"Muitas vezes, a tristeza e a felicidade surgem lado a lado, alternando-se ou coexistindo no mesmo momento." Quem o diz é a psicóloga clínica e psicoterapeuta Diana Costa Gomes, que chega mesmo a afirmar que esta ambivalência "é, de certa forma, necessária para que possamos dar valor ao que sentimos".

"A felicidade não existiria sem a tristeza. Tentar evitar a tristeza a todo custo pode, na verdade, afastar-nos da plenitude. Assim como a felicidade, a tristeza faz parte do processo é necessária ao crescimento e autoconhecimento", sublinha em entrevista ao Lifestyle ao Minuto a propósito do Dia Internacional da Felicidade, que se assinala esta quinta-feira, dia 20 de março.

Começo por fazer-lhe aquela 'pergunta para um milhão de euros'. O que é a felicidade?

A felicidade é um conceito vasto e profundamente subjetivo, mas que pode ser descrito como um estado de bem-estar, satisfação e realização. Não é uma experiência fixa ou permanente, mas algo que se constrói ao longo do tempo e que é composto por momentos de alegria, gratidão, equilíbrio e significado. Estes momentos podem surgir das relações interpessoais, das conquistas pessoais, do simples prazer de estar presente ou da conexão com algo maior, como a natureza ou um propósito. A felicidade é, no fundo, uma experiência multifacetada, que envolve tanto as emoções positivas, como os significados que atribuímos à nossa vida.

Reconhecer que podemos ser felizes e tristes ao mesmo tempo permite-nos viver sem a pressão de procurar uma felicidade contínua e sem falhas

E é possível medi-la?

A felicidade pode ser quantificada através de escalas psicológicas, ou de outras ferramentas de autoavaliação, que medem a satisfação com a vida e as emoções positivas. No entanto, mesmo com essas 'medições', é importante lembrar que a verdadeira essência da felicidade vai além dos números e das escalas. A felicidade não pode ser completamente encapsulada por métricas quantitativas, porque é, em última instância, uma experiência profundamente pessoal e subjetiva. Para muitas pessoas, a felicidade é simplesmente a consciência de que, por breves momentos, estamos no nosso lugar certo. A verdadeira medida da felicidade pode não ser algo que se consiga calcular de forma exata, mas sim uma perceção subjetiva de bem-estar e alinhamento com o que é importante para cada pessoa.

A tristeza e a felicidade podem coexistir?

Sim e isso é uma das complexidades mais profundas da experiência humana. A vida não é feita de uma única 'cor' emocional, mas de uma paleta variada de sentimentos que se intercalam e se sobrepõem. A ideia de que só podemos ser felizes ou tristes de forma exclusiva é redutora e não reflete a realidade da nossa experiência emocional. Na verdade, muitas vezes, a tristeza e a felicidade surgem lado a lado, alternando-se ou coexistindo no mesmo momento. Esta complexidade emocional é, de certa forma, necessária para que possamos dar valor ao que sentimos. A felicidade não existiria sem a tristeza. Tentar evitar a tristeza a todo custo pode, na verdade, afastar-nos da plenitude. Assim como a felicidade, a tristeza faz parte do processo é necessária ao crescimento e autoconhecimento. Viver com autenticidade é aceitar que a felicidade e a tristeza podem 'caminhar' juntas e que são aspetos complementares da experiência humana. Reconhecer que podemos ser felizes e tristes ao mesmo tempo permite-nos viver sem a pressão de procurar uma felicidade contínua e sem falhas.

A sociedade valoriza o desempenho acima do bem-estar e essa cultura da exaustão leva a níveis elevados de ansiedade, stress e 'burnout'. Além disso, a comparação incessante alimentada pelas redes sociais distorce a perceção de sucesso e felicidade

Considera que a felicidade é algo que se aprende e treina?

A felicidade pode ser cultivada com práticas como a gratidão, a conexão com os outros e o foco no presente, mas não é uma simples escolha, porque existem fatores biológicos, sociais e psicológicos que influenciam o nosso bem-estar.

Ainda assim, aumentam os problemas de saúde mental no mundo e o consumo de antidepressivos tem, inclusive, disparado em Portugal. O que é que nos afasta da felicidade?

O aumento dos problemas de saúde mental deve-se, em parte, ao ritmo acelerado da vida atual, ao excesso de informação e à pressão constante para sermos produtivos e bem-sucedidos. Vivemos num tempo onde a hiperconetividade nos mantém sempre em alerta, dificultando momentos genuínos de introspeção. A sociedade valoriza o desempenho acima do bem-estar e essa cultura da exaustão leva a níveis elevados de ansiedade, stress e 'burnout'. Vivemos numa sociedade que exige resultados rápidos, sucesso imediato e, muitas vezes, impõe padrões de perfeição que são difíceis de alcançar. Isto cria uma sensação constante de insatisfação, como se nunca fosse suficiente e estivéssemos, constantemente, em falta ou em falha para com alguma coisa.

Por outro lado, embora as redes sociais possam conetar as pessoas, também têm o poder de gerar comparações constantes, criando uma imagem distorcida da realidade. As pessoas sentem-se, muitas vezes, pressionadas a exibir uma versão idealizada de si mesmas, o que alimenta a ansiedade e a insegurança.

Aí entra também a comparação?

Sim e esse é outro elemento que nos afasta da felicidade. A ideia de que os outros têm sempre algo melhor - seja no trabalho, nas relações ou na vida pessoal - faz-nos viver com a sensação de que estamos sempre em desvantagem ou que falta alguma coisa. Isto cria uma luta constante para corresponder aos padrões estabelecidos pela sociedade ou pelos outros, e é muito difícil alcançar a verdadeira felicidade quando tentamos ser outra pessoa.

Há quem diga que a maioria de nós somos crianças felizes e nos tornamos adultos insatisfeitos. Em que momento da vida é que perdemos essa sensação de felicidade?

Talvez no momento em que a espontaneidade dá lugar às exigências. A infância é marcada pela curiosidade e pelo presente, enquanto a vida adulta nos impõe expetativas, comparações e responsabilidades. Aos poucos, aprendemos que há metas a cumprir, padrões a seguir e que a felicidade parece depender de algo que ainda não alcançámos. A leveza dá lugar à autoexigência e o simples prazer do instante torna-se secundário face à necessidade de provarmos o nosso valor.

Como é que podemos reencontrar essa leveza perdida?

Recuperar a capacidade de estar no momento, aceitar a imperfeição e resgatar pequenos prazeres diários podem passos importantes.

Os filhos de pais que sofrem de problemas de saúde mental estão, de certo modo, condenados à tristeza?

Não necessariamente, ainda que os fatores genéticos e ambientais pesem. A predisposição para a tristeza não é uma sentença. Relações de apoio, terapia, autoconsciência e estratégias de bem-estar são ferramentas fundamentais para quebrar ciclos e criar uma narrativa própria.

a procura pela felicidade não é algo que deva ser visto como uma meta a ser alcançada e que, uma vez atingida, permanece para sempre

De que forma podem os adultos cultivar a felicidade nos mais novos?

Criando um ambiente seguro e permitindo que as crianças sejam crianças sem a pressa de crescer. É preciso ensinar resiliência e promover experiências positivas, como o tempo ao ar livre, o brincar e as relações saudáveis. Isso ajuda a construir bases sólidas para o bem-estar futuro. Vivemos numa sociedade que, muitas vezes, exige muito - e desde muito cedo - das crianças, pressionando-as a crescer rapidamente. Espera-se que as crianças sejam adultos em miniatura, muitas vezes, com a responsabilidade do estado emocional dos adultos.

Outro aspeto importante é incentivar a expressão emocional. Ou seja, ajudar as crianças a entender e a nomear as suas emoções. Essa é uma ferramenta crucial. Ao validarmos as emoções das crianças, mostramos que é normal sentirmo-nos tristes, frustrados ou felizes, e que todas as emoções são importantes para o crescimento. Ao mesmo tempo, ensiná-las a expressar essas emoções de forma construtiva também contribui para o desenvolvimento da sua inteligência emocional.

É também igualmente importante dar às crianças a oportunidade de tomarem decisões e assumirem pequenas responsabilidades, de acordo com a sua idade. Isto não só as ajuda a desenvolver uma maior confiança em si mesmas, como também contribui para a construção de um sentimento de pertença.

E os adultos, que 'rituais' podem praticar?

Reservar tempo para o que dá prazer, quer seja ler, caminhar, ouvir música ou estar com quem nos faz bem, praticar a gratidão, aprender a dizer 'não' e criar momentos de pausa são essenciais para equilibrar o dia a dia. Os pequenos hábitos podem fazer diferença. É importante reforçar que a procura pela felicidade não é algo que deva ser visto como uma meta a ser alcançada e que, uma vez atingida, permanece para sempre. A felicidade é feita de momentos e de experiências que se entrelaçam ao longo da vida. Às vezes, pode não estar tão presente, especialmente em momentos difíceis, mas isso não significa que ela tenha desaparecido. A felicidade está, muitas vezes, ligada à aceitação do que é imperfeito. As situações difíceis, os momentos de desconforto e as frustrações fazem parte da vida. Entender que esses momentos também contribuem para a nossa evolução e crescimento pessoal pode ser uma perspetiva mais realista e enriquecedora. Em vez de evitá-los ou tentar superá-los rapidamente, podemos começar a valorizá-los. Eles também fazem parte da construção de uma felicidade mais autêntica.