
O aquecimento global está a contribuir para a exportação das doenças tropicais, das zonas onde são endémicas para outras regiões, em particular para a Europa.
Em Portugal continental tem sido registado um aumento da presença do mosquito 'Aedes Albopictus', capaz de transmitir Dengue. Aliás, no princípio deste ano, foi detectado um mosquito infetado com vírus de Dengue na Madeira.
Desde do ano 2000 que os casos de Dengue a nível global aumentaram mais de 10 vezes, de 500 mil, em 2000, para 5,2 milhões, em 2019, com esta tendência a continuar a agravar-se. Todos os anos estima-se que existam 400 milhões de infeções com 100 milhões de pessoas a adoecerem devido à Dengue.
Este domingo, 15 de junho, assinala-se o Dia Internacional Contra a Dengue e, no âmbito da efeméride, o Lifestyle ao Minuto conversou com a médica de Saúde Pública, Ana Silva, da Unidade Local de Saúde da Região de Leiria.
© Ana Silva
O que é a Dengue e como é transmitida?
Dengue é uma doença provocada por um vírus da família dos 'Arbovírurs', que pode ser transmitida às pessoas pelo mosquito 'Aedes Aegypti' e também pelo 'Aedes Albopictus', este já identificado em várias regiões de Portugal. Este vírus tem quatro serotipos, sendo os serotipo 2 e 3 os mais frequentes. Cada serotipo confere imunidade apenas para ele próprio e por isso podemos ter Dengue quatro vezes.
Quais são os principais sintomas?
Os principais sintomas são febre alta, dores de cabeça, dor retro ocular, dores intensas nos músculos (mialgias) e articulações (artralgias) - sendo esta doença conhecida nos países de língua portuguesa por doença do 'Quebra Ossos' - e ainda falta de apetite, mal-estar geral e exantema (manchas vermelhas dispersas pelo corpo). A febre nem sempre é o primeiro sintoma, dura entre dois a sete dias e é um sintoma sempre presente. As complicações hemorrágicas, nomeadamente nos olhos, podem ocorrer embora com menor frequência do que os outros problemas.
O que sabemos sobre estes mosquitos e como identificá-los?
O aquecimento global, impulsionado pelas mudanças climáticas, leva ao aumento da temperatura e às mudanças nos padrões de chuva, favorecendo a proliferação destes mosquitos e à expansão das áreas onde os mesmos são identificados. A sua identificação não é fácil pela população em geral, pelo que a prevenção da picada dos mosquitos nos países de risco é a atitude correta e recomendada.
Quais os grupos de risco com maior probabilidade de contrair a infeção?
Todos os grupos etários podem ser atingidos por esta infeção, pelo que a prevenção da picada pelos repelentes a aplicar no corpo, na roupa e o uso das barreiras físicas (roupas de manga comprida e rede mosquiteira) é muito importante. Ter em atenção particularmente os bebés, pois o uso de repelentes no corpo destes não é aconselhável. Neste grupo, as barreiras físicas são particularmente recomendadas, não esquecendo as redes mosquiteira no berço e no carrinho, por exemplo.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico presume-se pela clínica e é confirmado laboratorialmente, de preferência em laboratórios de referência.
Existe tratamento para a Dengue?
O tratamento é sintomático, estando completamente desaconselhado a toma de anti-inflamatórios para a febre e dores, devendo usar-se apenas paracetamol. A toma de anti-inflamatórios, incluindo o ácido acetilsalicílico (aspirina) pode desencadear complicações hemorrágicas. Não há tratamento específico e a doença, habitualmente, evolui para a cura ao fim de 8 a 10 dias.
É possível prevenir a doença? Se sim, de que forma?
Sim, é possível prevenir a doença prevenindo a picada do mosquito. Devem usar-se adequadamente os repelentes nas roupas, no corpo, no local onde se pernoita, usando ar condicionado ou rede mosquiteira, e protegendo as portas do lado exterior com inseticidas em spray, os únicos que podem viajar de avião, uma vez que os aerossóis são proibidos a bordo. O uso de roupas adequadas, fora da praia, é importante, usando roupa larga, clara e comprida, assim como meias que cubram os tornozelos, pois os mosquitos picam sobretudo a 30 cm do chão.
Em que países/regiões é que a Dengue é mais comum?
A Dengue é uma doença com grande incidência na América Central e do Sul - sendo a Colômbia e o Brasil países de particular incidência - África Subsaariana, e toda a Ásia.
Para quem viaja para esses países, que cuidados deve ter?
Como já referido, o uso de vestuário adequado, largo, cores claras e comprido, uso de repelentes de corpo e vestuário, uso de ar condicionado ou rede mosquiteira para dormir. Sair da praia antes do pôr do sol é uma medida muito importante na prevenção da picada do mosquito e, portanto, na transmissão do vírus. Em função do tempo e condições da estadia, deverá ser ponderada a vacinação.
De que forma é que o aquecimento global está a contribuir para a exportação desta doença para a Europa?
O aquecimento global, impulsionado pelas mudanças climáticas, facilita a proliferação dos vetores que transmitem estas doenças, levando a um aumento da sua ocorrência. O aumento da temperatura e as mudanças nos padrões de chuva favorecem a proliferação dos vetores, como mosquitos, e a expansão das áreas onde estas doenças são transmitidas.
Além do aquecimento global, que outros motivos podem estar associados ao aumento da Dengue em Portugal?
As temperaturas elevadas estão a criar condições que favorecem a propagação dos mosquitos portadores da infeção, pois contribuem para a mudanças nos padrões de chuva e a existência de água acumulada em pequenas lagoas ou recipientes, favorecendo a proliferação dos vetores, mosquitos.
No início deste ano, foi detectado um mosquito infetado com o vírus de dengue na Madeira. Por que motivo este arquipélago é mais propício à infeção?
As condições climáticas da Madeira são favoráveis à proliferação dos mosquitos e, portanto, ao risco de aparecimento de casos de Dengue. Em 2012/2013, a Madeira teve um surto de Dengue com 1080 casos confirmados.
Com o aumento das temperaturas, o que podemos esperar para este verão em Portugal?
Tendo em conta que em Portugal Continental nunca foi identificado o mosquito 'Aedes Aegypti' e apenas foram identificados alguns 'Aedes Albopictus', mosquito da mesma família com capacidade de transmitir o vírus do Dengue, não é expectável que venhamos a ter casos de Dengue.
Contudo, foi muito importante a implementação do programa REVIVE - Rede de Vigilância de Vetores em Portugal, para a identificação dos mosquitos presentes no nosso país, e implementação de medidas e cuidados que previnam a sua proliferação.
O programa REVIVE resulta de um protocolo/parceria, entre a Direção-Geral da Saúde, as ULS e Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) - Centro de Estudos de Vetores de Doenças Infeciosas. Tem como principal objetivo a determinação do nível de risco associado à presença de vetores, que podem transmitir doenças, como mosquitos, carraças e flebótomos
Considera que a população está devidamente informada acerca desta infeção? Como a podemos sensibilizar?
A população que viaja e já frequentou consultas do viajante, em que se faz o ensino da prevenção da picada do mosquito, estará seguramente informada, mas à 'boa maneira portuguesa', pensamos sempre que em Portugal não vai acontecer nada! Penso que os meios de comunicação social, informando do risco desta doença poder emergir em Portugal e divulgando os cuidados a ter, será seguramente a medida mais adequada.
Existe alguma probabilidade de haver um surto em Portugal? Se sim, que fatores podem contribuir?
Por agora não é expectável que tal venha a acontecer, mas sem dúvida a vigilância dos vetores que circulam em Portugal através do Programa REVIVE, é muito importante.