Com a ajuda de Gonçalo Matias, Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, olhamos para as competências da população. O gráfico abaixo apresenta os resultados de um inquérito internacional, o Inquérito às Competências dos Adultos -PIAAC, levado a cabo pela OCDE.

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Antes de mais, é importante perceber para o que estamos a olhar: falamos de população adulta (entre os 16 e os 64 anos) e foram avaliadas competências “fundamentais”, ou seja, tarefas e situações do dia-a-dia dos adultos, necessárias na vida quotidiana. Não estamos a falar de testes muito técnicos ou teóricos.

Verificamos que, dos 19 países da UE que participam no inquérito, Portugal é o país com níveis mais baixos na compreensão de textos escritos e é também o país com maior proporção de adultos que só consegue fazer cálculos básicos (numeracia).

Se olharmos para todos os 31 países participantes, Portugal mantém-se na penúltima posição, só restando o Chile abaixo de nós.

As fracas pontuações que se verificam na população adulta, têm uma origem anterior? Ou seja, estes resultados são fruto da qualidade da aprendizagem dos alunos que se vão tornar nestes adultos com baixas competências?


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Um dos indicadores mais fiáveis da qualidade da aprendizagem são os resultados em avaliações internacionais. Aqui, vamos recuar nas idades e ver como estão as competências dos alunos de 15 anos, medidas pelo PISA, que avalia em que medida os jovens, perto do final da escolaridade obrigatória, adquiriram os conhecimentos e capacidades essenciais para a plena participação nas sociedades modernas.

Uma parte significativa dos alunos com 15 anos tem dificuldades na matemática (29,7% dos alunos), na leitura (23,1% dos alunos), e em ciências (21,8%). Ainda estamos longe de atingir a meta europeia para 2030 que é de ter no máximo 15% dos alunos a registarem estas dificuldades.

Ainda assim, Portugal está próximo da média da OCDE quanto ao desempenho dos jovens de 15 anos. Já no caso dos adultos, Portugal está pior nas comparações europeias, o que, de certa forma, desconstrói a perceção segundo a qual o sistema de ensino atual deixa muito a desejar em relação ao de antigamente.

Como se comparam as competências dos adultos portugueses com a média da OCDE?

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Se nos focarmos nos dados dos vários países da OCDE sobre as competências dos adultos em literacia e numeracia, encontramos diferenças assinaláveis entre indivíduos dos mesmos países e com os mesmos graus de ensino. No caso de Portugal, em todos os níveis de educação, a percentagem de adultos com pior desempenho, ou seja, com mais dificuldades, está acima da média da OCDE. E isso reflete a necessidade de melhorar a qualidade do ensino, sobretudo entre os níveis de desempenho mais baixos.

Devido ao atraso que a população portuguesa apresentava no que respeita a qualificações em 1974, o sistema educativo instituído pela democracia tendeu a enfatizar dimensões quantitativas (como o número de licenciados ou a taxa de abandono escolar), que continuam a ser muito importantes, mas a verdade é que também é indispensável garantir a qualidade da educação no que toca às competências adquiridas e desenvolvidas. Muitas vezes valoriza-se a questão do grau e desvaloriza-se o que este representa. Esta questão é particularmente relevante, pois social e economicamente o grau perde relevância à medida que o tempo passa e o que conta é a capacidade demonstrada na prática.

A desigualdade na qualidade da educação tem contribuído para explicar diferenças no desempenho de populações com níveis semelhantes de escolaridade. Países com sistemas educativos de maior qualidade têm melhor desempenho em múltiplas dimensões, nomeadamente em termos económicos.

Onde é que se sente mais o efeito de um nível mais alto de qualificações? É nos salários?

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Muitas vezes falamos do valor económico das competências pensando nos salários e no emprego. Mas os benefícios da formação superior em Portugal vão muito além desses aspetos. Num estudo publicado pela Fundação em 2017, conclui-se que as pessoas com mais formação também beneficiam em termos de saúde, de participação cívica e até nas relações interpessoais. A sociedade como um todo beneficia por ter uma população mais escolarizada.

Os adultos portugueses com competências mais elevadas reportam muito mais satisfação com a sua vida, maior satisfação com o seu estado de saúde, níveis mais elevados de confiança nas instituições e nos outros, além de níveis de participação cívica mais elevados.

O efeito da educação e da formação não se reflete só na maior capacidade de realizar tarefas que aumentam a sua produtividade e que são valorizadas pelo mercado de trabalho. Esses efeitos fazem com que as pessoas consigam resolver melhor e mais rapidamente muitas tarefas no seu quotidiano, dando-lhes mais autonomia e segurança para viverem as suas vidas e para interagirem socialmente.

Em que aspetos do dia a dia se sentem esses efeitos?

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Por exemplo, na gestão do seu dinheiro, isto é, no seu grau de literacia financeira. Em Portugal, há grandes fragilidades na literacia financeira, o que coloca os portugueses numa situação potencial de grande dependência e de vulnerabilidade quando tomam decisões financeiras importantes.

As competências financeiras dos portugueses também comparam mal com as de outros cidadãos europeus, já que Portugal apresenta o segundo pior desempenho da União Europeia. Dados do Eurobarómetro de 2023 mostram que só 16% dos portugueses conseguiram responder corretamente a pelo menos quatro de cinco perguntas sobre questões financeiras. Quase 3 em 10 inquiridos não conseguiram responder acertadamente a mais do que uma dessas cinco perguntas. Em ambos casos, os portugueses estão pior do que a média dos europeus.

E este Eurobarómetro mostra também como é a confiança no aconselhamento dado pelas entidades financeiras?

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O mesmo Eurobarómetro mostra que os portugueses têm um nível de confiança muito elevado no aconselhamento dado pelas entidades financeiras. Portugal fica em quinto lugar nesse nível de confiança. Quase metade dos portugueses revelam confiança nesses conselhos, num nível claramente superior à grande maioria dos países da União Europeia. Esses dados revelam que os portugueses poderão estar mais vulneráveis a publicidade financeira enganosa ou fraudulenta com riscos claros para a sua situação financeira.

A questão da literacia económica e financeira tem tido uma importância crescente nas sociedades contemporâneas, nomeadamente após a crise de 2008, tendo em conta que muitos indivíduos tomaram importantes decisões financeiras sem terem a compreensão total do impacto dessas decisões para o seu futuro. Os problemas de endividamento excessivo de muitas famílias também tem reforçado esta preocupação.

Além da literacia financeira, podemos também falar de baixas competências digitais?


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Sim, essa é precisamente outra das áreas relevantes. Os desenvolvimentos tecnológicos recentes, nomeadamente ao nível da digitalização, reforçam a necessidade de continuarmos a desenvolver e adquirir competências. Portugal apresenta competências digitais semelhantes à média da União Europeia. A percentagem de adultos com um nível básico ou acima do básico era de 56% em 2023.

Neste indicador foram avaliadas diferentes utilizações dos meios digitais, como a capacidade de encontrar informações na internet, ter reuniões online, usar programas como o Word e o Excel, fazer compras ou usar serviços bancários online.

Mas essa média oculta diferenças muito grandes.

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Tendencialmente, quanto mais baixas são as qualificações, menor é o nível de competências digitais. E Portugal era o país da União Europeia com maior distância nas competências digitais entre as pessoas com formação superior e as que têm qualificações mais baixas. Essa distância é demonstrativa de uma profunda desigualdade.

É importante evitar que a digitalização reforce a vulnerabilidade dos que são menos qualificados e que têm competências digitais muito inferiores. Mas também é importante ajudar trabalhadores com níveis de qualificação mais elevados a enfrentar os desafios da Inteligência Artificial porque há muitas tarefas que passarão a ser desempenhadas por ferramentas digitais, obrigando-os a desenvolver ou aprofundar outras competências mais valiosas e que dificilmente serão substituídas por máquinas (como a criatividade, o pensamento crítico, a comunicação ou as relações interpessoais). Esse processo irá requerer que muitos voltem a estudar e a ter formação numa fase em que já não esperariam precisar disso.

Em que grupos se estima que a inteligência artificial tenha mais impacto?

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A Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou há poucas semanas um policy paper que analisa, pela primeira vez, os impactos da inteligência artificial em todo o mercado de trabalho português, excluindo parte da administração pública e trabalhadores por conta própria. Traçaram-se 4 perfis de profissões.

Destaco, desde logo, as “profissões em ascensão” onde se encontra quase um quarto da população portuguesa. São pessoas cujas profissões podem usufruir de ganhos de produtividade relacionados com a IA, estando ao mesmo tempo resguardadas dos efeitos destrutivos da automação. Estamos a falar, por exemplo, de professores do ensino básico e educadores de infância, especialistas em marketing e relações públicas, e técnicos de contabilidade e finanças. Nestas profissões, a grande maioria dos trabalhadores já tem o ensino superior ou é altamente qualificada.

Por outro lado, 28,9% estão nas chamadas “profissões em colapso”, muito expostas aos efeitos destrutivos da IA. Estas são também as pessoas que tendencialmente têm qualificações mais baixas e auferem piores salários. Alguns exemplos: empregados de mesa, cozinheiros, operadores de equipamentos móveis.

As profissões no terreno dos humanos não deverão beneficiar da IA, mas estão protegidas dos seus efeitos destrutivos. Já as que se encontram no terreno das máquinas estão ameaçados pela IA, mas poderão ainda beneficiar de alguma complementaridade.

O que nos diz este cenário? Que é preciso um esforço de requalificação e formação contínua, sobretudo para que os trabalhadores das profissões em colapso possam transitar para posições menos vulneráveis. Mas não só. Todas as categorias profissionais precisarão de se manter atualizadas, incluindo os gestores das empresas. Os decisores políticos devem: criar mecanismos de requalificação e mobilidade profissional, promover e facilitar a adoção das novas tecnologias por parte das empresas e, finalmente, assegurar a proteção social dos trabalhadores mais vulneráveis.

Não estamos habituados a pensar a formação e qualificação desta forma contínua, pois não?

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Não, não estamos. Portugal tem um desafio grande, pois tradicionalmente associamos a formação aos períodos iniciais de vida, e o país apresenta um valor mais baixo de participação de adultos em atividades de formação em comparação com a maioria dos países europeus.

Além disso, os dados mostram que há mesmo um declínio das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas ao longo da vida. Os adultos mais velhos, entre os 55 e os 65 anos, demonstram piores desempenhos do que os jovens entre os 25 e os 34 anos.

Essas disparidades de competências entre adultos mais velhos e mais jovens resultam de efeitos associados ao envelhecimento, mas também a diferenças na qualidade e quantidade de educação e formação entre gerações.

Vivemos num tempo de mudanças profundas e aceleradas, que requerem não só mais educação e formação inicial, mas também uma maior renovação de competências, desde as mais essenciais às mais complexas. Isso é importante de um ponto de vista produtivo e económico, mas também tem implicações para os indivíduos, nomeadamente num contexto de crescente longevidade, em que as pessoas trabalham, tendencialmente, até mais tarde e, por isso, têm de preservar e adquirir novas competências.