder alargar essa colaboração a uma escala ainda maior.

Sílvia Malheiro

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