
A IQVIA é uma multinacional farmacêutica norte-americana, que integra o S&P 500, muito vocacionada para tudo o que diga respeito ao Digital Health, desde os ensaios clínicos à análise de dados em larga escala junto dos seus clientes.
Presente em mais de 100 países, a IQVIA está também em Portugal, onde conta com mais de 600 colaboradores e uma unidade de consultoria que atua junto de farmacêuticas, hospitais, reguladores e associações de doentes. Em entrevista, Pedro Brito da Cruz, Diretor da Unidade de Consultoria da IQVIA Portugal, revela como esta unidade se posiciona como elo entre os dados e a decisão, detalha os serviços e ferramentas que têm — como o recurso à inteligência artificial ou os modelos federados de análise — e antecipa as principais apostas da empresa para os próximos anos.
A IQVIA atua na área da saúde digital. Como descreveria o papel específico da unidade de consultoria que dirige no contexto da operação global da empresa?
Pedro Brito da Cruz, Diretor da Unidade de Consultoria da IQVIA Portugal: A IQVIA é uma empresa global presente em mais de 100 países, líder em serviços nas áreas de ensaios clínicos, investigação, dados de mercado e análise do ecossistema da saúde. Em Portugal, a unidade de consultoria dedica-se essencialmente a empresas e instituições com presença nacional, sejam elas filiais ou multinacionais. Atuamos como uma ponte entre os dados de saúde e a tomada de decisão baseada em evidência, integrados na estrutura global de Consulting & Analytics. De salientar que a nossa equipa, com mais de 600 colaboradores em Portugal, tem vindo a adquirir competências que são escaladas para projetos internacionais, como o apoio recente ao planeamento de capacidade do sistema de saúde de um país do Médio Oriente.
Como é que a IQVIA se posiciona no mercado português no que diz respeito à consultoria em healthcare? Que tipo de clientes procuram os vossos serviços?
O nosso posicionamento é claro: ser o parceiro de excelência no setor da saúde, apoiando desafios estratégicos e operacionais. Nesse sentido, trabalhamos com a indústria de Life Sciences e com a tríade de clientes de healthcare: prestadores de cuidados (como Unidades Locais de Saúde), pagadores (Estado, seguradoras, subsistemas) e entidades reguladoras e governamentais. A nossa abordagem combina consultoria estratégica com ferramentas digitais que aceleram a transformação dos sistemas de saúde e a geração de evidência clínica.
Trabalhamos com tecnologias de referência hospitalar que incluem plataformas como o IQVIA Patient Finder, que utiliza Natural Language Processing (NLP) para mapear doentes elegíveis para ensaios clínicos a partir de registos eletrónicos de saúde, reduzindo em até 85% o tempo e os custos associados à procura de participantes. Este projeto, em parceria com a AICIB, marca a primeira implementação da tecnologia em Portugal e no Sul da Europa, com potencial de escalabilidade para todos os Centros de Investigação Clínica (CIC).
Quais são os principais serviços de consultoria que disponibilizam no setor da saúde? Pode dar-nos exemplos concretos?
Os serviços variam consoante o parceiro. Para Life Sciences, destacamos o Business Consulting, com apoio à definição de estratégias e planos de negócio; o Market Research, por via de estudos de mercado junto de profissionais de saúde; e o Real World Evidence, com a geração de evidência em contexto real. Para pagadores, ajudamos a antecipar riscos de doença e a medir a qualidade dos prestadores. Para prestadores, apoiamos na medição de performance clínica, ganhos de eficiência e iniciativas estratégicas, como integração de cuidados e gestão de recursos.
Além dos serviços mencionados, a IQVIA tem vindo a integrar inteligência artificial em ensaios clínicos, o que permite acelerar o início dos ensaios clínicos, melhorar a diversidade dos participantes e reduzir custos operacionais.
Complementarmente, na unidade de Prestadores, Pagadores e Governo, disponibilizamos um Clinical Trials Framework que cobre todas as fases do ciclo de vida dos ensaios clínicos — desde a seleção de centros e investigadores, pelo recrutamento assistido por IA, até à monitorização remota e análise de dados em tempo real. Este framework inclui diversas soluções tecnológicas e de capacitação que permitem aos nossos parceiros otimizar recursos, garantir conformidade regulatória e melhorar a experiência dos doentes. Em Portugal, este modelo tem sido aplicado em colaboração com hospitais e centros de investigação, com resultados promissores na aceleração da investigação clínica e na geração de evidência robusta para decisões terapêuticas e de acesso ao mercado.

Pedro Brito da Cruz, Diretor da Unidade de Consultoria da IQVIA Portugal
O que distingue a IQVIA das restantes consultoras a operar neste setor?
Desde logo, o conhecimento profundo do setor da saúde e das suas necessidades. Também o acesso a dados únicos e experiência em ciência de dados com foco na privacidade. E, claro, a vertente de tecnologia e plataformas analíticas avançadas que permitem extrair conhecimento personalizado a cada desafio.
A IQVIA refere que o que a destaca é a sua capacidade de transformar dados em decisões estratégicas. Pode explicar-nos como se processa essa conversão na prática?
Vou utilizar três exemplos concretos para melhor refletir a nossa abordagem. Em primeiro lugar, ajudamos uma empresa farmacêutica a lançar um produto inovador, ao analisar o mercado e definir a melhor estratégia. Depois, usamos dados de consumo de saúde por região para apoiar políticas públicas, por exemplo, ao nível dos municípios. Por fim, analisamos dados clínicos para prever a carga de doença numa determinada população, ao antecipar riscos e melhorar o acompanhamento de doentes.
Mais recentemente, a IQVIA tem incorporado agentic AI nas suas soluções, criando inclusive um assistente inteligente que responde a perguntas clínicas e estratégicas com base em dados reais da IQVIA. Este agente é capaz de sintetizar evidência de múltiplas fontes, como bases de dados de saúde, estudos de mercado e registos clínicos, o que permite aos decisores obter insights rápidos e acionáveis sobre epidemiologia, acesso ao mercado ou performance terapêutica. Esta tecnologia está a ser utilizada por equipas de consultoria e clientes para acelerar decisões em áreas como oncologia, doenças raras e gestão hospitalar
Que tipo de dados são mais relevantes para as empresas com quem trabalham? E como garantem a qualidade e a segurança desses dados?
Trabalhamos com dados clínicos, epidemiológicos e de consumo, pelo que o nosso código de conduta e privacidade são pilares fundamentais no dia-a-dia dos colaboradores. Na IQVIA damos muito valor à proteção dos dados e ao uso responsável dos mesmos, fator imperativo no nosso negócio. A IQVIA está presente em Portugal há mais de 50 anos e aplica processos rigorosos de controlo de qualidade, segurança e privacidade, seguindo as melhores práticas internacionais e, claro, nacionais, para garantir a privacidade e proteção dos dados.
Adicionalmente, estamos a investir no futuro da gestão de dados através de data lakes, que permitem integrar e analisar grandes volumes de informação clínica e administrativa de forma estruturada e segura. Um exemplo concreto é o projeto piloto “Darwin”, em que a IQVIA participa diretamente, desenvolvido no âmbito do EHDS – European Health Data Space, uma iniciativa que visa criar um ecossistema europeu de dados de saúde, com interoperabilidade entre países e instituições. Este tipo de infraestrutura é complementado por modelos federados, que permitem realizar análises avançadas sem que os dados saiam do seu local de origem. Ou seja, os algoritmos “viajam” até aos dados, e assim preservam a privacidade e garantem conformidade com o RGPD. Estes modelos são especialmente relevantes para estudos multicêntricos, onde a partilha direta de dados seria legalmente ou tecnicamente inviável.
Neste contexto, a rede pan-europeia DARWIN EU® estabelece padrões para análise federada de dados com um modelo comum, o que promove a integração de dados secundários na tomada de decisão regulatória e acelera o apoio a ensaios clínicos com soluções reais e multicêntricas.
De que forma os serviços da IQVIA ajudam os seus parceiros a tornarem-se mais ágeis e competitivos no mercado?
Ao posicionarmo-nos no centro do ecossistema da saúde, tal permite-nos ter uma visão abrangente do setor e das oportunidades e desafios dos vários agentes envolvidos. Diria que um grande ponto de diferenciação é precisamente o conhecimento acumulado com a nossa experiência, que nos permite colaborar e apoiar os clientes a tomar decisões mais informadas e a planear melhor os seus recursos. Por exemplo, uma farmacêutica pode lançar um produto com maior confiança beneficiando do acumulado de décadas em que nos especializámos neste tema, e um sistema de saúde pode antecipar necessidades e responder de forma mais eficiente, sejam necessidades operacionais ou estratégicas.
Pode partilhar algum exemplo em que a vossa intervenção tenha tido um impacto significativo na estratégia de uma empresa?
Em Life Sciences apoiámos uma empresa do top 10 a redefinir o seu modelo comercial, bem como as funções e competências das equipas do terreno, o que lhes tem permitido ser muito mais ágeis e com resultados visíveis no negócio.
Estamos neste momento a apoiar uma empresa de produção de medicamentos a aumentar o seu portefólio de produtos em produção, algo que tem imenso valor estratégico, não só para a empresa, mas também para o país.
Na ótica dos hospitais, apoiamos projetos estratégicos, como a implementação de Centros de Responsabilidade Integrada (CRI), nomeadamente através do apoio na definição de indicadores e na negociação de contratos-programa, cujo objetivo final é serem mais eficientes no número de utentes tratados e na qualidade dos serviços prestados, com ganhos em saúde.
Como vê o futuro da consultoria em healthcare, sobretudo num contexto cada vez mais digital, regulamentado e orientado por resultados?
Com otimismo! O setor da saúde, apesar de resiliente, está num ponto de viragem em que a colaboração é vital para abordar os desafios atuais de forma construtiva.
O “digital” é um termo vasto que inclui muitos conceitos, mas diria que com o advento da Inteligência Artificial, e com a informação clínica cada vez mais digitalizada e estruturada, teremos cada vez melhores condições para extrair conhecimento dos dados, o que possibilita desenhar políticas e tomar medidas orientadas para resultados, quer clínicos quer de produtividade e gestão.
O tema da regulamentação é um aspeto fundamental para garantir que se cumprem as regras, permitindo manter o foco do sistema no que verdadeiramente importa: na prevenção e gestão da saúde. Neste campo creio que temos feito algum progresso, embora veja ainda algumas instituições que, pela complexidade dos dados e informação, preferem ficar de fora para não correr risco nenhum, o que pode limitar o progresso. Mas em geral o panorama tem melhorado e evoluído a bom ritmo.
Quais são as vossas principais apostas para 2025 e 2026 em Portugal? Que áreas ou segmentos de mercado estão a observar com maior atenção?
Inevitavelmente, o setor de Life Sciences será sempre uma prioridade porque é também aquele que nos habituou a um maior dinamismo e onde a IQVIA tem uma presença muito consolidada. Recentemente, um número crescente de pequenas companhias biofarmacêuticas sediadas em Portugal encontra-se a preparar o desenvolvimento e lançamento de produtos inovadores, pelo que é um segmento que acompanhamos de perto. Reforçaremos, igualmente, o investimento na área de prestadores e pagadores, e mais recentemente apostámos em duas áreas com muito significado para a IQVIA, as Associações de Doentes, onde acreditamos que podemos apoiar estas instituições a ter um maior impacto no setor social e em particular na gestão das doenças que representam. Nesse sentido, fizemos recentemente o IQVIA Patient Summit, evento dedicado a debater os grandes desafios que as associações enfrentam. Mas, também, a área da Saúde Pública, onde acreditamos poder fazer a diferença. O tema do envelhecimento da população e do combate às desigualdades e o acesso à saúde, em Portugal ou noutras geografias, como os PALOP, é também uma área de enorme interesse.
Que perfil de parceiro ou cliente é mais comum na vossa carteira atualmente? E que tipo de colaboração procuram desenvolver a médio prazo?
Temos desenvolvido projetos, quer na área de Life Sciences, quer em healthcare. As iniciativas com Life Sciences são mais recorrentes, mas assistimos a um crescimento claro no segmento de healthcare, com colaborações cada vez mais estratégicas. Em ambos os segmentos, a nossa missão de impulsionar a inovação em Portugal está sempre presente.
Como é que a consultoria pode contribuir para resolver desafios estruturais na área da saúde — como a eficiência dos sistemas, o acesso à inovação ou a sustentabilidade financeira?
Somos sempre muito conscientes da nossa responsabilidade quando procuramos responder a desafios estruturais na área da saúde, responsabilidade essa que assumimos transversalmente na organização.
Sob o ponto de vista da eficiência dos sistemas, a IQVIA ajuda a identificar ineficiências operacionais e a implementar soluções baseadas em dados que otimizam recursos humanos, tecnológicos e financeiros. A título de exemplo, podem ser ferramentas digitais, como sistemas de voice-to-text, que nas consultas clínicas permitem libertar tempo dos profissionais de saúde, para dessa forma aumentar a produtividade sem comprometer a qualidade. Ou mesmo modelos preditivos, que ajudam a antecipar picos de procura e a ajustar a alocação de recursos, com a redução de tempos de espera e melhoria ao nível da experiência do utente.
O acesso à inovação é um dos temas centrais quando hoje falamos em saúde. A consultoria da IQVIA apoia a introdução de novas terapias e tecnologias no sistema de saúde de forma estruturada e baseada em evidência, através da avaliação do valor clínico e económico de novas soluções, o que ajuda os decisores a priorizar investimentos com maior impacto. Adicionalmente, facilitamos o diálogo entre indústria, reguladores e pagadores, promovendo modelos de acesso inovadores, como contratos baseados em resultados.
Por fim, e num contexto de recursos limitados, a IQVIA apoia a tomada de decisões mais sustentáveis, pelo que desenvolvemos análises de custo-benefício e modelos de impacto orçamental que permitem avaliar o retorno de cada investimento em saúde. Ajudamos ainda a desenhar estratégias de financiamento e planeamento plurianual, alinhadas com as necessidades reais da população e com os objetivos de saúde pública.