Os ensaios clínicos (EC) são uma peça fundamental para o avanço da medicina e da ciência, com benefícios assinaláveis para a Saúde, Sociedade e Economia de qualquer país. A interseção entre EC, transformação digital e inteligência artificial (IA) já é uma realidade a nível mundial. Em Portugal, quão longe estamos dessa realidade?

Os EC são uma fonte de esperança para os doentes sem alternativa terapêutica, pois permite-lhes acesso antecipado a terapias inovadoras, vários anos antes da previsão de introdução. Embora envolvam a avaliação da relação risco-benefício, são cruciais para introduzir novos medicamentos no mercado, comprovando a sua eficácia e segurança.

O seu impacto vai além dos ganhos para a saúde e para a sociedade. Do ponto de vista económico, fidelizam e atraem mais investigadores e profissionais altamente qualificados, que desenvolvem as suas atividades e promovem a captação de investimento internacional para o país. Por cada euro investido em EC, o país gera €1,99, ou seja, quase 200% do valor alocado.

Entre 2020 e 2024, a região da Europa tinha mais de 65 mil EC ativos, enquanto em Portugal existiam apenas 991, representando cerca de 1,5% do total no continente europeu nos últimos 4 anos. O nosso país continua na cauda da Europa, tendo sido recentemente ultrapassado por países do Leste Europeu em termos de maturidade em estudos clínicos. Para além disso, países, como República Checa, Áustria, Bélgica, Grécia e Hungria, com populações similares, apresentam um número maior de EC.

Em Portugal existem 53 entidades (36 públicas e 17 privadas) com Centros de investigação Clínica (CIC) / Centros de Ensaio com o objetivo de dinamizar, promover e desenvolver projetos de investigação clínica.

A forte competitividade internacional e os desafios associados à complexidade da execução dos EC têm sido preponderantes no desempenho nacional. Em 2022, por exemplo, 13% dos centros de investigação em Portugal não conseguiram recrutar doentes e a taxa de recrutamento total ficou nos 49% face ao objetivo.

Um dos desafios transversais aos centros de investigação que carece de uma abordagem estruturante é o baixo nível de digitalização. Neste momento, muito do trabalho que é desenvolvido, relacionado com os EC ainda é realizado de forma manual. E se os centros de investigação utilizassem soluções digitais interoperáveis e com automação que lhes otimizasse o tempo e aumentasse a sua capacidade de resposta? E se pudessem trabalhar num ambiente em total conformidade com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD)? Será que se tornariam mais competitivos?

Atualmente já existem soluções tecnológicas que permitem, de forma centralizada, digitalizar e desmaterializar praticamente todo o processo de execução e gestão administrativa do ensaio clínico na perspetiva do Centro de Investigação, comumente conhecidas como Clinical Trial Management System (CTMS). A monitorização dos custos e do orçamento, a gestão do recrutamento ao longo do ensaio, a criação de forma autónoma de eCRF (formulário electrónico para participantes em ensaios clínicos), e a existência de uma aplicação móvel integrada para os doentes, são também funcionalidades que podem ser encontradas neste tipo de soluções.

Um outro exemplo de soluções de suporte às equipas dos centros de investigação, mas direcionado à fase de exequibilidade e identificação de possíveis participantes, é aquele que permite de forma acelerada procurar e identificar o número de doentes que cumprem com os critérios de inclusão e exclusão dos EC.

Recorrendo a tecnologias de IA, este tipo de soluções processa dados estruturados e não estruturados dos diversos sistemas de informação dos hospitais, devolvendo ao utilizador o número de doentes que cumprem com os critérios exigidos. Desta forma, encurtam para minutos um processo que pode demorar meses, e todos os doentes potencialmente elegíveis são considerados.

A integração de soluções digitais e de IA de suporte aos EC é já uma realidade à escala internacional, criando vantagens competitivas distintas sobre os centros de investigação que as utilizam.

Neste contexto, e atendendo à manifesta intenção de se continuar a evoluir a este nível em Portugal, deverá investir-se nos centros de investigação e na sua maturidade digital para os diferenciar e tornar mais competitivos a nível global.