O Banco de Portugal (BdP) revelou ao Jornal PT50 que, de acordo com os dados disponíveis na Central de Responsabilidades de Crédito, em 2023, os intermediários de crédito (IC) eram responsáveis por “cerca de um quinto” dos novos contratos de crédito à habitação. De acordo com os dados disponíveis no site do regulador, em 2023, foram celebrados 75360 novos contratos de crédito para habitação própria permanente e ainda mais 31016 contratos designados de “outro crédito à habitação”.

Recorde-se que as discrepâncias sobre o peso dos profissionais de intermediação de crédito no setor surgiram em novembro passado, quando, em entrevista ao Jornal Público, o presidente da Associação Nacional de Intermediários de Crédito Autorizados (ANICA), Tiago Vilaça, e a administradora do BdP, Francisca Guedes de Oliveira, apresentaram dados divergentes sobre o tema.

Na altura, o presidente da associação apontava para valores a rondar os 70%. Por outro lado, Francisca Guedes de Oliveira veio contrapor com os dados de 2021, que, ainda que desatualizados, apresentavam um peso de 16% e, argumentou, que mesmo que tenha “crescido muito”, a administradora tinha dificuldade em acreditar que tivesse atingido aos 70%.

Sobre os dados revelados pelo BdP, fonte oficial da ANICA afirmou que, de momento, a associação não tinha nada a acrescentar.

O Jornal PT50 entrou em contacto com os cinco maiores bancos nacionais para obter dados concretos sobre o peso dos IC nas suas carteiras de crédito à habitação. No entanto, o Millennium BCP, o BPI e o Novo Banco adiantaram que não revelam estes dados. Por sua vez, a Caixa Geral de Depósitos e o Santander, até ao momento, não responderam.

No que ao crédito ao consumo diz respeito, é possível observar que, em 2023, os créditos concedidos através de intermediários representaram 45,2%, um ligeiro aumento face aos 43,9% de 2022. Segundo o regulador, “para este aumento contribuiu o acréscimo da importância dos intermediários no crédito ‘revolving’ e o aumento do peso do crédito automóvel, segmento em que a maioria do montante de crédito é concedido através deste canal de comercialização”. Segundo o Relatório de Acompanhamento dos Mercados de Crédito 2023, 83% dos créditos automóvel eram através de intermediários, o que, ainda assim, representa uma descida em relação aos 86,1% de 2021 e 83,9% de 2022.

Em relação a 2024, o BdP revelou no passado dia 29 de janeiro, que houve um aumento de 4,2% em empréstimos concedidos face a 2023, que registou uma variação negativa. O montante de empréstimos para crédito habitação subiu 3,5 mil milhões (3,5%), totalizando 102,4 mil milhões de euros ao longo do ano. O valor demonstra uma inversão da tendência de 2023, em que os créditos à habitação encolheram 1,2%.

Um setor em crescimento

A ANICA sublinhou que o setor “cresceu significativamente nos últimos anos e tem-se revelado muito dinâmico”. A entidade reguladora vai ao encontro desta perspetiva e considera que estes agentes têm um “papel relevante na distribuição de produtos de crédito” e o seu peso “tem crescido de forma sustentada ao longo dos últimos anos”, realça. De momento, existem perto de 5900 entidades registadas junto do BdP autorizadas a fazer intermediação de crédito.

Questionada sobre a concorrência com os bancos e a possível substituição dos comerciais da banca, a ANICA rejeitou que os IC trabalhem em concorrência com os bancos. Trabalham, sim, “em complementaridade com estes, servindo como interlocutor entre o banco e o cliente”, defende. A associação realça que, “num contexto de generalizado encerramento de agências bancárias em todo o território, os IC acabam por levar às pessoas os serviços bancários, apresentando as propostas mais adequadas à situação especifica de cada cliente”.

Destaca ainda que deve haver uma colaboração “proativa e leal”, sem nunca perder de vista o “compromisso para com os consumidores”. “Esta relação tripartida – Consumidor, Intermediário de Crédito e Instituição Financeira – beneficia tanto bancos, que recebem negócio, como clientes, que obtêm as soluções mais adequadas a si, e, no limite, a economia como um todo”, remata.

Regulação com necessidade de atualização

O BdP adianta que está a “realizar um exercício de reflexão sobre a eventual necessidade de atualização desse enquadramento face à evolução do mercado”. A legislação em vigor remonta a 2017 e, tendo em conta preocupações manifestadas por várias partes interessadas, justifica a entidade reguladora, “está a ser equacionada a apresentação de uma proposta ao legislador para alteração do referido regime jurídico”.

Esta revisão tem como objetivo “uma maior celeridade e eficiência na atividade supervisora, clarificar algumas regras aplicáveis e aprofundar a transparência de informação para os clientes bancários”, esclarece o BdP.

Sobre a possibilidade de um enviesamento do aconselhamento dos IC – fruto de remunerações variáveis e prémios – o Banco de Portugal remete para as práticas e políticas de remuneração destes profissionais, que, considera, são “uma matéria particularmente relevante no contexto de atuação destas entidades no mercado de crédito”. Explica que estas regras estão previstas no regime jurídico dos IC e já foram objeto de regulamentação em 2017. “Também os deveres aplicáveis nesta matéria serão objeto de avaliação, tendo em conta a evolução do mercado e a necessidade de assegurar a transparência da informação prestada aos clientes bancários”, explica o BdP.