A programação do festival que se realiza até 02 de outubro prevê quatro concertos, todos comentados, a estreia nacional do filme 'Fanny: The Other Mendelssohn' (2023), de Sheila Hayman, uma conferência pelo musicólogo Rui Vieira Nery, e um fórum sobre ensino.

Os concertos são comentados pela musicóloga Inês Thomas Almeida, curadora do Crivo, que vai decorrer nas Carpintarias de São Lázaro, Fundação Calouste Gulbenkian, Museu Nacional de História Natural e da Ciência e no Instituto Goethe.

Em declarações à agência Lusa, Luísa Correia Silva afirmou que "as programações de concertos, os catálogos das discográficas e os manuais escolares não fazem de todo jus à vasta produção musical que aconteceu desde sempre, e que está documentada, por parte das mulheres compositoras, com um trabalho extraordinário, que é desconhecido, e [a organização entendeu] que era importante ouvir e dar a conhecer a sua obra e o seu legado".

A diretora artística acrescentou: "Enquanto as compositoras foram vivas, eram super influentes, premiadas, reconhecidas, agraciadas, profissionalizadas, temos [documentação] disso tudo, mas parece que quando morrem, isso fica tudo para trás, portanto o problema não é ter havido poucas mulheres compositoras, e elas terem sido oprimidas, é sobretudo a questão de contarmos a história e como oferecemos a história".

Muitas mulheres compuseram e fizeram a sua música ouvir-se tendo para isso "derrubado vários obstáculos, fossem eles os pais, maridos ou as salas de concerto".

"Em termos de números a representatividade e a inclusão das mulheres compositoras continua muito aquém daquilo que poderia acontecer", sublinhou a responsável, considerando que na prática "não se está a ser muito justo e inclusivo, com o trabalho das mulheres compositoras".

A programação do Crivo apresenta compositores desde Cássia de Constantinopla (810-865) à contemporânea Ângela da Ponte, representando várias estéticas musicais e nacionalidades.

Fanny Mendelssohn (1805-1847) "não era encarada como o marido", o compositor Felix Mendelssohn (1809-1847), mas fez-se ouvir, dadas as suas circunstâncias sociais. "Ela, além de compositora, era o que hoje em dia chamaríamos uma produtora cultural", "era muito rica e pertencia a uma família muito influente e tinha uma grande casa", onde organizava todos os domingos um salão musical, "que era o evento cultural e musical, e mais entusiasmante da Berlim daquela época".

Fanny Mendelssohn compôs cerca de 500 obras, entre peças para quarteto de cordas, trio e quarteto com piano, uma abertura, cantatas, 'lieder' e peças para piano.

O filme 'Fanny: The Other Mendelssohn' é exibido no dia 29 de setembro, às 19h00 no Instituto Goethe, seguido de uma conversa com a realizadora.

A conferência de Rui Vieira Nery, 'As mulheres compositoras. Processos de exclusão e de resistência', realiza-se no dia 20 de setembro, às 18h00, nas Carpintarias de S. Lázaro.

Ignorar o papel da mulher "não acontece só na música, mas em qualquer área ligada ao conhecimento ou à produção intelectual e artística", ressalvou Luísa Correia Silva.

A fundadora do Crivo afirmou que "já se reconheceu que estes últimos séculos foram patriarcais, e agora [há] os meios e o interesse não só das pessoas que levam esse trabalho a cabo, como do público, para descobrir pérolas e pessoas que ficaram pelo caminho".

"O facto de serem só mulheres compositoras pode gerar curiosidade de outro tipo de público menos habitual nas salas de concerto", disse à Lusa.

O Crivo abre, no dia 18 de setembro, às 21h00, com um concerto pelo grupo vocal Olisipo, nas Carpintarias de S. Lázaro, apresentando um programa que inclui peças de Hildegard von Bingen (1098-1179), Cássia de Constantinopla, Vittoria Aleotti (1575-1620), Fanny Mendelssohn, Clara Schumann (1819-1896), Ilse Weber (1903-1944), e Berta Alves de Sousa (1906-1997), entre outras.

A preocupação da diretora artística, referida à curadora Inês Thomas Almeida, foi "ter sempre compositoras portuguesas" em todos os concertos e apresentar um amplo espetro temporal, desde a Idade Média até à atualidade.

"Quisemos mostrar que as mulheres compositoras, e de vários países, estiveram sempre presentes, e, na programação, temos música praticamente de todos os séculos", afirmou.

Da programação faz também parte um "fórum ensino", para a inclusão de mulheres compositoras no currículo do ensino musical, que se realiza no dia 27 de setembro, às 10h00, no auditório B3 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.

"Se queremos contribuir para uma mudança das coisas, uma vertente que tem imensa influência no público, nos compositores, nos agentes e no meio cultural, em geral, é o mundo escolar que tem uma enorme influência, e no ensino reflete-se também a exclusão das mulheres compositoras".

A diretora do festival afirmou que levou cerca de ano e meio a prepará-lo e não escondeu que o nome escolhido, 'Crivo', reflete "uma certa ironia". "Afinal estas são as compositoras que não passaram num certo tipo de crivo, independentemente da sua qualidade".